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setembro 18, 2011
Sobre Liliana Porter na Luciana Brito, São Paulo
Luciana Brito Galeria apresenta The Enemy e Outros Olhares Oblíquos, exposição individual da artista argentina, radicada nos EUA, Liliana Porter. Essa será a mostra mais completa da artista já realizada no Brasil, com um conjunto de mais de 40 obras, que abrange toda a diversidade de sua produção, como pinturas, instalações, vídeo, obras gráficas, desenhos e fotografias, inclusive mostrando seus trabalhos mais recentes, que traz novas estratégias visuais. A curadoria é de Adolfo Montejo Navas.A exposição, que já é a terceira realizada pela galeria sobre a artista, será acompanhada de um catálogo trilíngue (português, espanhol, inglês), trazendo mais de 50 imagens e registros críticos inéditos no Brasil, de diversas autorias, incluindo do próprio curador, além de entrevista realizada recentemente com Liliana Porter.Ao todo, serão 45 obras que irão ocupar todo o espaço da galeria. Para abrir a exposição, serão mostradas algumas obras históricas, datadas do início da carreira de Liliana Porter, como a fotografia Untitled – Hands and Triangle (1973, 8 x 8 cm) e as fotogravuras Untitled – Wrinkle III (1968/69, 41,28 x 33,66 cm) e The Moon (1977, 38,48 x 25,4 cm). Esses trabalhos, juntamente com a obra que dá nome à exposição, The Enemy (2007, 100 x 86 cm), e a instalação To Fix it III (2010, 16,5 x 110,5 x 26,7 cm), antecipam os outros trabalhos, inclusive alguns de grande dimensão e instalações, como Forced Labor – Hay (2011, 20 cm/diâmetro), Black Drip – Dutch Girl (2008, 17,8 x 110 x 26 cm) e Dancers (2010, 15,5 x 61 cm)Além dessas, também serão mostradas, pela primeira vez no Brasil, as obras raras feitas em tecido, Knot (2006, 54 x 47 cm) e The Garden (2006, 60 x 48 cm), e fotografias mais recentes, bem como Black Drips I e Black Drips II (2008, 56 x 75 cm e 56 x 84 cm, respectivamente), Magritte (2008, 11 x 15 cm) e Brancusi (2008, 11 x 16 cm). Também serão expostos trabalhos inéditos em desenho, além de trabalhos gráficos. Na sala de projeções, ainda, será apresentado o vídeo Matiné (2009, 20 min.). Como destaque, a exposição irá mostrar também uma coleção inédita de litografias, sendo algumas delas, inclusive, com elementos sonoros: Elvis (2011, 74,5 x 54 cm) e Oh (2011, 74 x 4 cm).
Liliana Porter sempre procurou exprimir, por meio de seu trabalho multifacetado, sua forma única de perceber a realidade. Sendo assim, é possível identificar em sua obra elementos significativos, como a síntese, a concisão e a polissemia, bem como a simultaneidade temporal e a ausência de linearidade em suas narrativas estéticas. Segundo o curador, Adolfo Montejo Navas, “essa proposta expositiva destaca as questões mais importantes da poética de Liliana Porter, como a reflexão sobre a representação; a lateralidade do sentido das coisas; o humor e a concisão como ferramentas desmistificadoras de totalidades e monumentalidades; a relação contígua e vinculante dos imaginários multiculturais diversos; a exploração do paradoxo de nossa existência; e a elevação do enigma da imagem e de sua fábula estética”.Liliana Porter nasceu em Buenos Aires, na Argentina, onde frequentou a Escuela Nacional de Bellas Artes, mudando-se para Nova Iorque ainda em 1964. Já com experiência gráfica, nos anos 70, seu trabalho tornou-se conceitual e minimalista e consolidou a poética que caracteriza sua obra até hoje. Exposições recentes incluem The New York Museum (Nova Iorque, EUA, 2011), Museo Tamayo (Cidade do México, 2009), Museum of Modern Art (Nova Iorque, EUA, 2008-09), Tokyo Metropolitan Museum of Art (Tóquio, Japão, 2008), MALBA (Buenos Aires, Argentina, 2008), etc. No Brasil, participou da VI Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2007) e expôs no Instituto Tomie Ohtake (São Paulo, 2007), etc. Sua obra figura, ainda, em importantes coleções públicas: Tate Modern Collection (Londres), Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia (Madri), Daros Collection Zurich (Suiça), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museum of Modern Art (Nova Iorque), Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), El Museo del Barrio (Nova Iorque), dentre outros.
Pintura ampliada por Felipe Scovino no CCBNB, Fortaleza
O diálogo entre as obras aqui expostas não se encontra na sua aparência imediata, mas na transformação simbólica que a pintura sofre na contemporaneidade, isto é, uma constante negociação entre a sua história e os incômodos questionamentos sobre a sua morte (e, portanto, validade) e a sua ligação com meios e técnicas que poderiam vislumbrar novas possibilidades para a sua aparição. Estamos sendo guiados pela experimentação desses artistas e não por uma tentativa fugidia e insípida de se criar uma “nova e radical condição para a pintura.” A recusa à figuração reúne esse conjunto de obras que procura tratar do lugar sem o apoio de referências externas. Rafael Alonso nos remete à artificialidade de
paisagens virtuais ao articular extensos campos de cores sintéticas e luminosas utilizando fitas adesivas. Há uma sensação de reconhecimento de uma paisagem aliada a uma delicada pesquisa sobre a abstração geométrica. A pintura em Alonso não é delimitadora de um espaço ou de fronteiras mas estabelecimentos de dúvidas, que transmitem um forte sentimento de colisão entre imagem e realidade.
Na Instalação sem título, de Alvaro Seixas, a relação entre a forma como se dá a aparição das obras no espaço e as obras em si não é um mero acaso. Em uma trajetória que remonta a Malevich e a tradição de uma pintura que pensa o seu limite e a concepção de uma ideia de modernidade, o artista nos revela a condição de um estado contemporâneo para a pintura, que no caso dele se faz presente a partir de uma vagueza por meio de uma repetição de imagens já existentes na história da arte. Estamos diante de espessas camadas de tinta que recobrem a superfície revelando ora construções geométricas que guardam semelhanças com a história, ora composições pictóricas que dialogam com formas arquitetônicas. Aparição de vestígios que nos desafiam a buscar um entendimento não na exatidão da representação, mas no que o sensível exprime. Veladuras que, guardadas suas especificidades, criam um diálogo com a mais recente série de trabalhos de Alonso, na qual o artista por meio de inúmeras pinceladas recobre as imagens dos convites de exposição, questionando uma espécie de lugar para a imagem.
Na obra de Houayek acreditamos ser significativo que seus trabalhos tenham emergido da pintura, e tenham modificado a orientação da mesma. É uma obra, que por se localizar na fronteira entre ser pintura ou escultura, exibe o comportamento dos materiais, originando daí o seu significado. Acentuando o caráter de camuflagem, sua pintura quer a todo momento exibir as idas e vindas entre ideia e imagem, entre imagem e fala. Entendimentos de um mundo por meio das experiências daqueles que legitimam para nós sua presença e que, ao mesmo tempo, nos revela quanto esse tecido de certezas que o constitui é frágil e consistente.
Pintura ampliada não quer afirmar um estado de novidade, mas de negociação entre a pintura e uma ideia de mundo, que pode ser entendida como irônica, vaga, cruel, reticente mas nunca irrelevante.
Pintura ampliada no CCBNB, Fortaleza
Marcos Gorgatti, Car crash e outros deslocamentos no Maria Antonia por Thais Rivitti
A batida dos carros de Car crash, de Marcos Gorgatti, não fez barulho algum. Mas, se tivesse som, seria um daqueles balões das histórias em quadrinhos que imitam os sons do mundo usando onomatopeias. Crash! Bang! Pow!
O universo das HQs e das artes gráficas em geral – incluindo aí a sinalização de trânsito e o design da publicidade – são presenças marcantes no trabalho do artista. Sua pesquisa flerta a todo momento com as ditas “artes aplicadas”. Suas obras querem estar misturadas no mundo e no cotidiano das pessoas, tal como as revistas compradas em bancas de jornal, as placas de trânsito e os logotipos de uma empresa. Imagens que nos habituamos a ver sem nos perguntar quem as criou e, talvez, sem sequer reconhecer ali um índice de criação propriamente.
O trabalho de Marcos Gorgatti usa essas formas já institucionalizadas: o desenho padrão de um carro, que não mostra um carro em particular, mas todos, no geral, ilustrações encontradas em livros didáticos, como no caso de Deslocamentos, ou a repetição da forma octogonal de uma placa de sinalização de trânsito. São signos familiares, que aprendemos a ver mais como códigos do que como desenhos, imagens que decodificamos para agir, não nos atendo a seus detalhes ou possíveis interpretações.
Os trabalhos da presente exposição apresentam esses desenhos-signos, pretensamente pragmáticos, como a lhes devolver certa ambiguidade. Em Deslocamentos, percebemos a carga ideológica dos desenhos da cartilha. Em Placa paisagem, somos conduzidos por uma via inteiramente constituída por placas de PARE. Já em Car crash todo o peso trágico de um desastre automobilístico ganha ares de brincadeira de criança. Em cada um desses trabalhos parece estar em jogo um desejo de descondicionamento social, em nome, quem sabe, de uma experiência menos mediada com o mundo.
Marcos Gorgatti no Maria Antonia, São Paulo
Alberto Bitar, Efêmera paisagem no Maria Antônia por Heloísa Espada
A fixação do movimento foi um dos grandes desafios da fotografia na época de sua invenção. O instantâneo fotográfico nasceu apenas em 1858, quase vinte anos depois do anúncio de Daguerre, logo se tornando um instrumento útil ao estudo da locomoção dos animais. Até essa data, a maior dificuldade do fotógrafo era conter a criança que, sem paciência de ficar imóvel por minutos, danificava a solene foto de família, tendo seu rosto borrado.
Já na década de 1910, na Itália, os irmãos Bragaglia, inspirados pela pintura futurista, não se interessavam em congelar gestos, mas em registrar a trajetória do movimento, realizando uma série de experimentos fotográficos que resultaram em imagens evanescentes.
O trabalho de Alberto Bitar tem parentesco tanto com o sentido fantasmagórico de um rosto borrado numa foto oitocentista quanto com o desejo de traduzir a velocidade e o fluxo do tempo. Nasce de memórias turvas e do anseio em observar o mundo em torno se deslocando constantemente. O que Bitar quer dizer não cabe numa única imagem. Além de habitualmente fotografar de dentro de um carro em movimento e de apresentar seus trabalhos como sequências, ele realiza diversos experimentos em vídeo. Em Efêmera paisagem, a fotografia é conduzida a um território incerto, sobrepondo as noções de passagem, transitoriedade e apagamento. No vídeo que integra a exposição, a floresta aparece em negativo, como uma massa branca e vazada, acompanhada pelo som familiar de uma balsa em seu percurso pelo rio. Em seguida, aquilo que seria uma representação “realista” da mata é mostrado junto a uma sonoridade tensa, potencializando a imagem da floresta como um monumento intransponível e ameaçador. Entre o reconhecimento e a transfiguração, Bitar nos aproxima de um estado de consciência impreciso, daquilo que é dificilmente dito ou descrito, ainda que permeie todas as formas de ver e de estar no mundo.
Alberto Bitar no Maria Antonia, São Paulo
Marina Rheingantz, Everybody knows this is nowhere no Maria Antônia por José Bento Ferreira
Estamos sob o mesmo teto, feito de ideias e significados. As pinturas de Marina Rheingantz convidam-nos a andar ao ar livre, fora dele. Lugares e coisas ao relento foram tocados pela umidade da noite. Não se vê pessoas, exceto por um provável espectador interno observando o mundo sem ninguém. As pistas deixadas para trás não são promissoras: cadeiras vazias, vestígios de acampamento, um campo de futebol, casas, caminhos. Tudo o que lembra uma remota presença está mais perto de se desintegrar do que de resistir em meio ao pouco que resta.
Em vão se tenta investigar as causas desta condição. Quando se tenta olhar ao longe, a visão fica embotada. Como nas pinturas de Manet, os objetos mais distantes se diluem no espaço ou se projetam para a frente.
Em Pelada caipira, o espaço entre as traves se comprime. Somente as redes resistem ao estado irregular e viscoso. Não por muito tempo. Como em Le déjeuner sur l’herbe, o que estaria ao fundo parece próximo e tudo o mais se desmancha em pinceladas e respingos. Dois pentimentos, no alto e aos lados, revelam o efeito dissolvente. Marina Rheingantz pinta a partir de fotografias, mas não permite que a pintura fique “presa a uma imagem”.
Briso começou pelo reflexo da cidade na janela. O ritmo das luzes lembra as cintilações intermitentes de Un bar aux Folies-Bergère, onde o espaço se reflete no espelho. Em Manet também é frequente o recurso do “espectador interno”. Postes de luz se condensam em pinceladas claras em contraste com um fundo vermelho. Pinceladas grossas fazem com que o fundo envolva as figuras, o que traz todo o espaço para o primeiro plano.
O mesmo ocorre em Piscina com malha viária e Quebra-cabeça. Contornos se desfazem em formas turvas, cores vivas, sombras e escorridos. Há limites para o que se pode ver e contar. O espaço moderno não precisa estar ao abrigo do mistério do mundo.
Marina Rheingantz no Maria Antonia, São Paulo
João José Costa, Superfícies em expansão no Maria Antônia por Felipe Scovino
O Grupo Frente, compromisso estético baseado no Rio de Janeiro na primeira metade da década de 1950 e do qual João José Costa foi integrante, ao lado dos seus antecessores Atelier Abstração e Grupo Ruptura (para não citar os casos quase omissos pela historiografia da arte brasileira de obras abstratas realizadas por Belmiro de Almeida, em 1908, e Ismael Nery, na década de 1930, por exemplo), foi responsável pela pesquisa e produção acerca da linguagem construtiva no país.
Junto aos do Ruptura, os artistas do Grupo Frente demarcaram, assim, uma posição de vanguarda que se mostrou fundamental na passagem do que podemos identificar como do estado moderno ao contemporâneo nas artes visuais brasileiras. Abrangendo obras de João José entre os anos de 1953 e a década de 1980 (neste caso, tratando-se de projetos que foram concebidos nos anos 1950), esta exposição propõe um recorte na obra desse artista que constituiu um diálogo de excelência no difícil jogo entre lirismo e suavidade, na articulação de cores e tramas, e a suposta racionalização do espaço e da forma, da qual os concretistas foram acusados.
A formação de João José como arquiteto não pode ser esquecida, quando travamos contato com sua obra. Suas “construções” modulares partem de uma sugestão de ordem para se dissolverem, por meio de ritmos aleatórios e a fabricação de planos virtuais, em uma espécie de desorientação óptica, que por sua vez constituirá uma superfície vibrátil que tende a expandir a pintura. Todo esse processo passa pelo prisma da delicadeza e por uma economia de gestos e métodos. Em algumas obras, as figuras geométricas quebram o ritmo esperado e tornam visíveis novas (e inúmeras) formulações espaciais, afirmando, portanto, que não são estacionárias, mas em constante trânsito, produzindo incessantemente um espaço virtual. Esse aspecto de um concretismo repleto de ambivalências, que particulariza a obra de João José Costa, orientou a curadoria desta exposição.
João José Costa no Maria Antonia, São Paulo
Paulo Mendes da Rocha no Maria Antonia por Guilherme Wisnik
A visão de Paulo Mendes da Rocha sobre a arquitetura é fortemente lastreada pela noção de território, que remonta às suas memórias do porto de Vitória, cidade onde nasceu, bem como à admiração confessa pela paisagem construída de cidades como Veneza e Rio de Janeiro. Paulo tem uma visão fenomênica da natureza, e não bucólica. Para ele a natureza é fenômeno, e a arquitetura é coisa, assim como a linguagem. Portanto, mais do que construir objetos edificados isoladamente, a arquitetura deveria se dedicar, em sua opinião, a conceber obras de consolidação do lugar, isto é, obras territoriais que possam contrastar com a natureza, ressignificando-a.
Em muitos dos seus projetos, a construção de “terrenos artificiais” soltos do solo, por um lado, e a construção do próprio solo, por outro, engendram uma revisão crítica, à luz das ciências e das técnicas disponíveis hoje, dos erros históricos do colonialismo, de maneira a perguntar: que outra ocupação do território americano seria possível, se tivesse sido pensada de modo absolutamente artificial, de sorte a deixar o terreno sempre intacto, in natura, sem a necessidade de cortes, dragagens ou muros de contenção? Ou então: que sociedade teríamos hoje, se tivéssemos mantido limpos os rios, e construído cidades que amparassem a navegação fluvial interligando o continente por dentro, de modo a contrariar a divisão imposta pelo Tratado de Tordesilhas? Feitas em termos arquitetônicos, essas perguntas equivalem a dizer o seguinte: como seria hoje a América se não tivéssemos massacrado os índios e escravizado as populações trazidas da África? Perguntas que visam, em última análise, indagações prospectivas, tais como: que outra América é ainda possível hoje e no futuro? Ou melhor: que mundo é possível imaginar a partir de uma revisão da experiência americana?
Paulo Mendes da Rocha no Maria Antonia, São Paulo
setembro 1, 2011
Arte Correio e a grande rede: Hoje, a arte é este comunicado por Paulo Brusky
Paulo Brusky
A Arte Correio surgiu numa época em que a comunicação, apesar da multiplicidade dos meios, tornou-se mais difícil, enquanto que a arte oficial, cada vez mais, acha-se comprometida pela especulação do mercado capitalista, fugindo a toda a uma realidade para beneficiar uns poucos: burgueses, marchands, críticos e a maioria das galerias que exploram os artistas de maneira insaciável.
A Arte Correio (Mail Art), Arte por Correspondência, Arte Postal, Arte a Domicílio ou qualquer outra denominação que receba não é mais um “ismo”, e sim a saída mais viável que existia para a arte nos últimos anos, e as razões são simples: anti-burguesia, anti-comercial, anti-sistema etc.
Essa arte encurtou as distâncias entre os povos e países, proporcionando exposições e intercâmbios com grande facilidade, onde não há julgamentos nem premiações dos trabalhos, como nos velhos salões e nas caducas bienais. Na Arte Correio, a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto e a denúncia.
Os artistas teorizam sobre o movimento, e surgem os espaços substituindo galerias e museus. Os envelopes/postais/telegramas/selos/faxes/cartas, etc. são trabalhados/executados com colagens, desenhos, ideias, textos, xerox, propostas, carimbos, música visual, poesia sonora, etc. e enviados ao receptor ou aos receptores, como é o caso do Postal Móvel e do Envelope de Circulação, que, depois de passar pelas mãos de diversas pessoas/países, retorna ao transmissor, tornando-se um trabalho bumerangue. O correio é usado como veículo, como meio e como fim, fazendo parte/sendo
a própria obra. Sua burocracia é quebrada, e seu regulamento arcaico é questionado pelos artistas. Enviar uma escultura pelo correio não é Arte Correio: “Quando se envia uma escultura pelo correio, o criador limita-se a utilizar um meio de transporte determinado para transladar uma obra já elaborada. Ao contrário, na nova linguagem artística que estamos analisando, o fato de que a obra deve percorrer determinada distância faz parte de sua estrutura, é a própria obra. A obra foi criada para ser enviada pelo correio, e esse fato condiciona a sua criação (dimensões, franquias, peso, natureza da mensagem, etc.)”. Esse trecho do artigo Arte Correio: uma Nova Forma de Expressão, dos artistas argentinos Horácio Zabala e Edgardo Antonio Vigo, define muito bem a utilização/veiculação do correio como arte.
A I Exposição Internacional de Arte Correio no Brasil foi realizada no Recife, em 1975, organizada por Paulo Bruscky e Ypiranga Filho, e, afora os problemas causados pela burocracia ultrapassada dos Correios, existiram, quase que exclusivamente na América Latina, dificuldades com a censura, que fechou, minutos após a sua abertura, a II Exposição Internacional de Arte Correio, realizada no dia 27 de agosto de 1976, no hall do edifício-sede dos Correios do Recife (Brasil), que patrocinou a amostra. Essa exposição, que contou com a participação de 21 países e 3 mil trabalhos, só chegou a ser vista por algumas dezenas de pessoas e, além da exposição, os artistas-correio brasileiros Paulo Bruscky e Daniel Santiago, organizadores do evento, foram arrastados para a prisão (incomunicáveis) da Polícia Federal, enquanto os trabalhos só foram liberados depois de um mês. Afora os danos, várias peças de artistas brasileiros e estrangeiros ficaram retidas e anexadas ao processo policial até a presente data. O outro fato absurdo ocorrido dentro das “repressões culturais” na América Latina foi o aprisionamento, pelo governo uruguaio, dos artistas-correio Clemente Padin e Jorge Caraballo, de 1977 até 1979. Em abril de 1981, o artista-correio Jesus Caldamez Escobar foi sequestrado pela força militar ditatorial de El Salvador e só não foi assassinado porque conseguiu fugir e exilar-se no México. É sempre assim. Os que pretendem ser “donos da cultura” tentam impor sempre os seus “métodos”.
Torna-se difícil determinar a origem da Arte Correio. Em seu artigo Arte Correio: uma Nova Etapa no Processo Revolucionário da Criação (1976), o artista-correio Edgardo Antonio Vigo cita Marcel Duchamp como um pioneiro de Arte Postal:
Nosso propósito é apresentar agora o que consideramos um primitivo da Arte Correio. São duas peças. A primeira se intitula Cita do Domingo, de 6 de fevereiro de 1916, Museu de Arte da Filadélfia (EUA), e consiste em textos escritos à máquina, pegados borda com borda; e a segunda, Podebal Duchamp, telegrama datado de Nova York em 1º de junho de 1921 e que fora enviado por Marcel Duchamp ao seu cunhado Jean Crotti. Seu texto é intraduzível: “PEAU DE BALLE ET BALAI DE CRINI” e é a resposta ao Salão Dada/Exposição Internacional que se celebrava em Paris, na Galeria Montaigne, organizado por Tristan Tzara, prévia negativa de participar do salão e que fora comunicada por carta enviada com anterioridade ao referido telegrama. E, uma vez mais, devemos situar a figura de Marcel Duchamp em processos atuais. Esse gerador de “artetudo” faz-se presente nas comunicações marginais.
E apesar dos trabalhos de Duchamp (Cita do Domingo, de 6 de fevereiro de 1916, e Podebal Duchamp, de 1º de junho de 1921), das experiências dos futuristas e dadaístas, dos cartões-postais dos radioamadores (QSL), do telegrama de Rauschemberg, dos postais e selos de Folon, das cartas desenhadas de Van Gogh para seu irmão Theo, dos poemas postais de Vicente do Rego Monteiro (datados de 1956), de Apollinaire com seus cartões-postais com caligramas e de Mallarmé (que escreveu em envelopes os endereços dos destinatários em quadras poéticas que contavam com a boa vontade dos empregados dos Correios para decifrar seus enigmas poéticos, do Selo Azul de Yves Klein, de 1957, dos postais futuristas de Balla), a Mail Art surgiu na década de 1960, através do Grupo Fluxus, e só veio a tomar impulso como uma grande rede a partir de 1970. De acordo com as pesquisas realizadas, farei um pequeno histórico de alguns fatos importantes:
a) Primeiros artistas a utilizarem a Arte Correio:
1960 O Grupo Fluxus (EUA) — que propõe o intercâmbio de informações, publicações e colaborações ocasionalmente em eventos coletivos — foi o que, pela primeira vez, usou a veiculação do postal como elemento de comunicação criativa. Entre os componentes do grupo, destaca-se a atuação dos artistas Ken Friedman e Armand Fernandes (Arman): eles utilizam o meio de comunicação postal remetendo, como convite, à sua “La plwin” (Galeria Iris Clert, outubro de 1960), uma lata de sardinha.
1961 Robert Filliou, desde Paris, envia seu Estudo para Realizar Poemas a Pouca Velocidade, convites a subscrever para receber no futuro uma série de poemas, possibilitando também a realização do tipo de poemas por ele anunciados.
1962 Ray Johnson inaugura, em Nova York, a Escola de Arte por Correspondência de Nova York e, no ano seguinte, produz um clássico de tendência, escrevendo, no envelope, uma carta, tanto no verso como no reverso. Quebra assim o conceito de privado e produz o estado público das suas aparentes intimidades em diálogo com um terceiro, que até esse momento era de caráter privado.
1965 Mieko Shiomi realiza uma proposta postal que deve ser respondida e devolvida pelo receptor: com essas respostas, dará forma à sua obra Poema Espacial nº 1. O texto da sua proposta é o seguinte:
Uma Série de Poemas Espaciais: nº 1
Escreva uma palavra (ou palavras) no cartão que segue junto
com esta e deixe-o em algum lugar. Faz-me saber qual é a palavra
e o lugar para que eu possa fazer um plano com sua distribuição sobre um mapa do mundo, o qual será enviado a cada participante. MIEKO SHIOMI
b) Devido à grande quantidade de exposições de Arte Correio realizadas atualmente em todo o mundo, citarei apenas as mais antigas e algumas mais recentes: N.Y.C.S. Show, organizada por Ray Johnson, EUA/1970; Bienal of Paris, organizada por J. M. Poinsot, França/1971; One Year, One Man Show, organizada por Ken Friedman, EUA/1972; International Cyclopedia of Plans and Ocurrences, organizada por David Det Hompson, EUA/1973; Artists Stamp and Stam Images, organizada por Hervé Fischer, Suíça/1974; Festival de La Postal Creativa, organizada por Clemente Padim, Uruguai/1974; Inc Art, organizada por Terry Ried e Nicholas Spill, Nova Zelândia/1974; I St. New York, City Postcards Show, organizada por Fletcher Copp, EUA/1975–1976; Ultima Exposición Internacional de Arte Por Correspondencia, organizada por E. A. Vigo e Horácio Zabala, Argentina/1975; I Exposição Internacional de Arte Postal, organizada por Paulo Bruscky e Ypiranga Filho, Brasil/1975; International Rubber Stamps Exhibition, organizada por Mike Nulty, Inglaterra/1977; Image Bank Postcard Show, Canadá/1977; Mail Art Exhibition Internacional, organizada pelo Studio Levi, Espanha/1977; Gray Matter, Mail Art Show, organizada por S. Hitchocock, EUA/1978.
c) A partir de 1972, vários artigos começam a ser publicados, destacando-se, entre eles: Correspondence: New Art School, de Thomas Albright, Rolling Stones Magazine, EUA/1972; Out of the Gelerry, into the Mailbox, de Jerry G. Bowles, Art in America, EUA/1972; An Authentik and Histotokal Discourse on the Phenomenon of Mail Arte, Art in America, de David Zack, EUA/1973; Arte Correio: uma Nova Etapa no Processo Revolucionário de Criação, de Edgardo Antonio Vigo, Argentina/1976; Send Letters, Postcard, Drawings, and Objects...,
de Lawrence Alloway, Art Jornal, 1977.
d) Várias publicações de Arte Correio surgem: Ovum, Ephemera, Running Dog Press, Stamp in Praxis, Vile, Intermedia, Cisoria Arte, Cabaret Voltaire, OR, Geiger, Orgon, Super Vision, Telegramarte, Doc(k)s, Multipostais, Arte Classificada, Heut Kunst, Soft Art Press, Buzon de Arte, Front, Karimbada, A Margem, Experiências, Totem, Tabu, Povis, entre várias outras que são publicadas em diversos países. Além do livro Mail Art: Comunicação a Distância/Conceito, do francês Jean-Marc Poisot (1971), os artistas norte-americanos Mike Crane e Mary Stofflet publicaram o livro Correspondence art: source book for the network of international postal art activity (1984).
Na Arte Correspondência, o museu cede lugar aos arquivos (Parachutes Center for Cultural Affairs/Canadá, Small Press Archive/Bélgica, Bruscky Arquivo/Brasil, etc.) e às caixas postais. Boletins informativos sobre eventos e publicações em geral são editados e remetidos aos artistas
de todo o mundo, como é o caso do Info, editado por Klaus Groh, do International Artist Cooperation/Alemanha, e do informativo do Centro de Arte Brasileira de Informação e União (Cambiu), editado por Paulo Bruscky, Daniel Santiago, Silvio Hansen, J. Medeiros, Unhandeijara Lisboa, Marconi Notaro e outros artistas.
Além dos boletins, existem as “correntes”, nas quais você faz novos contatos, remetendo um trabalho de Arte Postal para o primeiro nome da lista, que é automaticamente excluído, sendo o segundo passado para o primeiro, o terceiro para o segundo, etc., que inclui seu nome em último lugar, tira cópias, geralmente em número de dez, e as envia a outros artistas. Quando seu nome chega em primeiro lugar, você começa a receber trabalhos de vários artistas de diversos países que você nunca havia contatado. Existem ainda os slogans criados pelos artistas, como é o caso do artista-correio alemão Robert Refheldt: “Arte é contato, é a vida na arte” e de Paulo Bruscky: “Assim se Fax Arte” e “Arte em todos os sentidos” e “Arte em Trânsito”.
O número de artistas-correio aumenta dia a dia: o subterrâneo estourou, tornando a arte simples. É lamentável que alguns artistas quebrem essa corrente, deixando de responder alguns trabalhos recebidos.
A Arte Correio é como história da história não escrita.
Este texto foi escrito em 1976, retrabalhado em 1981 e já foi publicado no Brasil, na Polônia, nos Estados Unidos, na Alemanha e na Itália em:
1) Jornal Letreiro nº 2, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal – RN – Brasil. Julho/agosto, 1977.
2) Jornal da Cidade nº 183 – de 20 a 26/04/78. Recife – PE – Brasil.
3) Livro Mantua Mail 78. Centro Documentazione Organizzazione. Parma – Italia, 1978.
4) Magazine Sztuka, de 04/05/1978. Lipiel – Sierpien – Polônia, 1979.
5) Artists Report – Mail Art. Org.: Angelika Schimdt – Holzapfel & Sauter. Stuttgart – Alemanha, 1979.
6) Arte – Novos Meios/Multimeios – Brasil 70/80.
Org.: Daisy Paccinini. Fundação Armando Alvares Penteado. São Paulo – Brasil, 1985.
7) Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org.: Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006.
8) Escritos de Artistas: Anos 60/70. Orgs.: Glória Ferreira e Cecília Cotrim. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
Bruscky, Paulo (Recife, 1949) Trabalha com diversas linguagens e mídias, tais como desenhos, performances, happenings, copyart e fax-art, arte postal, intervenções urbanas, fotografia, filmes, poesia visual, experimentações sonoras e intervenções em jornais. Sua primeira exposição individual ocorreu em 1970, na Galeria da Empetur, no Recife. Em 1973, ingressou no Movimento Internacional de Arte Correio e, desde então, além de entrar em contato com artistas internacionais do Fluxus e do grupo Gutai do Japão, entre outros, passou a participar de uma infinidade de exposições de arte postal em todo o mundo. Em 1981, recebeu o Guggenheim Fellowship por um ano e viveu em Nova Iorque. Nesse mesmo ano, foi convidado a participar na XVI Bienal Internacional de São Paulo, assim como em 1989 e 2004, com uma sala especial que reconstrói seu ateliê. Participou da primeira Bienal de Havana, em 1984, e em 2009 foi homenageado com uma sala especial na X Bienal de Havana, Cuba. Ainda em 2009, participou da Bienal do Mercosul. Entre suas exposições na última década, incluem-se: Bienal Brasil Século XX, Fundação Bienal de São Paulo (1994); Arte Conceitual e Conceitualismos: anos 70, acervo MAC/USP, Galeria de Arte do Sesi São Paulo (2001); 27º Panorama Atual de Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna de São Paulo (2001), Prêmio Aquisitivo. Mostra Retrospectiva no Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte – MG, 2010. Exposição individual no Parque Lage, no Rio de Janeiro, 2010. Mostra retrospectiva na Galeria do SESC Garanhuns – PE. Em 2011, participa da exposição Aberto Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, onde pintou um cavalo em homenagem à Vicente do Rego Monteiro. Participa, na Fundação PROA em Buenos Aires, da mostra Sistemas, Acciones y Procesos, 1965–1975, 2011. Exibição “Cuando Brasil devoró el Cine (60–70), Museo Reina Sofia, Espanha, 2011. Artista convidado para a Bienal da Polônia em 2012. As principais publicações sobre o artista são “Paulo Bruscky: Arte, Arquivo e Utopia”, de Cristina Freire; “Arte em todos os Sentidos”, de Cristiana Tejo; “Poiesis Bruscky”, de Adolfo Montejo e “Circuito Atelier: Paulo Bruscky”, de Marilia Andrés Ribeiro e Marconi Drummond. Publica o livro com seus textos teóricos “Arte e Multimeios” em 2011. No mesmo ano, lança uma coletânea de seus poemas sob o título “Arquivo Impresso: Poesia Inédita”, organizada por Ricardo Aleixo e Flávio Vignoli, Belo Horizonte – MG. Tem obras em acervos como os do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Recife) e Tate Modern de Londres. Vive e trabalha no Recife.
Arte do meu tempo, tenho pressa. Por Cristiana Tejo
A arte postal usa o correio como suporte, assim como outras formas de arte usam tela, papel, ferro e madeira. Ulisses Carrión
Esta exposição busca situar os visitantes no tempo e no espaço da Arte Correio a partir de um de seus pioneiros no Brasil: o artista pernambucano Paulo Bruscky. Trata-se de uma tarefa ainda mais relevante numa época em que a internet 2.0 achatou ainda mais a noção de espacialidade e o discurso midiático vende a “crença” de que vivemos num mundo sem fronteiras. Compreender a historicidade de uma forma de fazer arte colaborativamente em rede e fora das instituições convencionais de arte antes do surgimento da grande rede (WWW) é uma tarefa incontornável para nos dar condição de compreender o momento em que vivemos. Tratava-se de uma forma de furar bloqueios de várias ordens (regimes ditatoriais, conservadorismo institucional, diferenças ideológicas e culturais, entre outras) e de criar formas de intercâmbio e de conexão entre artistas de várias partes do globo. Importante lembrar ainda que nos anos 1970 a Arte, com A maiúsculo, havia se transformado em uma miríade de formas tão experimentais e imateriais por vezes, que faria um especialista em arte do início do século XX desconhecer completamente o que estava sendo feito naquele momento. Quando as definições de arte foram implodidas e as instituições artísticas se viram forçadas a se modificarem em todos os níveis, surgia a tal da Arte Contemporânea. A Arte Correio encarna de forma singular a atitude que inundaria a arte e o mundo daí para frente.
Abordar a Arte Correio é uma tarefa ingrata para qualquer forma de sistematização, incluindo realizar exposições sobre ela, já que fluidez, fragmentação, fluxo, interconexão de circuitos e polifonia são a tônica do movimento. Contar a história da Arte Correio é sempre narrar uma parte da história, a partir da experiência e dos arquivos dos artistas participantes, uma narrativa com vários prováveis começos e contextos locais tão diversos que impede qualquer abordagem absoluta. Mostras deste movimento, portanto, são iniciativas que já traem a própria lógica anti-institucional de troca e participação horizontal da Arte Correio. Mesmo diante do exposto, publicizar as estratégias, as condicionantes e as trajetórias dos artistas da Arte Correio é necessário diante do discurso bastante evocado atualmente sobre colaboração, participação e inclusão. Sem compreender de que há antecedentes artísticos que encarnavam estes princípios numa época em que estas não eram as palavras de ordem do capitalismo avançado, gerações mais recentes acreditam-se revolucionárias e enveredam pela estridente euforia proporcionada pelas redes sociais e sites que viabilizam compartilhamento e autopromoção.
Outro aspecto importante de ser salientado é a possibilidade de fazer uma exposição sobre a Arte Correio no Centro Cultural dos Correios. Não se trata de uma coincidência, mas de uma estratégia proposital de amplificação da dinâmica histórica. Fica ainda mais óbvio que tal mostra não seria possível nos anos mais efervescentes do movimento que justamente se aproveitava do sistema de circulação do correio como suporte de suas ações subversivas. A ironia e a transgressão entranhadas nas proposições dizem respeito em muitas partes das vezes às regras de postagem e à quase impossibilidade de controle de mensagens diante do imenso volume usual de cartas do sistema postal. Assim como os correios, outras instâncias governamentais de várias ordens abriram centros culturais que apóiam arte de ponta, demonstrando que os tempos mudaram. O sistema é alimentado principalmente pelas críticas a ele. Não que sempre ocorra a neutralização da crítica, mas engendra-se uma dinâmica de negociação dentro do próprio sistema que testa a resiliência e causa adaptações.
No núcleo desta mostra encontra-se Paulo Bruscky, ativista da Arte Correio a partir de sua segunda etapa: a de popularização da rede, nos anos 1970. Participante bastante dedicado desde 1973, Bruscky não apenas responde aos chamados da rede antes da rede (internet), mas é grande divulgador do movimento no Brasil. Em 1975, promove junto com Ypiranga Filho a primeira grande mostra do movimento internacional de arte correio no Brasil, no Recife, que contou com a participação de um grande número de artistas. Vale notar que esta exposição ocorreu três meses após a mostra organizada por Ismael Assumpção (setembro de 1975), restrita a poucos participantes que mantinham correspondência com esse organizador.
No ano seguinte e na mesma cidade, organiza com Daniel Santiago a 2ª Exposição Internacional de Arte Correio, evento que chega a ser fechado pelos militares e que provoca a prisão de seus organizadores. Em 1977, novamente em parceria com Santiago, Bruscky edita os Multipostais, coletânea de trabalhos em postal de artistas das mais variadas procedências. Cinqüenta artistas eram convidados a contribuir com 50 trabalhos e recebiam em troca 49 trabalhos de outros artistas. A iniciativa teve nove edições até 1997. Paulo Bruscky tomou parte de eventos de Arte Correio em vários países e fez parte da sala Arte Postal na XVI Bienal Internacional de São Paulo (1981).
Aberto a todos os materiais e linguagens disponíveis para fazer arte, Bruscky imerge em todas as possibilidades de expressão no vocabulário dos correios. Fez parte de correntes de interferências em cartas, produziu carimbos, selos, aerogramas, telegramas, telex, envelopes/conteúdos e até música e criou ações artísticas que driblavam a própria lógica dos correios. Desde o início da década de 00, Bruscky criou e circula o seu e-mail @rt. Seu diálogo com pares de várias regiões do mundo, em especial com artistas da América Latina, realça seu papel como ponto desta imensa rede, que só tem protagonistas. Por questão de espaço, estão em evidência alguns destes interlocutores que exemplificam a vivacidade e experimentalismo da Arte Correio. O material exposto nesta exposição é parte integrante do acervo Paulo Bruscky.
ARTE SONORA PELO CORREIO
Na Arte Correio as fitas cassete com poesia sonora/experimental eram enviadas pelos artistas, e o organizador de cada evento compilava todos os trabalhos em uma fita e devolvia para os artistas participantes e centros de vanguarda. Um dos trabalhos pioneiros internacionalmente, segundo levantamento feito pelo Museu de Bremen, na Alemanha, foi realizado no Recife, quando Paulo Bruscky, em 1978, realizou o International Ra(u)dio Art Show, com participação de 55 artistas, de cerca de 15 países, durante o I Festival de Inverno da Universidade Católica de Pernambuco, cujos áudios eram reproduzidos em alto-falantes distribuídos pelo pátio da universidade, e foi levado ao ar pela Rádio Clube de Pernambuco, no programa Paulo Marques.
O LP Mail Music (1983), organizado pelo artista italiano Nicola Frangione, contou com a participação de 47 artistas de 17 países, cujos áudios circularam durante todo o ano de 1982, é um típico exemplo da dinâmica de composição musical coletiva. Na contracapa estão marcados não apenas os nomes e títulos dos trabalhos, mas as datas em que o arquivo chegou às mãos de cada um e que partiu para o próximo colaborador.
EVENTO 77
Concebido pelo Ricerche Inter/Media de Ferrara, Itália, tratou-se de uma operação que juntava experiências artísticas e realizadores de diferentes países. O pedido feito pelo centro a todos os convidados foi executar um evento-interseção utilizando como meio de comunicação não mais a centralidade e a materialidade de um centro fixo como a sala de exposição de uma galeria mas o circuito que crescia através do sistema postal, com suas leis próprias, significados próprios e códigos próprios. Para tanto o Ricerche Inter/Media enviou para os convidados 27 endereços de pessoas da cidade de Ferrara e 10 etiquetas. Cada convidado deveria idealizar um happening (estético) com toda a autonomia e utilizar os endereços enviados. A proposta de Paulo Bruscky foi intitulada Re-Com-posição-postal. O artista cortou uma obra em 10 partes e enviou-as para 10 pessoas. Cada um recebeu um fragmento e deveria tirar 10 fotocópias de seu pedaço, guardar uma e enviar via postal as outras 9 para os endereços restantes. Desta forma, por intermédio dos correios, as partes chegariam a todos os participantes e seriam colados para formar a obra final. Bruscky ainda pedia para que os participantes fizerem alguma experimentação em cima da imagem e a enviasse para a livraria Livro 7, onde ocorreu a mostra Ferrara/Recife 77/78.
SEM DESTINO
Iniciada em 1975, esta ação consistia no envio de envelopes (dentro de outros comuns já selados) com a inscrição “Sem destino” para pessoas de vários estados do Brasil. Ou seja, os participantes recebiam envelope sem destinatário, tendo como remetente o artista Paulo Bruscky e eram orientados a colocar
o envelope em caixas de coleta dos correios. O projeto foi criado quando Bruscky havia verificado que de acordo com as normas da União Postal Universal, não localizando o destinatário, os correios tinham a obrigação de devolver a correspondência ao remetente. No decorrer da ação, que aconteceu até 1983, o artista recebeu envelopes de várias procedências, inclusive postados por ele próprio no exterior. Num envelope enviado de Nova York, os correios carimbaram a frase: Returned for better address (retornado para um endereço melhor). Entre alguns desvios de normas operados por Bruscky, está o envio de um envelope do Sem Destino a partir de Berlim Ocidental com selo adquirido na Alemanha Oriental. A troca foi notada pelos correios da Alemanha que circularam o selo intruso, mas seu envio ao Brasil foi realizado. Esta ação ocorreu ainda no Evento Ferrara/77.
ÚLTIMA EXPOSICIÓN INTERNACIONAL DE ARTE CORREO
A Última Exposición Internacional de Arte Correo, realizada por Eduardo Antonio Vigo e Horacio Zabala, na Galería Arte Nuevo de Alvaro Castagnino, em la Plata, Argentina, em 1975, foi a primeira mostra de Arte Correio realizada nesse país. Ocorreu às vésperas da eclosão da ditadura militar na Argentina e detonou um processo de grande participação de artistas argentinos da rede de Arte Correio. Para a mostra, Paulo Bruscky produziu uma carta e um envelope de grande formato, completamente fora dos padrões, e postou-a na agência dos Correios da Avenida Guararapes, no Recife. O caminho percorrido pelas principais ruas da cidade até a agência foi acompanhado por muitos curiosos e o ato da postagem foi de grande negociação para sua execução, já que, apesar da carta gigante não se encaixar nos parâmetros dos correios do Brasil, não havia qualquer cláusula que impedisse o envio de tal missiva.
BRUSCKY EM BRUSQUE
Em 1978, Paulo Bruscky foi convidado a participar do Festival da Cidade de Aarhus, na Dinamarca. Sua proposta era a vinda de cinco artistas da cidade dinamarquesa para o Recife e a ida de cinco artistas de Pernambuco para Aarhus, após intensa troca de correspondência entre eles sobre gastronomia, economia, história, cultura, geografia e demais questões que achassem relevantes para apreensão do conceito de cidade. A viagem dos artistas aconteceria no mesmo dia e eles chegariam ao destino na mesma data. A estada nas cidades visitantes duraria cinco dias e seria encerrada com um debate público sobre seus achados. Como o festival não teve condições de arcar com o projeto, Bruscky propôs um novo trabalho: sua visita à cidade catarinense de Brusque. Iniciou correspondência com a Prefeitura da cidade e acabou conseguindo mapas e informações, além de um espaço para sua exposição na Associação dos Artistas de Brusque. Por conta própria, o artista viajou de avião a Curitiba e de lá seguiu de carro para Brusque, onde ficou 5 dias coletando material que seria reelaborado para sua obra. O ponto central do projeto era, portanto, a cidade como obra, que se concretiza pelos resquícios de seu percurso, nas intervenções no material gráfico da cidade e na relação que trava com as pessoas do lugar. Esta é a primeira vez em que a obra completa é mostrada.
CORRENTES: TRABALHAR EM REDE
A essência da Arte Correio era o compartilhamento e o intercâmbio. Uma das práticas de grande evidência eram as correntes artísticas, semelhantes às correntes de dinheiro, que propiciavam interferências de várias pessoas numa mesma peça (envelope, conteúdo de envelope, etc) ou mesmo uma rede de trocas de trabalhos. Entre os tópicos da ética da Arte Correio estavam o compromisso de responder ao chamado de participação dentro de um prazo médio de sete dias e retribuir com outro trabalho, o recebimento de um trabalho. Havia várias formas de alimentar uma corrente de arte e muitas exposições foram montadas a partir de convocatórias de participação a partir das correntes. Estão apresentadas algumas destas correntes e cadernos em que Paulo Bruscky anotava o que estava sendo enviado e para quem, entre os anos de 1975 e 1987.
BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA ARTE CORREIO
Na América do Sul, o tom da década de 1970 foi dado pelas ditaduras militares que foram responsáveis pelo desaparecimento de milhares de pessoas e pela suspensão dos direitos de livre expressão dos cidadãos. Neste ambiente, a Arte Correio significou além de uma forma de experimentação estética, um meio de denúncia da situação de terror que abatia a região. O tom dos trabalhos é político, irônico e humorado.
A América do Norte apresenta nos anos 1970 três realidades distintas. Enquanto os Estados Unidos ainda empunhavam a bandeira do Capitalismo em contraposição ao bloco socialista, e buscavam sair dos desgastes trazidos pela Guerra do Vietnã, crise do petróleo e a renúncia do presidente Richard Nixon, o México era a exceção dos países latinoamericanos, enfrentava sua grande crise econômica depois de três décadas de relativa estabilidade e crescimento, mas não vivenciava ditadura militar. O Canadá, por sua vez, foi marcado nesta década por questões separatistas. A Arte Correio teve, portanto, expressões distintas: alargamento dos horizontes estéticos na parte mais ao norte e irmandade com questões políticas com os irmãos do sul, por parte do México.
Como era de se esperar, a Europa apresenta situações multifacetadas devido a sua diversidade de contextos. Ditadura militar em Portugal, crise econômica na Inglaterra, um muro separando dois regimes na Alemanha e os países que formavam o bloco soviético sob a cortina de ferro. A Arte Correio representou a interconexão entre disparidades políticas. A participação na grande rede era uma forma de compartilhar preocupações sociais e estéticas e extrapolar conservadorismos da arte.
A participação da Ásia na Arte Correio foi muito tímida. O isolamento geográfico da região convergiu-se com uma miríade de contextos políticos e econômicos locais limitadores.
A diferença cultural foi outro fator de alienação. O destaque é o Japão que teve no Grupo Gutai um epicentro de experimentalismo em termos internacionais.