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setembro 25, 2008
Arquitetura e bom humor, por Mônica Junqueira. Sobre a exposição SANAA no Tomie Ohtake, São Paulo
Arquitetura e bom humor
MÔNICA JUNQUEIRA DE CAMARGO
Mesa redonda: Sobre SANAA / Instituto Tomie Ohtake 22/09 – 19:30h
A exposição SEJIMA + NISHIZAWA/SANAA é uma importante contribuição ao debate arquitetônico contemporâneo, trazendo ao público paulistano uma excelente produção, entretanto, pouco difundida entre nós que poderá abrir caminho para novas especulações. Desde que Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa constituíram o escritório SANAA em 1995, a dupla vem conquistando projetos de grande repercussão internacional, que lhes têm garantido uma posição de destaque no pensamento arquitetônico atual.
No atual estágio do capitalismo, em que a cidadania é uma linha de crédito, a democracia uma aventura de alto risco e o prazer parece estar restrito a uma única operação: comprar, não é de se estranhar que também na arquitetura a tendência predominante seja reduzir toda a sua expressão a uma cultura do consumo. Na contra-mão das teorias dominantes, a sutil ironia da obra de Sejima e Nishizawa destaca-se como uma obra surpreendente. O impacto de suas obras está não só na excelente qualidade arquitetônica, mas na sua extrema delicadeza.
Infelizmente só tive a oportunidade de conhecer pessoalmente uma de suas obras, a Maison Dior em Omonstesanto, Tókio. Então tudo que mencionarei aqui são impressões a partir de suas representações, o que para esta arquitetura se torna mais deficitário, porque a vejo como acontecimentos, que têm lugar num ponto e num instante, tornando-se difícil explicá-los antes ou depois. Esses artefatos, para serem de fato compreendidos, precisam ser experimentados em sua realidade.
O tema da exposição: Flexibilidade / Transparência / Amplitude, diz algo da obras dos simpatíssimos Sejima e Nishizawa, mas sua arquitetura revela muito mais. Tal como os autores, suas obras são dotadas de um contagiante bom humor, qualidade cada vez mais rara em tempos massificados. Desde que os dogmas funcionalistas se impuseram à arquitetura, o bom humor, a alegria e qualquer outro estado de espírito que desviasse a atenção das justificativas técnicas ou ideológicas eram vistas como pecados. O único deleite possível era aquele fruto da verdade, do cometimento, da rusticidade que afastavam qualquer interpretação mais prazerosa. O prazer era filho pecado, ou como escreveu Bernard Tschumi, “durante muitas gerações, todo arquiteto que desejasse ou procurasse sentir prazer na arquitetura era considerado um decadente. A idéia de que pudesse haver uma arquitetura destituída de uma justificativa, ou mesmo de uma responsabilidade, moral ou funcional, era considerada um mau gosto. Politicamente, as pessoas conscientes suspeitavam do menor traço de hedonismo no exercício da arquitetura e o repudiavam como uma preocupação reacionária.” As obras aqui apresentadas, pelo contrário, esbanjam bom humor, numa feliz combinação de um certo prazer sensual do espaço com o prazer da razão. O senso de humor, essa fantástica capacidade de transformação da realidade imediata, que requer muita presteza e agilidade intelectual, parece ser uma forte qualidade de Sejima e Nishizawa, não só facilmente percebida nos poucos momentos em que estive com eles, mas claramente presente nesses seus trabalhos.
Em primeiro lugar, chama-nos a atenção a diversidade de sua produção, que oscila, com igual qualidade, da abstração geométrica à realidade orgânica, da transparência à opacidade, da esparramada horizontalidade à compacta verticalidade. Soluções distintas para problemas distintos, sem contudo, cair numa alteridade gratuita, tampouco de projetos meramente escultóricos. Seus projetos são invenções extremamente provocativas, formas de aguda ironia, elaboradas a partir de uma intensa dialética estabelecida com a conjuntura que lhes deu origem. Sejima e Nishizawa têm o dom da simplificação, não no sentido de ignorar a complexidade, pelo contrário, o caráter simples e divertido de sua arquitetura é resultado de uma profunda reflexão sobre as questões que assolam o panorama atual.
A provocação sutilmente irônica de suas obras, engenhosamente elaborada a partir da realidade, evidencia a subversão da ordem vigente, pelo desprezo à noção moderna de ordem, de simetria e de equilíbrio estático, por eles substituída pelo dinamismo espacial, pela movimentação de planos, pela desestruturação das aberturas e animação das superfícies. Contudo, não identifico nesse conjunto de obras nenhuma intenção de fixar um procedimento, mas uma novidade providencial em cada projeto, ainda que seja possível verificar algumas recorrências. Trata-se de uma arquitetura que está tão distante da produção moderna como da memória historicista pós-moderna, que não faz questão da exibição dos arrojos tecnológicos ou tão pouco da filiação às questões teóricas abraçadas pelos desconstrutivistas, embora tenha de todos deles um pouco, e ainda uma sofisticada depuração das idéias tradicionais da cultura arquitetônica japonesa: o espírito do lugar, a relação do primeiro plano com o plano de fundo, e a fusão do artificial com o natural. A arquitetura de Sejima e Nishizawa é imediata, direta, mais perceptível pela experimentação cinestésica de quem a contempla.
Alguns aspectos são inovadores. A nova condição que estabelecem com a circulação. A estruturação do programa em compartimentos / unidades autônomas com suas formas definidas de acordo com as necessidades programáticas, gerando um interessante espaço “entre”, distinto da noção tradicional de circulação – o elo de participação submissa entre duas áreas de funções bem definidas. O espaço “entre” criado por Sejima e Nishizawa está mais próximo da idéia de interpenetração, passando a ser o estruturador da proposição arquitetônica, proporcionando novas experiências espaciais, que exigem uma nova exploração dos mecanismos perceptivos do ser humano, mais em sintonia com a idéia do presente intempestivo, lançada por Sola-Morales: uma temporalidade carente de justificativa, casual, e por esta mesma razão gratuita, carente de finalidade. Esse tom de improviso, que sua arquitetura sugere, dá a entender que a arquitetura pode surgir inesperadamente de qualquer pretexto.
Alguns comentários centrados nas próprias as obras, que esclarecerão melhor as idéias anteriormente colocadas. No projeto para o New Museum em New York, à paisagem estruturada do bairro novayorkino de Bowery, os arquitetos responderam com uma volumetria assimétrica, uma clara provocação às referências de estabilidade e centralidade. Uma pilha de seis cubos de diferentes dimensões, cada qual encerrando autonomamente suas necessidades programáticas, como se tivessem sido empilhados por uma criança cujo maior desafio seria vencer a gravidade, sobrepondo-os livremente, de maneira diluir a noção de verticalidade e sua conseqüente monumentalidade. Uma disposição que pretende possibilitar a luz natural em todos os andares de exposição, de modo a permitir aos visitantes, através da variação da luz solar, diferentes experiências no contato com a arte. Revestido por uma superfície porosa, cujo efeito translúcido, porém difuso, corrobora o efeito mágico da composição. A suposta arbritariedade é fruto de uma rigorosa pesquisa programática, tecnológica e estética.
Zollverein Escola de Administração e Design, inaugurada em 2006, está implantada num sítio histórico tombado como patrimônio da humanidade, cujo plano diretor da intervenção é de autoria de Rem Koolhaas. Numa das mais antigas minas de carvão, cujas instalações originais de meados do século XIX, foram mantidas em meio a uma extensa área de parque, pousa um delicado, apesar das amplas dimensões, estático e aerado cubo cinza, sem qualquer preocupação mimética ou de recuperação de identidade, com 134 janelas de três dimensões, cuja disposição aferiu à superfície muito mais a condição de uma composição plástica do que os seus aspectos funcionais de aeração e ventilação. A única referência ao existente é o formato das aberturas, que segundo os arquitetos, foram baseadas na malha estrutural da antiga implantação do complexo industrial. Porém uma informação que apenas os arquitetos têm como saber a origem, pois da maneira como foi por eles apropriada, felizmente, não revela ao publico qualquer relação com o existente. Neste caso qualquer tentativa de mimese seria desastroso ao conjunto arquitetônico.
Museu de Arte Contemporânea do século 21, em Kanazawa, tal como um arquipélago de pequenas ilhas circunscrito num volume circular que garante 360º de visão, confundindo o referencial de frente e trás, a definição . tem seu programa organizado em espaços autônomos, com diferentes formatos, porém interconectados por meio dos vazios entre eles.
Instituto Valência de Arte Moderna – anexo, Espanha. Uma película rígida, transparente, de metal perfurado, cobre todo o quarteirão, que inclui o antigo edifício, o novo e áreas entre eles, permitindo a entrada da luz, da chuva, do sol, criando pátios, que ora são espaços públicos e semi-públicos, ora internos ou externos.
Learning Center – Escola Politécnica de Lausanne: a idéia desenvolvida no projeto anterior, de uma película sobre o conjunto arquitetônico, foi trabalhada aqui, no sentido topográfico, com mais densidade, criando uma nova composição do tecido urbano, cuja dimensão e movimentação sugere o deslocamento das curvas de nível do próprio terreno, ou uma marola no meio do mar. Uma obra para ser vista de avião, como muitos dos projetos de Oscar Niemeyer, a superfície de maior plasticidade é a cobertura que combina as aberturas para a iluminação com a oscilação da laje de cobertura.
Na residência, a hilaridade é o tom existencial dominante na casa, rompendo as relações hieráquicas, ainda bastante presente sobretudo nas culturas orientais e estimulando uma nova relação.
Apesar de uma freqüente ousadia em todos os sentidos, tecnológica, programática e estética, as obras da simpática dupla têm presença discreta, graças a sua apurada delicadeza, na melhor tradição oriental. Delicadeza que nos remete às casas de chá, aos templos, mas também ao Ginásio de esportes de Kenzo Tange, à capela d’água de Tadao Ando e as obras de Toyo Ito. A capacidade de Sejima e Nishizawa está mais em insinuar do que em resolver propriamente a complexidade contemporânea. A presença de humor nessa arquitetura, entretanto, não a qualifica como uma architainment – arquitreterimento, expressão inventada por Fernando Galiano para descrever as recentes obras espetaculares. A sua preocupação parece, antes de tudo, estar em resgatar o caráter propositivo da arquitetura, de repensar o novo, buscando tirar do mundo globalizado, algo de sua poética e plasticidade.
Sanaa (Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa)
Curadoria de Yuko Hasegawa
14 de agosto a 28 de setembro
Instituto Tomie Ohtake
Av Faria Lima 201, Pinheiros, São Paulo - SP
11-2245-1900
www.institutotomieohtake.org.br
Terça a domingo, 11-20h