|
maio 19, 2008
Entrevista com Hans-Michael Herzog, por Caroline Menezes
Entrevista com o diretor da Daros-Latinamerica, Hans-Michael Herzog
CAROLINE MENEZES
Na Europa, qualquer um que se diga especialista em arte contemporânea hoje precisa saber indicar no atlas os países de artistas como Hélio Oiticica (Brasil), Victor Grippo (Argentina) ou Doris Salcedo (Colômbia). Há tempos disseminada no meio acadêmico e (mais recentemente) re-introduzida no mercado europeu, a arte latino-americana faz parte do repertório inelutável de quem lê, estuda, expõe, coleciona, negocia e até para aqueles que a produzem. Ou seja, a produção da América Latina está no ar e é fácil absorvê-la, principalmente se se é alguém que precisa de arte para respirar. Mas e quanto às pessoas que apenas gostam de arte, o público comum, será que eles apreendem como culturalmente peculiar o que lhes é apresentado em museus e galerias européias como “arte latino-americana”? E sobre os ditos conhecedores mencionados acima, será que eles conseguem articular o conhecimento sobre a criação artística dos países do outro lado do Atlântico?
A Daros Collections, instituição de arte suíça, parece se dedicar a ser o hífen entre a compreensão européia e a expressão latina. Desde 2000, com a Daros-Latinamerica Collection, ela vem promovendo exposições e debates sobre a arte da América Latina. Hans-Michel Herzog, curador e diretor da Daros-Latinamerica Collection e, desde 2005, diretor artístico da Daros Collections, dá aqui respostas a várias das perguntas feitas acima. No escritório geral da Daros, em Zurique, em uma das salas lotadas de publicações sobre o continente mais à esquerda do globo, incluindo riquíssimos catálogos publicados pela própria Daros, o suíço fala sobre a recepção da arte latino-americana na Europa e do impacto da mais recente exposição do museu da Daros: Face to Face, a primeira coletiva a colocar, lado a lado, os principais destaques dos dois acervos da instituição, o de arte européia e norte-americana e o da América Latina.
No espaço Daros Exhibitions, em Zurique, a mostra, dividida em dois segmentos, contou, na parte inicial (de outubro de 2007 a fevereiro deste ano), com 50 trabalhos de 32 artistas, entre eles os alemães Joseph Beuys, Sigmar Polke e Luis Camnitzer (que imigrou para o Uruguai); os brasileiros Cildo Meireles e Hélio Oiticica; o cubano Tonel, os argentinos Guillermo Kuitca, Nicola Costantino e Leandro Erlich; o porto-riquenho Charles Juhász-Alvarado e os americanos Eva Hesse, Andy Warhol, Robert Gober e Bruce Nauman. Desde março, Face to Face: part II apresenta cerca de 280 obras de nomes como os brasileiros Waltércio Caldas e Antônio Dias; os venezuelanos Carlos Cruz-Diez e Jesús Rafael Soto; os americanos Dan Flavin, Sol LeWitt, e Richard Serra; e o argentino Julio Le Parc. A exposição em Zurique termina em setembro. Leia a crítica completa na revista inglesa Studio International www.studio-international.co.uk/reports/daros.asp
Herzog também é responsável pelo maior empreendimento da Daros-Latinamerica: a Casa Daros, no Rio de Janeiro, que antes mesmo de abrir as suas portas (a data será anunciada pelo arquiteto Paulo Mendes da Costa em junho) já realiza ações educativas na cidade. Aliás, o diretor da Daros-Latinamerica destaca que essa é uma das principais preocupações da instituição tanto na Europa, quanto no Brasil. Assim como todo o projeto, a plataforma no Rio tem como meta colocar a arte latina no mapa. Porém, o foco da Casa Daros não é o mapa-mundi, mas sim a geografia local. É muito claro para Herzog que a cartografia artística que a Daros quer implantar é de fronteiras suavizadas entre os 20 países latino-americanos. Segundo ele, o maior desafio da iniciativa é tornar a casa um pólo para que os artistas vizinhos do continente possam se encontrar, conhecer a produção um dos outros e articular ações conjuntas.
Caroline Menezes: Em Face to Face, vemos uma mesma estratégia de apresentação: uma ou várias obras de artistas latino-americanos colocadas ao lado de, ou em frente a, uma ou várias obras de artistas europeus. A associação parece ser por algum tipo de contigüidade conceitual e/ou estética. Vemos, por exemplo, Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola de Cildo Meireles ao lado da gravura 210 Coca-Cola Bottles, de Andy Warhol, ou ainda a Bola de Futebol, com pequenos mamilos de Nicola Costantino e o trabalho sem-título de Robert Gober que é um seio feito de cera. Como foi articular as duas coleções unidas? Qual foi seu principal objetivo ao estabelecer esse diálogo?
Hans-Michael Herzog: Não foi difícil. Tive a idéia: por que não pelo menos tentar fazer uma mostra justapondo as duas coleções? São mil obras latinas e um pouco menos do acervo mais antigo. Já que estamos na Europa, a principal meta foi deixar claro para o público daqui que nos últimos 50 anos a arte latino-americana está no mesmo patamar das artes americana e européia. De certa forma, é ridículo que ainda tenhamos que provar isso. É mesmo absurdo! Mas, diante do fato de que ninguém nunca aqui mostrou tanto interesse pela arte latino-americana, parece que é necessário que tenhamos que dar uma prova da qualidade e da eqüidade artística. A princípio, eu duvidei um pouco que o projeto seria fácil. Logo percebi, entretanto, que há muitas semelhanças e analogias entre as coleções. Algumas são literais, outras não. Há analogias mais abrangentes, como entre os trabalhos Razão e Loucura, de Cildo Meireles, e os pequenos desenhos do cubano Tonel. Assim, os dois segmentos da exposição foram se configurando bastante bem. O ponto de partida para a primeira parte foram os objetos, com as referências diretas a Marcel Duchamp, de Nélson Félix com Sotheby’s e de Charles Juhász-Alvarado com Duchamp em cheque. Na sala seguinte, temos Beuys, Grippo, Oiticica e Cildo Meireles entre muitos outros. Vários jogos e paralelos podem ser percebidos. Há ainda uma seção que lida diretamente com a questão do corpo e então, uma parte que pode ser chamada de “O ser-humano em risco”. A última sala é dedicada à influência de Andy Warhol. A Daros Collection possui muitos trabalhos dele, sobretudo obras relacionadas aos temas do dinheiro e o uso da Coca-cola. Face to Face é uma exposição muito lúdica .
CM: O senhor a dividiu em duas partes, por quê? Há diferentes abordagens nos dois segmentos?
HMH: O principal motivo é prático: embora o museu seja grande, não há espaço suficiente para mostrar todos os destaques da coleção de uma só vez. Então, a abordagem curatorial é basicamente a mesma. A primeira parte teve mais objetos e instalações. A segunda é um pouco diferente, com ênfase na pintura e no gesto do artista. Este segmento conta com alguns dos grandes nomes do século 20 representados pelos americano Barnett Newman, Dan Flavin e Richard Serra, do Brasil por Waltercio Caldas, Mira Schendel, e Antonio Dias; da Venezuela Soto e Carlos Cruz-Diez, Nelson Ramos do Uruguai e o argentino Julio Le Parc.
CM: Como está sendo a recepção do público europeu?
HMH: É [longo suspiro]. O público está sendo regular como em qualquer outra mostra. As críticas publicadas foram boas, no sentido em que os críticos apreciaram a idéia. No entanto, eu tenho a sensação de que muitos críticos não entenderam realmente o que é tudo isso. Talvez esse fenômeno seja algo bem suíço, embora eu acredite que também haja a mesma atitude em outros países. É comum dos críticos, se não entendem um assunto, preferem não fazer comentários. Ficam com medo de dar uma opinião errada. Logo, se os especialistas não conseguem categorizar a priori, ficam inseguros. Por exemplo, anos atrás, tivemos uma exposição imensa do argentino Fabian Marcaccio, com uma enorme peça que media 120 metros de largura. Era como se fosse a história do mundo atual. Um trabalho híbrido, com fotografia, manipulação digital, pintura, tudo colocado junto. Ninguém em Zurique soube qual era o critério para classificá-lo. O mesmo aconteceu na Alemanha. Os críticos ficam com medo desses tópicos. Muitos deles sequer tocam no assunto. Eles vão, vêem os trabalhos e chegam até a elaborar uma opinião, mas no final não a publicam. As pessoas não entendem realmente. Não possuem o contexto, é claro. Como eles vão explicar Victor Grippo? Quem pode falar de Hélio Oiticica? Eu acredito que para os latinos não haja este sentimento. Pessoas como você conhecem os dois lados da história. O problema é aqui. Ninguém realmente conhece “o outro”. Logo, há esta insegurança
CM: Este “medo” de que o senhor fala seria relativo ao medo do “outro” ou é algo particular nesta arte?
HMH: Não, não acho que seja algo em particular desta arte. O problema debruça-se muita mais sobre ignorância e arrogância. Experimento isso deste do começo. Muitos colegas que normalmente não são bobos, perguntam-me: “Hans, você pode me dizer como eu faço para olhar para essa arte da América Latina?”. Eu digo: “Desculpe-me, querido, é claro que você deve olhar para essa arte, como você olha para a arte de qualquer outro lugar. Por favor, por que você deveria olhar com olhos diferentes? Essa arte vai falar contigo como qualquer outra e vai estabelecer uma relação com você.” É, as pessoas são mesmo fleumáticas a respeito desse assunto.
CM: E como o senhor se sente a respeito disso? Como curador, não sente que deve dar um “contexto” para eles?
HMH: Aos meu ver isso não faz muito sentido. Que contexto eu posso dar? Eu posso convidá-los para ir para a América Latina. Eles podem passar anos lá. Mesmo assim eles poderiam simplesmente não saber o que é especificamente latino ou não? Eles devem olhar mais para obras como Razão e a Loucura, de Cildo Meireles, que é auto-explicativa. Eu não conheço Papua-Nova Guiné, nem a África do Sul. Acredito que a obra de arte é capaz de expressar-se em qualquer contexto. Não quero ter que fornecer dez páginas de texto que nunca seriam lidas e não posso condensar um contexto ou definir uma obra de arte em dez linhas. Isso seria errado, seria contra o artista. Olhemos para Todas as Cores dos Homens, de Antônio Dias. Nunca ninguém será capaz de definir esse trabalho. Está somente lá. Qualquer um pode articulá-lo mentalmente e todos acharão algo diferente na criação de Dias. É muito importante manter a diferença de níveis nas diferentes leituras de uma obra de arte. Não quero destruir isso. Não posso explicar o Rio de Janeiro, não posso explicar o Brasil, eu nem sequer posso explicar Antônio Dias.
CM: Concordo que uma exposição deva ser vista sem depender de um “manual de instruções”. No entanto, em seu projeto curatorial, quando se coloca, lado a lado, trabalhos de diferentes contextos, relacionando suas questões, não fica mais fácil de entender o que é abordado em cada uma das obras?
HMH: Aquilo de que gosto bastante em Face to Face é que ela cria confusão. É óbvio quem nem todas as pessoas conhecem história da arte. Muita gente não saberia sequer se uma obra é da década de 1960 ou se é recente. Alguns trabalhos parecem recém feitos, mas possuem mais de 40 anos. Logo, trazem esse desafio positivo sobre sua origem ou quando foram criadas. Quero que os visitantes sintam-se perplexos sobre o que tinham em mente antes de ver a exposição. O que faz o público presumir que um trabalho é da coleção latina ou é da outra? As pessoas vão começar a pensar: “Ah ha, eu estava errado”. O que faz as obras da América Latina parecerem com a outra produção? Qual é a diferença? Esse é um assunto que ninguém pode explicar. Qualquer um pode colocar a pergunta na roda e cada um achará a sua resposta [Risos]. Pense no caso do cinema. Ninguém explica um filme previamente. A não ser que você vá a um festival retrospectivo de um badalado cineasta qualquer. Mas normalmente você confronta o que vê na tela sem a menor idéia do que será visto. Em geral, você sabe apenas o título do filme. Assim, você tem que entender o que está se passando por si mesmo. Acredito que temos aqui uma situação similar. Não sou contra uma explicação geral. Para mim, respeitar a capacidade da arte para falar por si mesma é muito importante.
CM: Como começou o interesse na América Latina e como o senhor se envolveu no projeto?
HMH: A dona da Daros Latinamerica é a suíça Ruth Schmidheiny, que durante toda sua vida vem mostrando um grande interesse na América Latina. Ela já viajou por todo o continente. Seu marido, Sthephan, criou a fundação Avina, que se presta a apoiar projetos em excelência educacional em áreas alternativas, fora da esfera governamental. Eles têm esse interesse há muito tempo. A Daros Collection é uma coleção de arte norte-americana e européia iniciada na década de 1980. Eles a herdaram e resolveram desenvolvê-la. Em 2000, tiveram a idéia: “Por que não também comissionar uma coleção de arte latino-americana?” Dessa forma, Schmidheiny decidiu descobrir como criar uma coleção voltada para arte latina. Foi assim que começamos a trabalhar juntos. Essa é a única razão pela qual hoje a Daros possui uma coleção de arte latino-americana. Nosso objetivo é colocar a arte latino-americana no mapa, já que não está lá. Na Europa, ninguém realmente conhece muito sobre a história e o presente da recente produção artística da América Latina. Esse é o motivo por qual nós resolvemos criar a Casa Daros, no Rio de Janeiro. No Brasil, as pessoas também não conhecem a arte dos seus países vizinhos. Queremos criar um impacto com a arte latino-americana na Europa. Mas considero que estamos começando do zero.
CM: Mas há outros acervos de arte latino-americana na Europa. Por exemplo, a coleção da Universidade de Essex, na Inglaterra...
HMH : A Universidade de Essex tem um pouco e tem algumas outras pequenas coleções.
CM: Por que o Rio foi escolhido para sediar a sede da Daros na América Latina?
HMH: O Brasil deveria ser entendido como parte da América Latina, mas quase todos os brasileiros não gostam de ser chamados assim [Risos]. As pessoas em geral no Brasil têm pouca ou nenhuma idéia da arte da vizinhança, a que fala espanhol.
CM: Como estão sendo as atividades já iniciadas no Rio, como o projeto educacional?
HMH: A Daros tem um grande interesse na parte educacional. Este é um dos nossos principais objetivos. Estamos trabalhando com diferentes sistemas aqui e lá. Não sei dizer exatamente o que vem sendo feito em termos práticos. Aqui, por exemplo, há uma série de cadernos educacionais que são publicados a cada grande exposição. O projeto educacional é mais tradicional, com visitas guiadas, trabalhos com crianças de escola, etc. No Rio é bem diferente. São cursos para jovens estudantes de arte e futuros educadores na área. Alguns artistas do Brasil e de outros países latino-americanos foram convidados para fazerem workshops na cidade. O projeto é baseado nos princípios do educador brasileiro Paulo Freire, como o de ouvir e a idéia de comunicação, quebrando a tradição antiquada da educação artística em que a arte tem que ser ensinada de cima, na qual alguém em um grau superior diz para o outro: “Isso significa blablablá”. Basicamente, os artistas trabalham juntos com os estudantes explicando durante o processo de trabalho como eles operam suas artes, o que significa para eles a criação de suas obras. É um sistema muita mais horizontal ou, podemos dizer, uma abordagem democrática: aprender fazendo. Trata-se de um sistema educacional muito mais apreensível que eu, particularmente, prefiro.
CM: Qual é a sua opinião sobre o a imagem de senso-comum que diz que a arte latino-americana é mais experimental por conta da falta de recursos? Isso ainda pode ser verdade, mesmo levando-se em consideração que a maioria dos artistas vem de classes sociais mais altas?
HMH: De certa forma, isso não é mais verdade no caso do Brasil. No entanto, ainda é verdade para, por exemplo, Cuba. Eles realmente precisam ser muito conceituais... por conta da falta de material: minimizando, recriando a forma e o assunto. Mas, no geral, sim, quase a totalidade dos artistas latinos são de classes médias ou altas.
CM: Há traços gerais que possam ser apontados na arte latino-americana?
HMH: Há uma característica geral na cena artística, sim. Ela é muito mais vívida e muito mais ativa que as outras. Em minha opinião, a arte da América Latina é muito mais interessante porque é menos acadêmica. A arte ocidental tornou-se muito acadêmica e não gosto tanto disso. Mas, claro, há academicismo na arte latino-americana também. Isso é mais velho que a arte. Ela tornar-se acadêmica é normal.
CM: Sobre a interação entre os países, o senhor comentou que os brasileiros não conhecem seus vizinhos. Os outros países conhecem melhor a arte brasileira?
HMH: Também não. Talvez só os grandes nomes.
CM: E entre eles? Há mais conversa entre os países que falam o mesmo idioma?
HMH: Não é muito uma questão de idioma, é mais uma questão de vizinhança. Ou talvez nem isso... Na verdade, não há muito diálogo entre Peru e Argentina, nem entre Chile e Venezuela, nem sequer entre Venezuela e Colômbia. Há muito mais interação na América Central. A partir dos últimos anos, eles passaram a estar juntos, visitar uns aos outros, criar projetos em colaboração. Por exemplo, Nicarágua, Honduras e Panamá: eles finalmente entenderam o que o vizinho faz. Mas, é claro, a América Central é muito pequena. O México é um caso à parte, como Cuba. Cuba é Cuba. Mas ao mesmo tempo há os estigmas: quando há tempo, meios e dinheiro para viajar, todo mundo prefere ir para Europa, Miami, Los Angeles ou Nova York. É uma questão financeira. Às vezes, um vôo de Bogotá para o Panamá, que dura uma hora e meia, custa muito mais do que de Bogotá para Miami que são seis horas. É louco, mas define o que é a nossa realidade agora. Você não vai gastar muito mais dinheiro visitando o país do lado, se você sabe que em Miami encontra uma boa feira de arte e excelentes museus. É obvio que vai preferir ir para Miami e não para a Guatemala. As pessoas ficam realmente isoladas e é exatamente isso que queremos mudar. Construindo esse pólo no Rio, a Casa Daros, vamos convidá-los todos para que haja integração entre os países. Isso será para brasileiros e para os outros desenvolverem-se juntos e se posicionarem juntos internacionalmente. Quando queremos trabalhar na América Latina, não é somente para colocá-la no mapa, é para todo mundo entender que isso é arte latino-americana, que ela existe e que é boa.
maio 13, 2008
Uma e algumas palavras, por Marcus Alexandre Motta, sobre o trabalho de Cristina Pape
Uma e algumas palavras
MARCUS ALEXANDRE MOTTA
No alto, ora aqui, ora ali, ora lá, um bater de asas... A obra de Cristina Pape é tudo através de letras, que oferecem suas linhas àquele que por ali levanta os olhos e a vê. Tudo na frase exposta, em derradeira situação arquitetural, exalta a presença fluida do espaço, cujo efeito natural é a quebra dos instantes de sopro e pausa. Tudo como pronúncia que ali fica como simples versão dos olhos; coisa à parte: a experiência plástica. Poucas palavras, uma e ainda, e ainda... amarelo.
Coisa à parte, como peça da pergunta: de que palavras é composta a obra que é, literalmente, uma frase aqui? Palavras, ou uma palavra, como o amarelo, essas marcas difíceis, completamente lapidadas para viverem as aparências daquilo que aparece lá. Palavras, ou palavra, mas não significados ou comunicações. Apenas coisas limpas, sem duplo, cuja forma de inscrição apresenta o vivo passar do tempo por ela, a frase.
Ali exposta, está à frase. Perfiladas, as palavras estão prontas para presenciar o seu fim, assim que os olhos de alguém as percorram. Trabalho de arte que nada deseja que não seja uma inexatidão próxima à semelhança de uma arquitetura. Ela, a frase ou arquitetura, deve ser visível ou invisível, uma ou outra. Um ver e não ver que está nos olhos, ora aqui, ora ali, ora lá... Clima e ar de uma abstração impregnada de arte, como a artista a caminhar lado a lado com a vida.
Cristina Pape
Fragmentos deflagradores
8 de maio a 27 de junho de 2008
Galeria Cândido Portinari - UERJ
Rua São Francisco Xavier 524, Maracanã, Rio de Janeiro - RJ
21-2587-7650
Segunda a sexta, 10-19h
Realização: Departamento Cultural da Sub-Reitoria de Extensão e Cultura da UERJ
maio 8, 2008
Bia Medeiros: trajetórias do corpo
Bia Medeiros: trajetórias do corpo
Bia Medeiros faz sua primeira individual em 1978 no Rio de janeiro e, já nesta exposição, além de gravuras, mostra uma preocupação em retirar seu trabalho de galerias e levá-los para as ruas, com objetivo de atingir um público não confrontado às questões da arte. São pequenas intervenções urbanas: carimbos e fotocópias.
Em 1982, viaja para Paris e lá se defronta com imensos cartazes publicitários. Faz gravuras, mas nas intervenções urbanas sente a necessidade de trabalhar em grupo. Trabalha com diversos artistas, mas firma parceria com Suzete Venturelli, e com ela trabalha até 1989.
No Conjunto Cultural da Caixa, em Brasília, esse percurso é o início cronológico. Uma gravura de 1976, um desenho já sobre cartazes publicitários, uma imensa intervenção urbana em Paris e um vídeo e diversas fotografias de performances com Suzete. O vídeo, onde Bia está grávida de 7 meses e as fotografias com Suzete são ousadas, as artistas exibem seus corpos nus. A exposição foi recomendada, pela Caixa, apenas para maiores de 18 anos.
Ao retornar ao Brasil, Bia se instala em Brasília e funda o grupo de pesquisa Corpos Informáticos. A proposta é pensar o corpo confrontado às tecnologias, mas não se perde o desejo de realizar intervenções urbanas, que hoje denomina Composições Urbanas, em sigla divertida “CU” (FUNARTE-Rio, 2007 e em 15 de maio de 2008 na FUNARTE-Brasília). Outra irreverente sigla, hoje utilizada pelo Grupo é “UAI”, ueb arte iterativa, projeto em andamento de uma página web iterativa (Menção honrosa, Prêmio Sérgio Motta, 2007).
O Grupo sempre foi formado por artistas plásticos, atores e performers, técnicos, etc, na sua maioria alunos de graduação, muitos deles com bolsa de Iniciação Científica. Diversos participantes há muito se formaram, concluíram seus Mestrados e até Doutorados e continuam participando do Grupo: Carla Rocha, Alice Stefânia; ou ajudando quando necessário: Milton Marques, Maycira Leão, Cyntia Carla. Cabe lembrar, também, a contínua participação de Maria Luiza Fragoso, que realizou o projeto expositivo de Bia Medeiros: trajetórias do corpo.
As linguagens artísticas utilizadas pelo Grupo - performance, composição urbana, videoarte, web-arte-, necessitam diversidade de conhecimentos. Mas, na proposta do Grupo, todos se envolvem com as diversas linguagens, atrizes fazendo vídeos, artistas plásticos performando, técnicos dançando, todo mundo participando dos laboratórios de corpo, lixando espelhos, cavando buracos, amarrando balanços, etc. As idéias e propostas são sempre discutidas em grupo, os trabalhos são sempre de autoria do grupo, não tendo um autor efetivo. Bia Medeiros, como responsável pelo projeto, pelos seus financiamentos assina a responsabilidade legal de toda produção.
Um pequeno apanhado deste imenso trabalho artístico é mostrado em Bia Medeiros: trajetórias do corpo. Além da produção anterior à fundação do Corpos Informáticos, são cerca de 20 vídeos – alguns premiados como o “Palladium” de Frederyck Sidou, e a página web em construção “UAI”-, muitas fotografias de corpos do Corpos, duas intervenções urbanas nas paredes, uma composição urbana (já que a galeria foi transformada em espaço público brasiliense, isto é, gramada), uma sala de estar (quase como na Bienal do Mercosul 2005), tudo isso em um projeto curatorial de Priscila Arantes, um projeto expositivo de Malu Fragoso e muito trabalho dos atuais membros do Corpos Informáticos: Carla Rocha, Diego Azambuja, Fernando Aquino, Hugo Cabral, Kacau Rodrigues (produtora executiva), Larissa Ferreira, Luiz Ribeiro, Márcio H. Mota.