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novembro 23, 2007
Projéteis contemporâneos na sala de espera, de Beatriz Pimenta
Web1: foto da instalação Sala de espera, de Beatriz Pimenta
Projéteis contemporâneos na sala de espera
BEATRIZ PIMENTA
Como a matéria do "Vocalista da banda Montage é deportado da Inglaterra", publicada no Globo On Line do dia 14 de novembro de 2007, a instalação, Sala de Espera, de Beatriz Pimenta, em exposição no Prêmio Projéteis Contemporâneos da Funarte 2007-2008, simula a organização da sala que prende viajantes até o próximo vôo de volta ao país de origem que não foram aceitos pela imigração de Londres.
Na maioria dos casos a recusa é devido a preconceitos em relação a raça, gênero ou classe, um paradoxo, pois num país liberal que se diz politicamente correto esse tipo de atitude é considerada crime, mas para países que não fazem parte da União Européia ou dos EUA parece que essa lei não se aplica. Um adendo, artistas brasileiros de vários segmentos já caíram nessa sala e tiveram seus projetos acabados ou iterrompidos por projetos artísticos se tratarem de coisa não catalogada nos estatutos da tal imigração.
Um dos principais motivos para eu ter enviado o projeto para a Funarte foi pelo mezanino do prédio do MEC com suas vidraças modernas lembrar mais o ambiente dos aeroportos do que o das salas de exposições tradicionais. Espaço difícil para exposição de qualquer obra de arte tradicional ou contemporânea, que nunca conseguiu recuperar a visibilidade das antigas galerias da Funarte deslocadas das galerias do atual MNBA no contraditório governo de Collor de Melo.
Na instalação, em sintonia com toda adversidade, bucólicas ovelhas podem ser seres repugnantes; uma pedra como olho é a janela da alma; um monumento ao estilo do Big Ben é um memorial para vitimas de guerras que não são mais heróicas. A polifonia dos textos de origens diversas, quando expressa revolta, ingenuidade, indignação, orgulho, etc. coloca crenças em jogo: de um lado, o apego pela imutabilidade de antigas tradições e privilégios; e do outro, o desejo, ou mesmo a necessidade, de ultrapassar as fronteiras culturais e econômicas do velho mundo.
Também o vídeo Despacho Cultural, exibido em um monitor de tevê, é uma paródia, uma fábula sobre o relacionamento entre pessoas de diferentes culturas. As tentativas de aproximação da artista com as ovelhas só terminam quando imagens de ovelhas passando se sobrepõem às do corpo da artista, que, em sono profundo sobre uma pele de lã sente prazer nesta forma de contato. Aí, não se pode mais negar que o contato, algo que parece ser evitado ao máximo em todas as situações expostas, é sempre uma forma de contagio cultural, que não se limita apenas a uma questão de dominantes ou dominados.
Prêmio Projéteis Funarte de Arte Contemporânea 2007/2008
Ana Muglia, Beatriz Pimenta, Corpos Informáticos, Maria Nepomuceno, Maurício Brandão
6 de novembro a 21 de dezembro de 2007
Palácio da Cultura Gustavo Capanema - Mezanino
Rua da Imprensa 16, Centro, Rio de Janeiro - RJ
21-2279-8092 ou ascomfunarte@funarte.gov.br / cavisuais@funarte.gov.br
Segunda a sexta, 10-18h
novembro 13, 2007
Arte para poucos, por Lisette Lagnado
Arte para poucos
Crítica de Lisette Lagnado, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 18 de março de 2007. Leia também a réplica de Barbara Szaniecki à crítica de Lisette Lagnado
"Estética da Multidão" aplica teses de Antonio Negri e Michael Hardt para analisar os fenômenos artísticos
Estética da Multidão", livro de Barbara Szaniecki, pretende abraçar uma disciplina (a estética) e um conceito (a multidão), que são dois terrenos bastante pantanosos pelo fato de operarem com a coexistência de sentidos.
Se partirmos do dissenso para definir o fenômeno artístico -sobretudo contemporâneo-, o que dizer de sua conjunção com "subjetividades de globalização produtivas e criadoras", nas palavras de Michael Hardt e Antonio Negri em "Império"?
A publicação integra a coleção, organizada por Giuseppe Cocco, dedicada a familiarizar o público brasileiro com o "léxico usado em 'Império"", que, segundo consta na contracapa do livro, "definiu um novo horizonte de reflexão sobre a crise da modernidade".
A iniciativa já pode ser louvada por um motivo que parece prosaico, mas não é: desde que Negri passou a ser traduzido no Brasil, um outro código lingüístico entrou em circulação.
Resta descobrir quando esse código apenas joga fumaça para esconder afirmações óbvias ou quando tem propriedade, mesmo sendo uma língua estranha. Assim, para quem desconhece o "jargão" de Negri, uma frase como esta pode ser horripilante: "Ir além do moderno significaria então traduzir esteticamente a racionalidade concreta da vida social, seus processos de organização e de produção com base na cooperação ilimitada e potente das subjetividades que neles se constituem".
A terminologia específica do "Império" deve ser explicada, mas também questionada.
Com uma edição bem cuidada e um caderno de imagens, o livro se divide em três capítulos: "Espaço Social, Tempo Político e Tom - Concepção e Forma do Poder na Re presentação Clássica e na Estética Popular"; "Transformações da Soberania - Continuidades das Imagens do Poder, Mutiplicidades das Imagens da Potência"; e "Soberania Imperial e Cartazes Políticos na Contemporaneidade".
Barbara Szaniecki utiliza fartamente o vocabulário de Negri, que, por sua vez, pensa ter ido além de Michel Foucault [1926-1984]. Em seu repertório iconográfico, constam "Las Meninas", de Velásquez [1599-1660], e retratos oficiais e reais (isto é, da realeza).
Erro de interpretação
O cartaz político se mostra apto à análise política dos "dispositivos de cooperação que se formam e se estendem através das redes", mesmo que Negri não tenha se debruçado sobre as artes gráficas.
Walter Benjamin [1892- 1940], sim, porém Szaniecki parece cometer um erro de interpretação quando escreve: "Nosso estudo aborda a potência do cartaz a partir de uma hipótese de estetização da política, a ser verificada nas manifestações globais".
Quando encerra seu ensaio de 1936 intitulado "A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica", Benjamin alerta para a "estetização da política" praticada pelo fascismo e propõe o que poucos até hoje compreendem: "Politizar a arte".
Estamos já no terceiro quarto de "Estética da Multidão" quando somos introduzidos à "questão da representação política e estética".
Ora, não custava resolver em poucas páginas que toda representação é política. O livro merecia uma limpeza dos rastros acadêmicos. Ganharia agilidade e força autoral.
Somos conduzidos por sentenças como: "Nosso interesse se limita...", "podemos averiguar...", "como mencionamos anteriormente...", "verificaremos a seguir..." etc.
E qual é o cerne do debate que nos interessa? A pergunta é complexa e pertence à disciplina estética, a saber: como explicar, nas práticas artísticas, a passagem da transcendência para a imanência?
Szaniecki fará uso de uma série de conceitos atribuídos a Foucault e Negri, como "ação e reação" e "imagens de potência". Nietzsche [1844-1900] mal aparece.
Uma nota de rodapé assinalando que o "método de abordagem" de Foucault e Negri "não é dialético" desconsidera que essa hipótese já havia sido elaborada, em 1962, no estudo de Gilles Deleuze [1925-1995] "Nietzsche e a Filosofia".
Aos seus vinte e poucos anos, o pensamento de Foucault já era indissociável do de Nietzsche, culminando em um dos textos mais lidos nas faculdades de ciências humanas, "Nietzsche, Freud, Marx (colóquio de Royaumont, julho de 1964).
Pensar "estética" e "multidão" é uma proposição não somente bem-vinda como necessária. É fato que muitos criadores trabalham com filigranas derivadas da definição de multidão (em oposição à noção de "povo").
A "cooperação social" é uma delas; a "troca e o afeto" também. Entretanto é difícil compreender a opção por aplicar um léxico, surgido nos anos 90, à iconografia dos cartazes do Maio de 1968, por exemplo.
Por que perder a oportunidade de atualizar um trabalho acadêmico e de escolher uma iconografia mais contemporânea?
No caso do estudo dos retratos, caberia evocar a série "Palestinian Cabinet Ministers", de Efrat Shvily (2000), realizada quando a paz no Oriente Médio aparecia como horizonte possível. Retratos de uma autoridade que não chegou a ter uma autoridade e que foi compreendida como uma camuflagem de terroristas parecendo "árabes respeitáveis" ou, até mesmo, por ironia da semelhança dos traços étnicos, membros da autoridade israelense.
É verdade que Negri tentou descascar esse abacaxi ao publicar "Arte e Multidão - Nove Cartas sobre a Arte" (ed. Atelier, França). Mesmo assim, não foi bem-sucedido.
Sinal de indecisão
Em carta de 15/12/2001 para Marie-Magdeleine, Negri constata o "vazio de inovação formal" após ter visitado a Bienal de Veneza. Se Negri afirma que a transcendência não existe mais, a sugestão de que "a obra de arte pareça sempre ter algo de transcendente" é, no mínimo, um sinal de indecisão de sua parte.
É incoerente lamentar a falta de uma "grande arte" e tentar enxergar em Joseph Beuys [1921-86] ou em Richard Serra possibilidades de "potência".
Antes da conclusão, mero resumo repetitivo, Szaniecki toca uma mina tão preciosa quanto perigosa, na frase final do terceiro capítulo: "Seria o evento a forma da imanência?". Aqui residiria um estudo promissor.
LISETTE LAGNADO é crítica de arte e co-editora da "Trópico". Foi curadora-geral da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006.