|
julho 3, 2019
Élcio Miazaki + Vítor Galvão na CâmeraSete, Belo Horizonte
Em sua 4ª edição consecutiva, o Edital de Ocupação de Fotografia da Fundação Clóvis Salgado leva à CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais, de 5 de julho a 14 de setembro, as exposições Arquipélago, de Victor Galvão (MG), e Impulsos Imitativos, de Élcio Miazaki (SP). Trabalhando a essência questionadora da contemporaneidade e o sentimento de melancolia de maneiras distintas, as exposições fotográficas contam, também, com obras em vídeo e objetos. A noite de abertura (5) integra a programação do Noturno de Museus.
Para Eliane Parreiras, presidente da Fundação Clóvis Salgado, a realização do Edital de Ocupação de Fotografia de maneira consecutiva demonstra a potência desse formato na cidade Belo Horizonte. “São linguagens diferentes ocupando um importante espaço de passagem no centro de BH, que é a CâmeraSete. Para nós, é extremamente importante fomentar a fotografia como arte e que o público ocupe cada vez mais a Casa de Fotografia de Minas Gerais”, destaca.
Arquipélago
Em Arquipélago, Victor Galvão apresenta fotografias de viagem realizadas ao longo dos últimos cinco anos em diversas partes do mundo, formando um panorama descontínuo de lugares e momentos que não são identificados diretamente. A exposição é constituída por cenas que representam experiências de contemplação diante da paisagem, numa narrativa permeada pelos sentimentos de solidão e isolamento. Além das fotografias, o projeto conta também com dois vídeos produzidos a partir de uma sequência de imagens com legendas.
Segundo o artista, a exposição é um recorte de seu arquivo, com fotografias que não tinham lugar em séries com organização conceitual mais rigorosa. “Não reuni essas imagens por um traço conceitual específico, mas sim num retorno a um arquivo que tem valor afetivo para mim por meio de um recorte mais espontâneo”, explica Victor. Para Uiara Azevedo, gerente de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado, a fotografia de Victor Galvão provoca uma identificação universal, evocando a simplicidade de um registro fotográfico que chama a atenção pela estranheza e pelo caráter afetivo, num tempo em que somos bombardeados por fotografias de viagem o tempo todo.
A materialidade da fotografia em filme é um dos pontos decisivos na pesquisa de Victor Galvão, ponto de partida para Arquipélago. O processo do artista consiste no uso de filmes do seu acervo, que podem já ser antigos e permanecerem guardados por muito tempo sem revelação. “Compro os filmes, coloco na câmera e revelo no banheiro de casa de maneira artesanal. Deixo meu processo ser esburacado, com abertura para muita coisa dar errado porque gosto de deixar a imagem ter vida própria”, explica o artista. “Tem muito a ver com distância e instabilidade da paisagem, e esse processo é meu jeito também instável de trabalhar”.
Na exposição, estão também dois vídeos em formato de slideshow com fotografias em película, com narrativa em legendas escritas por Victor Galvão. “Para mim é importante conduzir a narrativa não só pela imagem que é mais sutil, mas também pelo texto que é um pouco mais impositivo e consciente”, explica. Segundo o artista, o texto é, também, uma forma de marcar a linearidade do tempo em contrapartida à estaticidade da imagem. “O texto dá ritmo, distribuindo essas imagens no tempo e tirando-as de um momento pré-determinado”.
Impulsos Imitativos
Impulsos Imitativos, de Élcio Miazaki, parte de pesquisas relacionadas ao meio militar, criando um repertório que se faz familiar ao cotidiano civil por meio de objetos simbólicos manipulados artesanalmente. Élcio investiga os pontos de coincidência entre universos aparentemente distintos, o militar e o civil, utilizando a simbologia das Forças Armadas para tratar de assuntos universais como a melancolia e a incerteza. No conjunto da exposição, o artista aponta para uma visão crítica que salienta questões importantes, observando, também, o homem por trás da farda.
Na série, Élcio se apropria de imagens do contexto militar encontradas em garimpos. “São fotografias que para muita gente não faz mais sentido guardar ou não têm interesse, então circulam muito. Sempre me interessei por fotografias que não são minhas nem da minha família”, conta o artista, que iniciou sua pesquisa após os confrontos entre manifestantes e militares em 2013 e manipula as imagens e objetos datados do período da ditadura militar brasileira. Segundo Élcio, seu interesse pelo patrimônio histórico se relaciona à sua formação em arquitetura e desde os anos 1990 tinha uma preocupação pela conservação da memória.
Em seu trabalho o artista aborda aspectos políticos relacionados à liberdade de expressão, mas busca, também, falar de um arquétipo masculino presente na experiência dos homens desde a infância. “Uma coisa que foi muito forte para mim é que quando os homens completam 18 anos são obrigados a se alistar. É um dos primeiros momentos em que sentimos que não temos decisão própria”, observa o artista, destacando o processo de apagamento da identidade visual pela qual os militares passam no alistamento. “Talvez os objetos na exposição não tragam isso diretamente, mas acredito que falo de assuntos internos ainda que sob a capa do militar”.
Ao lidar com objetos do passado, a exposição de Élcio passa inevitavelmente pela melancolia de um tempo e de uma masculinidade moldada pela imitação. “Esse resgate do passado traz à tona a ideia de que na sociedade como um todo não há liberdade de vivermos aquilo com que nos identificamos, e no caso do militar, percebo que ele tenta viver aquilo que a alma procura, mas não há lugar para outra coisa ali”, reflete Miazaki, reforçando que embora os retratos tenham um caráter muitas vezes intimista, há, também, a impossibilidade de controlar como uma imagem se espalha pelo mundo.
Além de objetos e fotografias, a exposição conta, também, com dois vídeos. Enquanto um deles apresenta o artista folheando um álbum de fotografias de uma posse aeronáutica da década 1970, propondo um novo enquadramento para as imagens, o segundo traz filmagens de técnicas militares de salvamento. “São imagens que tocam em questões de fragilidade e masculinidade, e podem ter até mesmo um sentido dúbio. Me interessou muito investigar como a memória desses movimentos ficariam no corpo do soldado”, explica Élcio.