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novembro 18, 2005
Entrevista de Brígida Baltar a House Cultura
Entrevista de Brígida Baltar a House Cultura
House Cultura - Como começou esse trabalho com elementos do seu próprio ateliê?
Brígida Baltar - No início dos anos 90, comecei a recolher água das goteiras da casa, descascar a tinta das paredes e fazer uma espécie de coleção com os materiais da casa. Dos tijolos fiz pequenas esculturas e algumas ações como Torre e a Horta da casa. Eu ia tirando os tijolos das paredes e acabei trabalhando neste limite - até quanto eu poderia realmente retirá-los. Ultimamente tenho me interessado muito pelo pó do tijolo, que traz mais movimento e novas possibilidades. Na Casa da Ribeira, com suas paredes também em tijolo aparente, consegui criar uma relação com a arquitetura do espaço que ficou interessante. Todo o espaço passou a ser um único casulo e eu pensei os desenhos nas paredes também como janelas.
HC - O que exatamente você quis mostrar para o público de Natal?
BB -O tijolo é estrutura. É como se a partir dele, em pó ou em tijolos reciclados de formato reduzido eu pudesse fabricar novos devaneios, pequenas utopias, outras fábulas. Acho que projeto fala daquilo que a gente pode pensar no sentido de construção mesmo. Acho que é um projeto otimista.
HC - São seus pais, na parede (referindo-se à figura central desenhada no nicho da Sala).
BB - é... os pais são também nossos pilares na nossa formação, já que estamos falando de estrutura. Eles caminham numa paisagem, é quase uma fábula.
HC - E como foi o processo nesse Espaço, você citou o fato de expor fora do grande circuito, numa Sala no Nordeste..
BB - Foi maravilhoso e muito intenso para mim. Cheguei com uma idéia, mas tudo estava meio aberto e aqui muitas decisões foram tomadas. O bacana na Casa da Ribeira foi a possibilidade total de experimentar. O pó de tijolo tem a ver com a experiência direta no local, você desenha e redesenha o espaço...a instalação fica com uma atmosfera meio imaterial e efêmera.
HC - Você vai abandonar o trabalho com vídeo e fotografia por um tempo ou isso corre em paralelo?
BB - Eu tenho algumas experiências em vídeo que eu ainda quero editar, relacionadas com este trabalho da casa. E vou continuar a desenvolver por exemplo o trabalho da Maria Farinha Ghost Crab. Eu gosto me trabalhar com meios diferentes,...por causa das edições de vídeos eu andava trabalhando muito no computador, agora com os projetos em pó de tijolos o trabalho fica mais artesanal mesmo.
Projeto Natal - Arte Contemporânea
Brígida Baltar
Em Casa
9 de novembro a 23 de dezembro de 2005
Espaço Cultural Casa da Ribeira
Rua Frei Miguelinho 52, Ribeira, Natal - RN
84-211-7710
www.casadaribeira.com.br
Terça a domingo, 16-22h
Realização: Casa da Ribeira, Seleção do BNB Cultural, Programa de patrocínios do Banco do Nordeste
novembro 17, 2005
Seminário Arte e Museu em questão - Programação:
Seminário Arte e Museu em questão
23 a 25 de novembro de 2005
Sheraton Hotel - Auditório Mercosul
Rua Olavo Barreto Vianna 18, Moinhos de Vento, Porto Alegre - RS
Preço: R$40 (20% de desconto para estudantes; 50% de desconto para ação educativa da Bienal Mercosul e cadastrados no SEM)
Programação:
23 de novembro, quarta-feira, 20h
Palestrantes: Alfred Pacquement, Diretor, Centre Georges Pompidou, Paris, França; Marcelo Araújo, Diretor, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil; Gabriel Perez-Barreiro, Curador de arte latino-americana, Blanton Museum,Austin, Texas, EUA; Ariel Jiménez, Curador, Colección Cisneros, Caracas, Venezuela
24 de novembro, quinta-feira, 19h30
Palestrantes: Luis Enrique Perez-Oramas, Curador arte latino - americana, MoMA, New York,EUA; Fernando Farina, Diretor, Museo Municipal de Bellas Artes Juan B. Castagnino, Museo de Arte Contemporáneo de Rosário(MACRO), Rosário,Argentina; Cristina Lleras, Curadora, Museu Nacional de Colombia, Bogotá, Colômbia; Paulo Herkenhoff, Diretor, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro,Brasil
25 de novembro, sexta-feira, 19h30
Palestrantes: Carlos Ashida, Diretor, Museu Carrillo Gil, Cidade do México, México; Paulo Amaral, Diretor, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil; Milan Ivelic, Diretor, Museu Nacional de Bellas Artes do Chile, Santiago, Chile; Angel Kalenberg, Diretor, Museu Nacional de Artes Visuales, Montevidéu, Uruguai; Fernando Luís Schüler, Diretor Executivo, Fundação Iberê Camargo, RS, Brasil
Homem - Coletivo - Homem - Coletivo - Homem... (Litosilício) no Eugênio Kusnet - Programação:
Homem - Coletivo - Homem - Coletivo - Homem... (Litosilício) no Eugênio Kusnet - Programação:
29 de novembro de 2005
19-21h - Arte e Tecnologia - Rejane Cantoni
6 de dezembro de 2005
19-20h - Antropologia Visual (arte urbana território e linguagem ) - Profa. Dra. Rita Alves de Oliveira - Puc/SP
20:15-21h - Intervenções urbanas, sticker, grafitti - Eduardo Verderame
13 de dezembro de 2005
19-20h - Arte Cidade - Profa. Dra. Lílian Amaral
20:15-21h - "Fui" - Antônio Bivar
21-22h - Encerramento - José Roberto Aguilar ( banda performática )
novembro 15, 2005
Um salto no vazio, por Juliana Monachesi
Texto produzido para a exposição de Edith Derdyk no Paço das Artes, São Paulo, 19 de novembro a 23 de dezembro de 2005
Um salto no vazio
JULIANA MONACHESI
Amanheceu no trabalho de Edith Derdyk. Não é de estranhar que uma trajetória feita de saltos -basta pensar na transição da linha do plano para o espaço- desemboque, na presente exposição, em uma guinada do emaranhado e adensado negro à luminosidade e leveza do branco. Se o preto sobre branco era uma aposta na potência da obra de arte, na potência da inscrição da arte no mundo, o branco sobre branco funciona como uma espécie de impasse diante do campo da representação.
Podia-se dizer, até a individual anterior da artista, que a estrutura dorsal de sua produção é o desenho e que a costura (ou a sutura) foi elevada por Edith Derdyk à condição de método. "Manhã" vem desestabilizar este padrão. Na instalação "Vento Branco", a artista faz soprar uma brisa em um calhamaço de folhas brancas, que se elevam levadas por fios também brancos, presos a uma parede igualmente branca.
A exposição no Paço das Artes, como artista convidada na Temporada de Projetos, reúne ainda um vídeo e um backlight, ambos desestabilizadores da idéia convencional de vídeo e de backlight. Onde se lê, até agora, "desestabilizar" neste texto, cabe a palavra desterritorializar, conforme tratada por Deleuze e Guattari.
"Ler não é decifrar, ler é puxar um fio" (Ana Cristina César) e em Deleuze há vários fios que ajudam na leitura da obra de Edith Derdyk. Esta frase da escritora carioca mostra como, ao ler uma obra de arte, não importa o que um trabalho ou um dado momento da obra significa, mas antes o que ele aciona. Deleuze mostrava como, em oposição às palavras de ordem, ou ao campo da comunicação direta, em que as conexões equivalem a zero, a arte é o campo da alta conectividade.
A produção de Edith Derdyk aciona inúmeras conexões, uma delas relacionada à idéia de desterritorialização: pensando ainda com Deleuze, os trabalhos da artista engendram territórios (entendidos como espaços de codificação) que, atravessados por linhas de fuga, ou conexões, se desterritorializam e voltam a engendrar territórios novos na mesma velocidade.
A dissolução de um território anterior está tanto, em um nível mais básico, na destruição material do trabalho como no salto de uma preocupação para outra. Primeiro a linha foi se avolumando, suturando a matéria, depois houve o salto para o vazio, para o mínimo denominador comum do desenho; em seguida, quando este processo se autonomizou em uma escultura móvel, um novo salto: para as conexões no mundo (livros, fios de eletricidade), e, finalmente, do nosso ponto de observação atual, o salto para o movimento de "Manhã".
Do preto ao branco não há apenas uma interrupção abrupta. Existe uma memória do fluxo ininterrupto de uma a outra ponta do espectro de cores. O vídeo "Folha Folha", que funcionaria como uma série de stills fotográficos, mas opta por não se materializar em obra, trata da impossibilidade de representar utilizando o discurso do "papel em branco" para isso. No backlight "Manhã", a impressão translúcida é substituída por resmas de papel opaco, que deixam transparecer fios de luz. São desterritorializações destes suportes tradicionais (o papel, o vídeo e a fotografia) que engendram novos possíveis.
Texto de Iván de la Nuez sobre o trabalho de Edith Derdyk
Texto produzido para a exposição de Edith Derdyk no Paço das Artes, São Paulo, 19 de novembro a 23 de dezembro de 2005
IVÁN DE LA NUEZ
O começo do século XXI descreve um impressionante e irrevogável sintoma urbano: a cidade abandona suas antigas funções - as funções da vida moderna - e começa a ser "outra coisa". Assim, a cidade, como espaço de congregação e trabalho, deu espaço à cidade como âmbito de atomização e de ócio (ou desemprego); o espaço, que até pouco tempo funcionou como fantasia de encontro e realização, se transforma em um âmbito de perda e fracasso; a cidade concreta perde seus contornos e dá lugar à cidade abstrata. Além disso, as cidades utópicas já não são úteis para imaginar a urbanização da cidade global.
O que se pode esperar da fotografia em uma transição como esta? A fotografia e a cidade nem sempre estiveram lado a lado. Esta relação existiu somente na era moderna. Porém, se a fotografia não pôde descrever a fundação da cidade - salvo raras exceções, como por exemplo, Brasília - ela se revela, em compensação, um suporte adequado para captar sua dissolução, sua transição para essa outra coisa que hoje seguimos chamando da mesma maneira pela falta de outro término que sem dúvida está para surgir. Essa cidade posterior e abstrata, abandonada a si mesma, é a cidade que mostra Sérgio Belinchón em suas grandes fotografias e vídeos.
Iván de la Nuez - Diretor de Palau de la Virreina, Barcelona
Arte pernambucana em festival espanhol, por Júlio Cavani
Linguagem - diretor: Kiko Nazareth
Arte pernambucana em festival espanhol
Matéria de Júlio Cavani, originalmente publicada no Diário de Pernambuco do dia 28 de outubro de 2005.
Artista Laura Lima foi outra brasileira selecionada, com o vídeo Linguagem
Três jovens artistas plásticos pernambucanos foram selecionados para o Loop 2005, festival de videoarte em Barcelona, na Espanha. Bruno Vieira teve dois trabalhos escolhidos, Ninguém está a salvo e Água-Viva. Amanda Melo participa com o vídeo Isolante e Karina Veloso apresenta Chocolate quente. O evento acontece de sete a 20 de novembro, com mais de 200 participantes de vários países. Os trabalhos são projetados em 140 telões espalhados pela cidade. Paralelamente, acontece uma feira de videoarte com representantes de galerias européias.
Isolante, obra que também ficou em segundo lugar no Prêmio Chamex de Arte Jovem (concurso nacional), é o registro de uma performance que Amanda fez em 2003, durante a SPA: Semana de Artes Visuais do Recife. Ela circulou pelas ruas do Bairro de São José com o corpo todo envolvido por fitas isolantes pretas. Neste momento, a artista está expondo dois novos vídeo no Recife, na Galeria Massangana da Fundação Joaquim Nabuco de Casa Forte.
Chocolate quente também é uma performance feita no SPA que se transformou em um vídeo, participando de festivais e eventos nacionais. Karina encheu uma banheira com chocolate derretido e depois mergulhou dentro do líquido. Ninguém está a salvo, de Bruno Vieira, foi filmado com uma web cam e mostra o artista fazendo um movimento lento e angustiante, envolvido em faixas brancas que lembram papel higiênico, com um silêncio perturbador. O outro vídeo selecionado, Água-Viva, é inédito no Recife. Os três pernambucanos têm menos de 30 anos de idade e iniciaram suas carreiras depois do ano 2000. A artista Laura Lima foi outra brasileira selecionada, com o vídeo Linguagem.
Rosângela en boucle por Hervé Gauville no Libération
Rosângela en boucle por Hervé Gauville no Libération
Matéria originalmente publicada no jornal Libération, Quotidien, em 10 de novembro de 2005, Paris.
Si tous les garçons s'appellent Patrick, toutes les filles s'appellent Rosângela. Pourvu qu'elles soient brésiliennes et acceptent le patronage de l'artiste Rosângela Rennó. Cette dernière a eu l'idée d'emprunter leur identité à des femmes prénommées Rosângela (il y en a autant au Brésil que de Marie en France) pour en faire un long métrage, Espelho Diário, au détour duquel elle apparaît en conteuse d'histoires. L'image est emplie de son monologue.
Celle-ci est projetée sur un double écran plié à angle obtus, comme un livre ouvert qui tiendrait droit sur sa tranche. Chacune des deux «pages» fait office, tantôt de miroir pour son vis-à-vis et tantôt d'anticipation pour le récit. Composé comme un agenda, le film fait défiler des faits divers ayant impliqué l'une ou l'autre de ces Rosângela. Kidnapping, attentat, accouchement, ragots, les thèmes les plus divers sont abordés d'une seule voix.
Assise, debout ou allongée dans une baignoire, l'artiste change de tenue ou de décor en fonction de la narration, se filme en très gros plan ou en pied, plein cadre. Mais elle parle toujours sur le même ton, quel que soit le registre. A force de ne pas jouer, de refuser d'interpréter des rôles successifs, elle finit par incarner ses personnages de manière beaucoup plus convaincante que si elle essayait de s'adapter à la variété des situations.
Très vite, le doute naît sur cette valse des identités. On ne sait plus qui parle ou, plutôt, pour mimer une posture post-soixante-huitarde, «d'où ça parle». Car les récits ne sont pas livrés bruts de décoffrage dans cette langue de chiens écrasés (Espelho Diário est la traduction de Daily Mirror) qui enfile les clichés sur les lieux communs. Ils ont au contraire été recomposés, triturés, arrangés, tant et si bien qu'ils introduisent un nouvel écart entre langage parlé et texte écrit.
Le public peut s'en délecter en s'installant confortablement dans de gros poufs en vrac devant les écrans. L'avachissement des corps spectateurs est propice à la saisie de l'image de ce corps multiple qu'est devenue Rosângela Rennó se métamorphosant sans cesse, telle qu'en elle-même le ressassement du quotidien la change. Ainsi se perçoit la fausse éternité d'un calendrier parcouru au fil de petits ou moins petits drames. Le film effeuille l'éphéméride du quotidien brésilien.
En quoi ce dernier diffère-t-il du quotidien parisien ? A priori, en rien. Sauf, au détour d'une anecdote, un nom propre (Ayrton Senna) ou une violence qu'on imaginait réservée aux favelas mais que les banlieues parisiennes connaissent à leur tour.
Sobre a exposição Espelho Diário de Rosângela Rennó, no Festival d'automne à Paris - Brésil, brésils, de 19 de outubro a 14 de novembro de 2005, Passage du Désir, 85-87, rue du Faubourg-Saint-Martin, 10e, Paris, 33-1-5345-1717.
novembro 7, 2005
Índices, Vestigios, Sinais, por Moacir dos Anjos
Texto produzido para a exposição de Marcone Moreira na Galeria Virgilio, de 11 de novembro a 3 de dezembro 2005
Índices, Vestigios, Sinais
MOACIR DOS ANJOS
Os trabalhos de Marcone Moreira sugerem, desde o primeiro contato com eles travado, o cruzamento de referências distintas. Para alguns, talvez chame mais a atenção os vários planos que o artista constrói, sobre superfícies diversas, por meio do avizinhamento de um conjunto reduzido de cores. Para outros, é possível que despertem mais interesse os materiais toscos (quase sempre madeira gasta, às vezes também nylon, papelão ou ferro) e as formas variadas dos suportes desses campos cromáticos, tecendo incertezas sobre a natureza do que apresenta preso à parede ou apoiado sobre o piso. Ao observador culto, pode também parecer que há, na conformação geométrica das formas pintadas, uma filiação à tradição construtivista brasileira, a qual ainda ecoa, de maneiras variadas, em parcela significativa da produção visual contemporânea do país. Àquele que desconhece a história daquele projeto artístico e ético, contudo, os trabalhos podem corretamente evocar, ainda que de modo impreciso, vestígios de padrões vernaculares usados na decoração de veículos, brinquedos e fachadas de casas.
Também a fatura dos trabalhos de Marcone Moreira propõe dúvidas, a quem deles se acerca, sobre sua origem. Embora as formas pintadas pudessem, em tese, ter sido todas criadas pelo artista, o exame cuidadoso de suas superfícies expõe os sinais (tinta descascada, buracos de prego e parafuso, sobras de ferragem, recortes conhecidos) de que foram outras mãos que de fato montaram e pintaram, há um tempo variável e incerto, aquilo que apresenta como seus trabalhos. Em vez da pintura, portanto, são procedimentos de apropriação e justaposição de objetos ou de partes deles (ainda que a partir de um olhar carregado de interesse sobre o que está neles pintado ou tingido) que orientam sua prática criativa. Permeando toda sua produção, em poucos trabalhos essa operação construtiva fica mais evidente, entretanto, do que naqueles em que faz uso de pedaços coloridos de nylon, comumente usados como encostos e assentos de cadeiras ou para confeccionar sacolas.
Ao transformar esses restos (de portas, caixotes, carrocerias de caminhão, embarcações, telhados, móveis e outros objetos) em coisas novas, Marcone Moreira afirma, ademais, a dupla importância que o lugar onde vive - a cidade de Marabá (Pará), bem ao norte do país - possui para sua produção. Por um lado, é desse lugar de intensa movimentação de pessoas e cargas (lá se cruzam dois rios, a rodovia Transamazônica e a ferrovia Carajás) que vem quase todo o material - descarte de coisas que não possuem mais a sua funcionalidade original - que o artista seleciona, secciona, agrupa e resignifica como coisa sua. Por outro lado, por ser confluência de rotas diversas e de referências simbólicas irredutíveis a outras quaisquer, a dinâmica urbana de Marabá pode ser tomada como metáfora dos procedimentos construtivos que usa. Na cidade, assim como em sua obra, não há espaços para definições precisas de pertencimento ou de identidade, requerendo, dos seus habitantes (dele inclusive), a realização de constantes traduções de sentidos, necessariamente fadadas à opacidade e, portanto, a um resultado sempre inconcluso e provisório.
A dificuldade em classificar os trabalhos de Marcone Moreira em categorias estáveis se reflete no diálogo ambíguo que eles estabelecem com a produção de dois outros artistas contemporâneos brasileiros. A uma primeira visada, os recortes de madeira que expõe remetem aos trabalhos do artista mineiro Celso Renato, o qual também se apropriava, já na década de 1960, de tapumes de madeira, sobras de construções ou pedaços de portas encontradas na rua para - ao contrário de Marcone Moreira, que apenas os escolhe e transporta para outro canto - fazer sobre eles pinturas de extração construtivista, adicionando-lhes, por acréscimo de pigmento, mais uma camada de significados. É inevitável, ainda, aproximar seus trabalhos das pinturas de Emmanuel Nassar, artista também paraense e que partilha, com Marcone Moreira, o interesse sobre o mesmo e impuro repertório visual da região onde moram. Diferem os dois artistas, contudo, em um procedimento construtivo básico: enquanto Emmanuel Nassar se apropria, no mais das vezes, apenas das imagens achadas, refazendo-as sobre suportes variados (às vezes de modo íntegro, outras vezes modificando-as), Marcone Moreira se apropria, adicionalmente, do suporte físico (madeira, nylon ou qualquer coisa mais) onde estão as imagens - antes dispersas em qualquer parte - que o atraem.
Diante de um conjunto de seus trabalhos, pouco se pode dizer, portanto, de modo definitivo. Esta imprecisão não resulta, porém, de deficiências conceituais ou de indecisões construtivas; emerge deles, ao contrário, como constitutiva de sua integridade: sem optar por ser pintura ou objeto e movendo-se entre referências eruditas e populares, apropria-se do que está já no mundo sem reivindicar, entretanto, autoria exclusiva do que resulta de seu gesto. Traz, por fim, para um tempo e um lugar preciso (o momento de cada exposição e o lugar do campo da arte), indícios de um tempo não sabido ao certo e de lugares que são só passagem.
Guy Amado entrevista Osmar Pinheiro
Texto produzido para a exposição de Osmar Pinheiro na Galeria Virgilio, de 11 de novembro a 3 de dezembro 2005
Guy Amado entrevista Osmar Pinheiro
GA: Um ponto que me parece interessante pra "entrar" nesses teus trabalhos recentes é uma certa dificuldade em abordá-los como pertencentes ao domínio da figuração ou da abstração em termos absolutos, parecendo os mesmos mais inclinados a habitar uma espécie de "limbo" ou universo intermediário. Assim, gostaria que você discerrasse um pouco sobre essa característica meio ambivalente de sua fatura atual, esta incorporação da imagem à pintura e sua relação com um esquema compositivo em que se sobressai uma forte orientação construtiva [ainda que esta não me pareça pautada por qualquer "racionalismo" mais ortodoxo], mediada ainda pela presença de um elemento gráfico que evoca uma linha de procedimentos próximo ao registro pop.
Outro aspecto que chama a atenção nessa tua produção recente é a emergência da imagem em suas composições - aplicada diretamente sobre a tela ou não - e não raro trabalhada num registro "velado", que me parece se articular menos a um discurso da representação que ao de uma instância evocativa, da ordem de um residual. Como você vê a introdução desta imagem em sua pintura e em que medida ela se articula com as questões que lhe são caras na fatura pictórica - no momento e de um modo mais geral? E ainda, pensando em termos um tanto rebaixados, em que medida ou grau "hierárquico" ela [imagem] vem à tona nestes trabalhos?
OP: Nunca incorporei a idéia de uma pintura "pura", se pensada do ponto de vista adotado por Clement Greenberg, como uma questão que encontrasse eco em minha demanda interna, o que me libera de algumas questões acadêmicas da modernidade. Me interesso por certo campo de investigação sobre o sentido do ato de pintar, como questão subjetiva e ao mesmo tempo, como lugar histórico determinado. Desse modo, não estabeleço hierarquias que apontem para um "progresso" da arte e separem Matisse de Duchamp ou Rothko de Andy Warhol; existe, é claro, uma diversidade temporal do olhar, e na outra margem, opostos absolutos, campos distintos e exclusivos.
Não creio, por outro lado, que a subjetividade seja o deus do materialismo, mas ao mesmo tempo recuso estratégias publicitárias de inserção no sistema de arte como subproduto cínico da pop art.
Há aqui uma chave dialética sobre a qual tenho buscado construir um recorte. Tenho usado imagens da Belém dos anos do boom do ciclo da borracha [talvez fornecer um parâmetro temporal aproximado] como leit motiv, referente do desejo, para testar um jogo de relações onde seja possível reconfigurar a memória afetiva no horizonte material de uma temporalidade sem passado. Uso também imagens dos ambientes com os quais convivo no cotidiano. Busco "desencarnar" essas imagens, em seu limite de representação. Daí o uso deliberado da grade construtiva como andaime de um lugar provisório e indeterminado, mas principalmente como índice de um ordenamento de natureza mais analítica. Creio afinal que se trata de um ready-made comentado a partir da tradição da pintura.
GA: A questão da imagem se afiguraria então como imbuída de um dado em alguma medida afetivo, mas articulando sobretudo um tensionamento entre a noção de residual - em seu caráter evocativo - e uma instância de ordem representacional? Já sob o ponto de vista formal essa mesma imagem parece aflorar como um elemento compositivo...
OP: Penso que o dado afetivo está certamente filtrado no jogo de mediações, que partem do que me leva num dado momento a escolher esta imagem e não outra. Entretanto algumas imagens fortemente mobilizadoras em termos afetivos simplesmente não servem, é melhor tê-las no porta-retrato. (risos)
Há uma especificidade de linguagem que é própria do meio técnico da fotografia. Trato de arrancar da imagem fotográfica o que há de pictórico e me socorro da tradição da pintura. Daí a percepção que você teve acertadamente da questão compositiva.
Sobre a tensão a que você se refere, entre resíduo e representação, trata-se de uma operação de deslocamento do esquema representacional, de uma certa subtração dos elementos que determinam a percepção da imagem como tal. Você pode observar que muitos dos planos de cor carregam um "rumor" que vem da imagem, uma espécie de subtração completada. Lembro das caixas de Tony Smith e desse algo que não é dado a ver, que repousa num vazio interno e no entanto latente.
GA: Percebo como dado recorrente no que pude conhecer de sua trajetória um forte grau de compromisso não somente para com a fatura mas com a tradição pictórica, posição que você mesmo já enunciou nos termos de "uma prática mediada por um questionamento sobre a natureza mesma do processo e ainda assim permanecendo no que é próprio da pintura". Trata-se de uma linguagem que se afirma calçada na experiência do olhar; e sua produção dos últimos anos me parece especialmente envolta por esta premissa, como se um aspecto subjacente mesmo à obra. Em que medida você vê seu trabalho como potencializando esta experiência perceptiva, no sentido de propiciar mecanismos que aproximem o olhar de sua, digamos, essência?
OP: Não creio na evolução da arte como evolução de meios técnicos. De resto não creio na noção de evolução em arte. Como disse anteriormente, estou interessado em atribuir sentido à minha prática como pintor, e isso impõe um aprofundamento da experiência perceptiva, no sentido de propiciar mecanismos que afastem o olhar de meu, digamos, desencanto.
Osmar Pinheiro: pinturas 2005 - Teoremas e fabulações do espaço pictórico, por Virginia Aita
Texto produzido para a exposição de Osmar Pinheiro na Galeria Virgilio, de 11 de novembro a 3 de dezembro 2005
Osmar Pinheiro: pinturas 2005 - Teoremas e fabulações do espaço pictórico
VIRGINIA AITA
"Visto que não há nada como correção e verdade absolutas, nós sempre buscamos o artifício/artificial, que conduz à verdade humana" Gerhardt Richter ("Notes, 1962". Daily Practice:15)
Detour. Nessa série de pinturas produzidas entre 2004 e 2005, há um significativo deslocamento de ênfase para uma certa narratividade ou fabulação do espaço pictórico que passa a incorporar fragmentos imagéticos e recortes fotográficos, em que o caráter factício e artificial de imagens arbitrariamente encontradas, ou mesmo compostas, define sua estratégia. Não é tanto invocação da memória impressa, registro documental ou sua carga nostálgica, mas antes a consciência mesma dessas imagens como perda, como um apagamento do real - imagens etéreas que subsistem como vestígio, rastro de uma presença.
Tisseron considera que "Toda a fotografia se apresenta como instantaneidade numa dinâmica artificialmente interrompida, à qual o espectador é chamado a intervir restituindo seu passado e seu futuro. É esta a característica que confere à imagem um estatuto específico de memória". Em outra passagem em que fala do luto e da negação implícitos na imagem fotográfica, insiste, "A fotografia não é mais escolhida como uma representação do desaparecido, mas sim como uma substituição à sua ausência. Ela transforma-se numa verdadeira relíquia". Esse recorte, ou uso peculiar que o artista faz de uma iconografia fotográfica como um dado, imagens readymade, que então vertidas e incorporadas na superfície pictórica transferem-lhe toda a sua carga de sentido, define esse desvio. Pois se a reflexividade da pintura, faz do próprio medium seu contéudo/objeto, a positividade do suporte, do plano, do pigmento, e do gesto nem por isso anula conotações e configurações que carregam de outros códigos e das media circunvizinhas, que aqui transpostos se sobrepõem e interagem numa operação recíproca. O plano absorve, por similaridade, tudo que gravita em sua órbita, como uma transubstanciação no corpo da pintura.
Métrica e Fabulações. Mas é sobretudo a oscilação que esta pintura problematiza, o arco que se estende da apresentação à representação, da planaridade à figura, tensão crítica entre a materialidade do suporte, do quadro como fragmento do espaço infinito, e a ambigüidade do jogo de imagens que acessa a ilusão, extravasando a forma. Isso se acentua no contraponto daquele outro conjunto de pinturas anterior (2003) em que as superfícies metodicamente geradas a partir da justaposição de faixas/listras metalizadas, calculadamente se sobrepõem, mas incidentalmente desbordam e rasuram-se insinuando nesse pequeno des-arranjo novas configurações. Aí uma aparente afinidade construtiva com a arte Op ou Minimal, é cautelosamente subvertida por um expressionismo residual na variação da luminosidade do cinza metálico, desde o branco até ao negro, projetando-se na pele espessa e tátil da encáustica.
Grade/Grid e paisagens. Já nessas últimas pinturas um romantiscismo destilado (Expressionismo analítico) anima esse arranjo instável de planos e imagens em suspensão (Aufhebung). Por vezes o aspecto de reboco exposto, seções de paredes, detalhes de construções, recortes arquitetônicos, fragmentos modulados que se fundem a paisagens incógnitas. É eloqüente o modo como o artista declara nessas telas a materialidade do plano, na diversidade de suas texturas foscas ou translúcidas, na fluidez e densidade do pigmento fundido à cera. A encáustica cria envólucros, películas que reduplicam a superfície e matizam a luminosidade. Acentua o contorno do suporte, enquadra uma superfície/volume. Mas em meio a essa profusão de gestos pictóricos, mais próximos do tátil que da ilusão ótica, a grade/grid subjaz como dispositivo organizador da superfície, mais ou menos regular, declinada em faixas, planos e recortes justapostos. Os cinzas-mate e o efeito de veladuras opalescentes, reforçam uma materialidade áspera apenas tensionada por notas cromáticas. Incidentalmente, contrastam com o contorno de imagens, estas mais vultos que figuras.
Esse duplo aspecto ou ambivalência da pintura apenas desdobra suas próprias contradições. Aqui o mesmo plano, a mesma grade/grid que declarando a autonomia da pintura configura a ordem espaço-temporal, que anunciava "uma vontade de silêncio por parte da arte moderna, sua hostilidade à literatura, à narrativa, ao discurso", visto que a planaridade eliminava as dimensões do real na extensão de uma superfície única, por outro lado, em permanente oscilação, incorpora conteúdos simbólicos, e assim alusão, ilusão, e ficção aderem às superfícies.
A percepção que nos serve de guia não nos dá verdades como a geometria, mas presenças, que enfeixam uma multiplicidade de aspectos, texturas cambiantes. A diversidade de sentidos das relações de espaço e tempo na arte, leva Krauss a concluir que "embora a grade certamente não seja uma história, pois ela é uma estrutura, ainda é uma que permite à contradição existente entre os valores da ciência [materialismo] e aqueles do espiritualismo manter-se na consciência do modernismo, ou antes sua inconsciência, como algo reprimido" . Nesse trabalho de Osmar são as histórias, o portfólio da memória, pulsões e emoções arquivadas que se infiltram, um excesso de sentido que permanece incontido, invocando imagens.
Bricolagem. Essa modulação de superfícies, em justaposição de recortes, sobreposição e deslizamento de camadas, é ao mesmo tempo afirmada e suspensa, deixando entrever imagens que se condensam - fragmentos irreconhecíveis, quase tromp l'oeil. Trazida para o primeiro plano, a superfície estética é concreta, bricolagem de elementos arquiteturais, o plano é tangível, tátil, a obra é primeiro percebida como pura pintura. No entanto, num lapso do olhar a ilusão se infiltra e contamina a forma modelando signos: dessa oscilação que sua pintura se nutre. Sem nunca se resolver numa unidade, nem estrutural nem decorativa, subsiste como agregado, como um todo dissonante. O modo de composição reedita o enquadramento/corte fotográfico, segmenta o espaço contínuo, real numa espécie de retícula, partes de objetos, recortes de paisagens, cenário esquadrinhado. Mimetiza o olhar urbano, fragmentário, cenas em trânsito, fotogramas de um filme.
Contaminação e dissonâncias. A contaminação das diversas media, pela sobreposição de códigos e transposições de sistemas de significações, interlocução reiterada das práticas contemporâneas, parece irrevogável. É nessa espécie de fricção das diversas medias, que a pintura, lado a lado com performances, vídeos, fotografias, earthworks, obras conceituais, etc., produzem o novo cenário em que as relações são antes de comunidade recíproca que de subordinação ou exclusão. Contemporâneo, não mais sujeito às injunções do formalismo abstrato ou matérico, o artista reconhece um "imenso menu" de escolhas artísticas a seu dispor, sabendo transpor sintaxes de um medium a outro. Intelectualmente inquieto, interpela a contemporaneidade, literalmente "tomado" pelas questões críticas e pulsionais que esse cenário desencadeia. Passa pela obra de Sigmar Polke, sua influência Pop na variedade de técnicas e apropriações (não posso deixar de lembrar o quadro "Die Ruine"1994), e Gerhardt Richter pela deliberada e irônica manipulação de estilos e suas fotografias pintadas (readymade fotográficos), suas paisagens românticas diáfanas e suas extravagâncias pictóricas (raspagens e empastos) nas suas pinturas abstratas.
Imagens readymade Como sugere Arthur Danto, talvez a atitude mais característica da arte contemporânea, pós histórica, em boa parte produto do experimentalismo prodigioso das décadas de sessenta e setenta, e do avant-garde de séc. XX, parece ser a apropriação de imagens - imagens readymade, cuja identidade e significado estabelecidos, uma vez deslocados e impregnados de conotações, são transfigurados numa nova identidade.
Com efeito, a radicalização do conceito de readymade sob condições históricas diversas, se dá como negação dialética da formulação original, atualizando essa estratégia em modos singulares como em Emma e outras fotografias pintadas de Gerhardt Richter, em que empenha-se em reafirmar a atualidade do readymade através do medium da pintura. Buchloh supõe assim que o conceito do readymade, a iconografia da fotografia, e a prática da pintura formam os três constituintes básicos da pintura de Richter - com suas conexões dialeticamente contraditórias (portanto reconciliáveis) e sua unidade geral. Mas além dessas contextualizações históricas é antes um fato curioso que nos dá a pista para a leitura desse novo trabalho de Osmar. Duchamp em 1917, depara-se com um pequeno anúncio numa placa esmaltada da marca de tinta Sapolin, que ele repintou, alterou a legenda e inseriu comentários sarcásticos transformando-o no readymade "Apolinère Esmaltado". Inadvertidamente, ouço o artista comentar - "meu pequeno Apolinère" referindo-se a uma de suas últimas telas com impressões fotográficas. Confirma-se minha suspeita de uma estratégia readymade, em que as fotografias entram como um dado, um núcleo compositivo/matriz formal que se funde e desdobra no plano transmutando-se em pintura.
Tisseron, Serge. Le Mystére de la Chambre Claire. Paris: Belle Lettre, 1996
novembro 4, 2005
Curso de arte da UERGS fecha!
Curso de arte da UERGS fecha!
Reitor da UERGS fecha cursos de artes na unidade de Montenegro
Na última sexta-feira, dia 28 de outubro, os professores dos cursos de graduação em artes da FUNDARTE/UERGS, instalados na unidade da UERGS na cidade de Montenegro, foram surpreendidos pela noticia do cancelamento dos concursos vestibulares para ingresso nos cursos de artes visuais e teatro.
Este fato mostra que existe um abismo entre o discurso e a prática, entre a palavra empenhada publicamente e as ações realizadas na reserva dos gabinetes, que é a marca característica da reitoria da UERGS.
"Ao garantir o fortalecimento da instituição, Boeira anuncia que os cursos em andamento serão mantidos sem modificações" (Jornal Correio do Povo, 11/08/2003. p. 10.)
Esta declaração dada em 2003 foi recentemente reiterada em entrevista concedida pelo Sr. Reitor Nelson Boeira ao Jornal Ibiá de Montenegro no dia 23 de julho de 2005, na página 8, após declarar-se a favor da permanência da unidade da UERGS naquela cidade, o Reitor respondeu à pergunta específica sobre a manutenção dos cursos da seguinte forma:
"Nessa administração sim, mas o que se fará nas próximas administrações, no futuro, não posso responder por elas."
Isto nos leva a pensar: será que o Sr. Reitor já não ocupa mais este cargo? Ou ele simplesmente faltou com a palavra? Porque afirmar uma coisa e fazer o oposto?
O espanto e a indignação com o fechamento súbito e inesperado dos cursos se tornam maiores considerando as inúmeras declarações dadas pela reitoria sobre a alta qualidade destes cursos em questão, como a que está presente em matéria publicada em 5 de agosto de 2003, na página 10 do mesmo jornal, onde Boeira diz que "Todas as informações recebidas sobre os cursos daqui também têm sido sistematicamente positivas. Há unanimidade a respeito do valor das atividades realizadas aqui".
Excluindo-se desta unanimidade, e discordando dela, a reitoria está desconsiderando os pareceres altamente positivos obtidos pelo curso por parte das comissões de avaliação estaduais e nacionais que o visitaram este ano com a finalidade da aprovação não apenas do curso, mas da própria Universidade. E este é outro ponto em que a atitude da reitoria surpreende e causa repúdio nos professores. A qualificação destes profissionais, do ponto de vista dos seus currículos profissionais, acadêmicos, e da sua titulação, que serviu para ajudar a garantir a aprovação e o credenciamento da UERGS, junto aos conselhos estadual e federal de educação, foi simplesmente desconsiderada e ignorada no ato do fechamento dos cursos.
O argumento utilizado pela reitoria para o fechamento dos cursos, de que já existe muita oferta de cursos de graduação em teatro e em artes visuais no nosso estado contradiz a opinião do próprio vice-governador Antônio Hohfeldt, segundo quem a FUNDARTE ministra um curso "que não cria competição com as outras universidades" (Jornal Fato Novo, Montenegro, 12/05/2003. p. 2). Os cursos de graduação em artes do convênio UERGS/FUNDARTE oferecidos em Montenegro promovem uma formação diferenciada voltada para uma realidade do mundo do trabalho em arte e que, por isso, ao preparar um profissional que é, ao mesmo tempo, professor e artista, traz inovações em relação à formação oferecida pelos cursos das universidades federais ou particulares. Aliás, segundo a opinião emitida pela integrante do Conselho Federal de Educação, Profa. Maria Beatriz Moreira Beluce, durante uma audiência pública realizada na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul no dia de 23 de agosto de 2005, a proposta do curso não só é inovadora como também corresponde perfeitamente ao modelo ideal de currículo que o Ministério da Educação pretende implementar no país inteiro nos anos vindouros.
Além disso, a atitude autoritária da reitoria, ao encerrar os concursos vestibulares, o que fatalmente leva ao fechamento dos cursos, contradiz o próprio estatuto da universidade, redigido e aprovado por esta mesma reitoria, que diz serem objetivos da UERGS: incentivar o desenvolvimento das ciências, das letras e das artes; " (trecho do estatuto publicado no jornal Zero Hora em 17 de julho de 2003, p. 36).
Embora os cursos de graduação em artes atendam alunos de diversas cidades do estado, e mesmo da capital de Porto Alegre, cabe à comunidade de Montenegro e da região do Caí, que se mobilizou e lutou para conseguir implementar a unidade de Montenegro, e que é a mais diretamente beneficiada pelos frutos do trabalho realizado pelos cursos e pelo desenvolvimento cultural e econômico gerado pela presença dos alunos inscritos neles, mobilizar-se e lutar pela manutenção destes cursos.
Esta comunidade deve manifestar a sua indignação com as inverdades e incoerências do discurso e da prática do Reitor Boeira que, na citada entrevista concedida ao Jornal Ibiá do dia 23 de julho compara a quantidade de 12 cursos oferecidos pela UFRGS com a quantidade de 35 turmas oferecidas pela UERGS (posto que cada curso da UFRGS tem dezenas de turmas, o que multiplica o seu número de turmas). Além disso. O reitor omite o fato de que este ano apenas 25% do valor acertado no convênio foi repassado à unidade de Montenegro, repasse este que nunca foi feito em dia. Em matéria publicada recentemente no Caderno Vestibular da Zero Hora o reitor dá a entender que a unidade de Montenegro gasta 100% a mais do que os demais cursos oferecidos pela universidade, mas omite o fato de que este valor é, na verdade, dividido entre os quatro cursos oferecidos na FUNDARTE.
Que motivos levam a reitoria a afirmar uma coisa e fazer outra? Como confiar em quem não cumpre com a palavra empenhada? Sabendo que o cargo de reitor da UERGS é um cargo de confiança determinado pelo governador do estado - por não haver um corpo efetivo de funcionários e de professores que poderiam eleger uma reitoria legítima e autônoma, uma vez que os respectivos concursos públicos nunca forma realizados - o que esperar de pessoas que lidam com tanta irresponsabilidade com a coisa pública, declarando publicamente meias-verdades e inverdades e agindo na contramão do desenvolvimento cultural, social e econômico do estado? São questões como estas que o caso do fechamento dos cursos trazem à tona.
Maiores informações:
João Carlos Machado - (51) 3632 7259
Eduarda Gonçalves - 3649 5849
Gilberto Icle - 99186262
Enviado por iapin iapin@ufrgs.br