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abril 20, 2005
Sem a ternura precisar morrer... arranque a etiqueta de sua roupa por Marcos Hill
Sem a ternura precisar morrer... arranque a etiqueta de sua roupa
MARCOS HILL
O convite para escrever sobre a atividade artística do grupo PORO veio matizar a suspeita de não existir mais tempo para se viver com alegria.
Tais estados de desesperança têm sido, muitas vezes, inevitáveis na medida em que, imersos na massa globalizada de informações circulantes, mesmo involuntariamente compartilhamos as experiências menos felizes de outros humanos espalhados pelo planeta.
A natureza das propostas do PORO me aproximou de realidades outras, ainda pouco conhecidas. Apesar de procurar me manter atento a essa contemporaneidade, alguns detalhes me escapavam sobre o ressurgimento de uma arte política e de articulação à margem do sistema das artes.
A partir da generosidade intrínseca ao grupo, pude me atualizar com relação à existência de um universo paralelo muito interessante, definido por vários coletivos que, contando com a agilidade de trocas favorecidas pelo cyberespaço, têm revitalizado com vigor perspectivas utópicas no combate ao egoísmo sistêmico, característico do capitalismo atual.
Entre os exemplos notáveis está o PIA - Projeto de Interferência Ambiental (pia55@yahoogrupos.com.br) criado por estudantes de arte para aglutinar estudantes e outros interessados em arte em torno de ações urbanas, sites specifics e outros tipos de informação, motivados pelo objetivo da troca.
Com a presente exposição, PORO completa três anos de existência. Trata-se de uma associação de afetos e empatias que hoje conta com a participação de Marcelo Terça-Nada, Brígida Campbell e, a nova integrante, Silvia Amelia.
As motivações principais do grupo giram em torno de intervenções urbanas, questionamentos sobre autoria e produção coletiva, visando ações que desejam relativizar o peso legitimador de interfaces institucionais da cultura e da arte. Autonomia e liberdade para a reinvenção de novos sentidos de mundo são pontos focais importantes.
Os conteúdos de suas discussões comprovam a seriedade do engajamento reconhecidamente beneficiado pela acessibilidade aos meios de comunicação globalizados e não-corporativos. Em seu site www.poro.redezero.org, PORO busca veicular imagens e conteúdos de suas atuações.
Nesse contexto, o espírito a ser destacado é o da alegria. Estado consciente que vem transmutando a memória revolucionária de décadas como a dos anos 1960 e 1970, fazendo vigorar o tão conhecido conselho de, sobre tudo, não perder a ternura.
A consciência propiciada pela aproximação com o grupo PORO estimulou-me especulações sobre o compromisso ético com o presente, espaço e tempo reais da vida ordinária. Às vezes, minha maturidade já um pouco carrancuda não me deixa esquecer de que vivemos diluídos em ambientes delicados cujas fragilidades são causa e efeito de brutalidades praticadas através de idéias, vontades ou atos. Me preocupo com a submissão inevitável às formas de controle cada vez mais eficientes que determinam socialmente nossos ambientes informatizados.
Sabemos sobre o controle perpetuado artificialmente por sistemas de dominação. Estendendo-se sobre a superfície do planeta, eles operam estratégias espetacularizantes geridas por senhores que desaparecem por trás do véu tecnológico do aparelho ambiguamente produtivo do progresso científico. Por uma questão de sobrevivência, não podemos esquecer que tais senhores controlam o mundo, escondendo o preço humano e material dos benefícios e do conforto concedidos a quem colabora.
Basta evocar a responsabilidade da mega multinacional Monsanto na disseminação dos transgênicos pelo mundo; multinacional que, já em 2005, controla 70% do mercado internacional de sementes. A respeito disto, PORO criou, em 2004, o trabalho Imagine...um mundo onde as sementes já nascem mortas...Este mundo é patrocinado pela Mon$anto. O texto foi impresso em português e inglês sobre camisetas distribuídas no Fórum Mundial desse mesmo ano.
Outro exemplo do controle quase invisível é a sub-reptícia participação da corporação multinacional Bechtel Group na invasão do Iraque. É importante lembrar que as "autoridades" raramente são forçadas a justificar seu domínio.
Enquanto isso, homens, mulheres e crianças lutam com os mais primitivos instrumentos contra a máquina mais brutal e destruidora de todos os tempos. Humilhações impostas por soldados norte-americanos e ingleses a prisioneiros iraquianos não conseguirão justificar o discurso de defesa da democracia e da liberdade proferidos por seus líderes!
Sem perder a ternura, PORO espalhou, entre 2003 e 2004, Imagem e Cor, afixando adesivos fluorescentes em paisagens urbanas abandonadas, descoloridas. Bem no centro dos adesivos aparecem as palavras COR e IMAGEM. Na deriva pelo abandono de inúmeros espaços cegos da cidade, o grupo apropria-se do ordinário e, anonimamente o transforma.
Quem terá visto essa intervenção quase silenciosa? O que terá pensado sobre cor e imagem em meio ao stress cotidiano das dívidas e da sobrevivência? O importante é perceber como o grupo realimenta-se destas inúmeras possibilidades improváveis, ampliando sua capacidade poética de desviar o enfadonho ritmo do dia-a-dia anonimamente. Através da natureza desviante de estímulos inusitados, PORO inventa oportunidades aleatórias que ampliam a sensorialidade.
O corpo contra "a máquina" - não contra o mecanismo construído para tornar a vida mais segura e benigna, para atenuar a crueldade da natureza; contra a máquina que sobrepujou o mecanismo: a máquina política, a máquina dos grandes negócios, a máquina cultural e educacional que fundiu benesses e maldições num todo racional. 1
Este "contra" assume outras dimensões no contexto mediatizado em que o grupo PORO atua. Seu posicionamento crítico diferenciado me remete, mais uma vez, à revolucionária década de 1960, quando o filósofo alemão Herbert Marcuse já afirmava não haver razão "para que a ciência, a tecnologia e o dinheiro não repitam a tarefa de destruição e, depois, executem a tarefa de reconstrução à sua própria imagem e semelhança" 2.
Com surpreendente clarividência, Marcuse foi, em seu tempo, um digno representante daqueles que se recusam a fazer o jogo. A Palestina, o Vietnam, a Nicarágua e, mais recentemente, a Bósnia, o Afeganistão e o Iraque são provas históricas de um futuro programado imposto à força.
Enquanto massa organizada e manipulada que somos, lidamos com sutis estratagemas de especulação financeira e política, definidos por presenças imperceptíveis. E as adjetivações se sucedem: são microfísicas, operações tipo micróbio, produções ocultas garantidas por tecnologias silenciosas, proliferando nas estruturas tecnocratas; desviando seu funcionamento através de uma multiplicidade de táticas articuladas nos detalhes da vida cotidiana.
Apropriando-se da mesma sutileza, PORO revisitou Cildo Meireles, carimbando as iniciais FMI em notas de um real. Com as palavras FOME E MISÉRIA INTERNACIONAL circundando estas iniciais, a inserção em circuitos ideológicos se completa.
Ao olhar mais de perto o que PORO está fazendo, reconheço a atividade de andarilhos urbanos cujas propostas visuais vêm de encontro à defesa da vida. Em outra obra de 2004, Uma cidade sustentável é uma cidade...diversa, justa, ecológica, policêntrica, criativa, isso fica claro. Ou no Jardim, onde flores de papel-celofane vermelho são plantadas em canteiros abandonados e depois, fotografadas.
A intenção de conectar fluxos urbanos amorfos com textos colados aleatoriamente sobre as paredes das ruas ou com flores de papel que modificam a paisagem provoca novas compreensões sobre a necessidade de se confrontar com a produção e consumo do supérfluo, dos novos inventos, do obsoletismo planejado e dos meios de destruição, estabelecendo pontos de contato com pessoas que não têm nada a ver com arte.
Percebo que tanto a ligação com circuitos alternativos quanto o trabalho na rua desde 2001, propiciaram maturidade aos artistas do grupo. Na ação Setas (2002), anterior à formação de PORO, a busca de novas interfaces expressivas já indicava uma necessidade "biológica" de liberdade. Setas grafitadas em vermelho apontam para plantinhas que nascem em meio ao concreto urbano.
Segundo o filósofo Marcuse, "Por natureza, a juventude está na primeira linha dos que vivem e lutam por Eros contra a Morte e contra uma civilização que se esforça para encurtar o 'atalho para a morte', embora controlando os meios capazes de alongar esse percurso." 3
Ressonâncias de Setas foram encontradas na África do Sul, através do pensamento urbanista defendido pelo arquiteto Doung Jahangeer que, ao me mostrar recentemente a cidade de Durban, indicou os mesmos pequenos espaços explicitados por Setas, afirmando que "a beleza começa a se desenvolver a partir de imperceptíveis espaços entre as coisas".
Desde a experiência sulafricana, pude constatar que pairam sobre o mundo necessidades libertárias de solidariedade com todos os infelizes da Terra; uma solidariedade quase instintiva, impulsiva ativação de necessidades "orgânicas", que normalmente se encontram reprimidas ou suspensas; necessidades de fazer do corpo humano um instrumento de prazer e não de labuta.
Engendrar formas clandestinas assumidas pela criatividade dispersa, tática e alterada dos grupos e indivíduos que já reconhecem sua inevitável inserção nas redes disciplinares do aparato produtivo 4 me parece ser uma das mais importantes estratégias compartilhadas entre PORO e as redes de coletivos com as quais o grupo se comunica.
Desde Seatle e Gênova, uma nova dinâmica de politização se disseminou pelas gerações mais jovens. Em poucos anos, começaram a pipocar coletivos de artistas pelas principais capitais brasileiras, problematizando a realidade social e cultural da região onde estão sediados. PORO se inclui nesta lista.
Segundo o artista plástico Edson Barrus, um dos principais catalizadores dessa geração, há um desejo de "práticas que liberem nosso poder e que transformem nossas vidas através do que criamos espontaneamente e sem nenhuma idéia do resultado...", permitindo "...algo que possa ser discutido, mas nunca entendido pelo olho treinado e controlador; algo sem potencial comercial, mas de valor além de seu preço, que dependa da situação e não do estilo ou conteúdo." 5
Relativizo a opinião de um curador famoso que, ao ser entrevistado sobre esse novo momento do contexto artístico brasileiro, afirmou que "dificilmente essas alternativas substituirão a objetividade do mercado e do circuito de arte, mas os melhores artistas desses grupos têm por destino um lugar certo nas instituições, que agora, tanto criticam." 6
Penso que essa afirmação desvia de modo um pouco oportunista o foco de questões mais necessárias para a constatação da importância de tais atuações. Não me parece que em algum momento, as alternativas desacreditadas tenham pretendido substituir a objetividade do circuito e do mercado de arte. Pelo contrário, reconhecendo sua rigidez peculiar e usando-a como referência, as novas estratégias artísticas se estabeleceram.
Do mesmo modo, não consta que os jovens artistas envolvidos nesse processo sejam tão ingênuos a ponto de não perceberem sua involuntária inserção nas redes disciplinares do aparato produtivo, mesmo que este os exclua. Por isso, me parece um pouco cínico afirmar como destino dos melhores artistas um lugar certos nas instituições criticadas. Certamente, atuar junto às instituições não caracteriza nenhum conflito para esses jovens.
E, confrontar não significa negar ou destruir, nem se eximir. Ao contrário, os resultados que depreendo das múltiplas iniciativas, demonstrando vontade de inserção na vida e de transformação do vigente, indicam uma necessidade de compreensão da natureza do mundo ao redor.
Trata-se da tomada de consciência sobre o desejo e a responsabilidade de fornecer novos modelos de significação produzidos ativamente e não passivamente (institucionalmente).
Possivelmente, a conseqüente problematização dos valores e dos critérios de qualidade cristalizados pelo circuito pareça uma ameaça aos olhos treinados de quem, hoje, o controla. Humana demasiadamente humana é a pulsão reacionária de qualquer poder estabelecido.
Reconhecendo como vitais as provocações propostas pela recente sociabilidade possível entre subjetividades convergentes, prefiro finalizar esse texto sobre a produção artística do grupo PORO, com uma passagem do comentário crítico que Jonathan Rée faz sobre o pensamento de Heidegger, referência que supera qualquer miopia inerente a conflitos entre classes e gerações:
"Heidegger irá agora discorrer longamente sobre como o autêntico ser-com-outros degenera em mero 'ser-entre-outros' (Untereinandersein), e, assim, em inautenticidade (Uneigentlichkeit). Inautenticidade é o que sucede quando não 'possuímos' a nós mesmos - quando negligenciamos a peculiaridade de nossa existência como intérpretes do mundo, isto é, como Daseins, e tratamo-nos como se fôssemos apenas mais uma das entidades à-mão ou simples-existências com que deparamos no curso de nossa experiência. A inautenticidade surge, em particular, quando nos entendemos como eus cartesianos e vivemos nossas vidas quanto ao que Jean-Jacques Rousseau denominou amour-propre, olhando constantemente por sobre nossos ombros e comparando nossos 'eus' com os dos outros. Ficamos tomados pela idéia de estarmos à frente ou atrás, de sermos mais imponentes ou mais insignificantes, de sermos ou não mais elegantes que os outros, ou tão hábeis e experientes, ou tão jovens e belos. Em nossa ansiedade de nos distinguir dos demais tornamo-nos, porém, dependentes deles - não de alguém em particular, mas do outro em geral..." 7
Viva a convivialidade buscada por PORO e por outros grupos que desejam substituir a lógica da identidade (individual) pela lógica da identificação (coletiva) na vivência de um fazer artístico que procura por um modo mais interessante de existência!
Belo Horizonte, Abril de 2005.
Marcos Hill é professor de História da Arte nos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Belas Artes da UFMG. Vive e trabalha em Belo Horizonte.
1 MARCUSE, Herbert. Prefácio político. IN: ______. Eros e civilização. Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1999. P. 17.
2 Idem, ibdem, p.19.
3 Idem, ibdem, p.22.
4 CERTEAU, Michel de. General Introduction to the Practice of Everyday Life [1980]. IN: HIGHMORE, Ben (ed.). The Everyday Life Reader. London: Routeledge, 2002. pp. 63-75.
5 MONACHESI, Juliana. A explosão do a(r)tivismo.IN: Caderno MAIS, Folha de São Paulo, 6 de abril de 2003.
6 Idem, ibdem.
7 RÉE, Jonathan. Heidegger.História e Verdade em Ser e Tempo. São Paulo: UNESP, 2000. Pp.31.
Desvios e aproximações por Maria Angélica Melendi
Desvios e aproximações
MARIA ANGÉLICA MELENDI
Estou fazendo marcas negras sobre papel branco. Essas marcas são meus pensamentos e, mesmo não sabendo quem és nem quando estás lendo isto, de algum modo as linhas de nossas vidas se cruzam aqui, sobre este papel branco. Necessitamo-nos aqui, durante o tempo que duram estas breves frases. Não é acidental que estejas lendo isto. Estas palavras te esperavam.
Duane Michals
I. De uma parte alta da cidade são atirados vários rolos de papel. O vento os desfralda em curvas sinuosas. No caminho de casa observamos que, sobre o muro, uma fita fluorescente demarca limites entre superfícies descontínuas. Dentro da galeria de arte nos deparamos com a tampa de um bueiro de esgoto. Outra tampa aparece sobre a cerâmica do piso do banheiro, a nos lembrar que, debaixo dos nossos pés, estende-se, imensurável, um emaranhado de galerias, esgotos, encanamentos, fios condutores.
A legitimação dessas manifestações efêmeras radicaria numa instância sacrificial, através da ação realizada num momento, sem resto que se traduza numa ausência consentida de futuro 1. Estes procedimentos estariam a negar o pressuposto modernista do artista como herói e atualizariam o conceito do artista como "protagonista social" que teve seu auge entre 1960 e 1970. A ênfase na ação parece desprezar a criação de uma obra permanente e aponta para a substituição desta por um fato multiplicável ou um acontecimento transmissível.
O que permanecerá destes trabalhos daqui a vinte ou trinta anos? Camisetas com legendas já incompreensíveis, folhetos amarelados, vagas fotografias, recortes da imprensa, adesivos sem cola... Apenas registros, apenas souvenires. Nesses objetos, possíveis resíduos de obras, a arte sobreviveria apenas como a incerta equação de um instante, jamais um objeto pleno, nunca o resultado de um processo de sedimentação do pensamento estético ou da forma plástica.
É através dessas ações que os artistas do grupo Poro confrontam-se com o mundo e com sua cidade: interferindo, delicada ou incisivamente, no que eles têm de mais cotidiano, de mais ordinário, de mais rotineiro, de mais vulgar. Sua proposta consiste em tentar abrir, nessa dimensão concreta e unidimensional, pequenas trilhas que permitam escoar e dissolver o insuportável peso de um presente cada vez mais opaco e cada vez mais complexo.
II. Se considerarmos que existe uma arte conceitual internacional, será necessário apontar para uma inversão estratégica desse modelo na América Latina. Essa inversão exporia os mecanismos de repressão e controle e provocaria rupturas no estatuto de uma identidade latino-americana renegociada ao longo do eixo centro-periferia.
A arte latino-americana sempre optou pela apropriação do objeto como veículo privilegiado na construção de sentidos em oposição a um segmento importante do conceitualismo norte-americano que, ancorado numa pesquisa sobre a linguagem, prescindiu dos objetos e os substituiu por proposições lingüísticas.
Em Inserções em circuitos ideológicos, 1970, o trabalho paradigmático de Cildo Meireles, o objeto, retirado do seu contexto, é suplementado por uma proposição e reconduzido outra vez ao seu lugar originário. O Projeto Cédula, convidava a quem manuseasse dinheiro, a deixar informações ou críticas nele. Em plena ditadura militar, Meireles utilizava um carimbo para inscrever nas cédulas frases como:
Quem matou Herzog?
Yanques, go home! 2
Como quem começa uma corrente ou joga ao mar uma mensagem numa garrafa, o artista dava início a um processo de comunicação aberto cuja extensão desconhecia e cujos alcances fugiam de qualquer intento de controle. O público era o destinatário, mas também o agente dessas inserções que propiciavam a colaboração de todos para manter um fluxo de contra-informação no circuito ideológico.
Numa circunstância política completamente diferente, em 2002, o grupo Poro, retoma a idéia de Cildo Meireles, e cria um carimbo onde se lê: FMI - Fome e Miséria Internacional. O procedimento é o mesmo: carimbar cédulas e devolvê-las à circulação. Mas, o que em 1970 era feito clandestinamente, hoje (o projeto está ainda em andamento) acontece nas salas de aula da universidade, em eventos públicos, na mesa de um bar...
Recentemente, o coletivo argentino Pobres Diablos fez uma versão em espanhol do carimbo e, a partir desse fato, grupos de outros países da América Latina encamparam o projeto.
Em Propaganda Política dá Lucro!!!, 2002 e 2004, um santinho tipográfico foi distribuído por diversas pessoas, em diversas cidades. O panfleto, de composição e tipografia popular, promete lautos benefícios monetários para quem fizer um curso profissionalizante de propaganda política. Algumas ementas são sugeridas "Maquiagem e Figurino", "Estratégias de sonegação fiscal e superfaturamento de orçamentos", "Como manipular dados ao seu favor".
Nos períodos de propaganda eleitoral de 2002 e 2004, o panfleto foi distribuído em locais públicos de grande circulação e colado em quadros de aviso de escolas, bares, bancas de jornal e até galerias de arte. Foi, também, acumulado em lugares onde se costuma deixar folders, panfletos e flyers para divulgação. Ainda, os panfletos foram enviados pelo correio para pessoas de diversas cidades com instruções para que os distribuíssem. Finalmente, foi colocado na Internet no sítio da revista Etcetera 3 com instruções para imprimi-lo e difundi-lo. A partir do momento em que o panfleto foi colocado na Internet, perdeu-se o controle de onde ele foi parar 4, declaram os autores da proposta.
Ao lado destas proposições, de nítido caráter político, aparecem outras, onde o elemento poético predomina. São intervenções pontuais no espaço urbano, que buscam, como queriam os situacionistas na década de 60, uma religação afetiva com os espaços degradados ou abandonados da cidade, com o que foi expulso, apagado ou esquecido na afirmação dos novos centros. Obras efêmeras que estão a se destruir nos cantos da cidade, mas que, por um momento reluzem e brilham antes de se fundir e confundir com a parafernália impressa que alastra por muros e tapumes, por viadutos, postes e jardins.
Assim, uma enxurrada de letras de vinil, derrama-se dos escoadouros de água sobre passeios, ruas e sarjetas; nas monótonas árvores do campus brotam inesperadas folhas de ouro; um canteiro decadente se cobre, por uns dias, de uma vibrante e vermelha florada de papel celofane; um enxame de vaga-lumes revoa dentro do prédio.
III. Apontar sutilezas, criar imagens poéticas, trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros urbanos, estabelecer discussões sobre problemas da cidade, refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em espaço público e os espaços expositivos "institucionais" como galerias e museus, lançar mão de meios de comunicação popular para realizar trabalhos, reivindicar a cidade como espaço para a arte.
O grupo Poro enumera assim seus objetivos. Cientes da impossibilidade da transgressão na atual predominância do capital globalizado, suas estratégias de ação agem num campo de resistência crítica em relação à cultura institucional. Poderíamos assimilar essas práticas ao sentido de subcultural, proposto por Hal Foster. As práticas subculturais, para o autor, diferem das práticas contraculturais dos anos 60, na medida em que as primeiras, antes de propor um programa revolucionário próprio, recodificariam os signos culturais 5.
As ações desses artistas permitem o surgimento do marginal, do subalterno, do subcultural nos centros urbanos e provocam instabilidades, ainda que sejam momentâneas, no núcleo de um sistema que até agora parece capaz de neutralizar e incorporar qualquer perturbação.
IV. A palavra desvio serve para indicar o caminho que, devido a impedimento na passagem ou para diminuir espaço e tempo de percurso, foge à rota comum; em suma: um atalho. Qual o atalho que escolhem, então, os artistas do grupo Poro? A resposta envolve uma decisão complexa e feita, talvez, com pesar. O atalho que passa pela instituição: a decisão de expor numa galeria.
De qualquer maneira, na galeria há apenas restos ou começos de ações, fotos ou vídeos das já realizadas, adesivos que propõem começar ou continuar outras. Mas o trabalho, a obra nunca está lá. O atalho, o desvio pelo qual os artistas optam é, paradoxalmente, o lugar de legitimação da arte: o cubo branco ideal que separa a arte da vida ordinária e que nos autoriza a desfrutar das experiências artísticas; um espaço tão impregnado de poder que beira o espaço sagrado.
Fora da instituição, a arte do grupo Poro corre o risco de se diluir no real. Tudo que há nela de antiartístico, de cotidiano, de ordinário, de impermanente, contribui, de fato, para a confusão desses trabalhos com os de outros ativistas que não têm nenhuma pretensão de pertencer ao sistema das artes. As obras não podem ser julgadas a partir de princípios estéticos, políticos ou didáticos; apenas poderíamos conferir sua eficácia imediata, que é quase sempre muito modesta.
No desvio, então, na galeria, os registros dessas obras nos advertem sobre sua natureza, nos ensinam a distingui-las se alguma vez, na rua, nos depararmos com elas , nos ensinam, também, a ver o mundo real com outros olhos, a descobrir, como queria Calvino, no insuportável inferno do real, aquela mínima porção que não é inferno, e, uma vez descoberta, acalentá-la, fazê-la crescer e prosperar.
Belo Horizonte, abril de 2005
1 Cf. ARDENNE, Paul. In: http://www.proyectovenus.org/ramona/home/anunciantes/interferencia/Pare.html
2 MEIRELES, Cildo. Cildo Meireles. Valencia: [s.n.], 1995. (Catálogo de exposição, jan.1995, IVAM, Centre del Carme). p.98.
3 O panfleto de 2002 foi publicado na 9ª edição da revista Etcetera no endereço:
http://www.revistaetcetera.com.br/old/09/visuais/galeria/santinho.htm. A reedição de 2004 está disponível no site do Poro: www.poro.redezero.org
4 Declaração do grupo Poro à autora.
5 FOSTER, Hal. Recodificação; arte, espetáculo, política cultural. Trad. Duda Machado. São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996. p.223.
abril 18, 2005
Herança Incômoda por Yacoff Sarkovas
Herança Incômoda
Ministério da Cultura consagra dedução fiscal como sistema de financiamento público
Artigo de Yacoff Sarkovas publicado originalmente no jornal Estado de São Paulo, Caderno 2, em 15 de Abril de 2005
O Ministério da Cultura de Gilberto Gil está celebrando os resultados da captação de recursos pela Lei Rouanet. Considera um êxito o mecanismo ter movimentado R$ 466 milhões em 2004, cifra 10% superior ao ano anterior. A postura é mais uma evidência de que o governo Lula optou por consagrar a dedução fiscal privada como sistema de financiamento público à cultura no Brasil.
Aplicado ao imposto de renda, o modelo foi criado pela Lei Sarney, em 1986, substituída pela Lei Rouanet por Collor, em 1991, ampliado com a Lei do Audiovisual por Itamar, em 1993, e replicado por municípios e estados via dedução no ISS, IPTU e ICMS.
Em conjunto, as leis de incentivo injetam cerca de R$ 600 milhões por ano na área cultural. Estes recursos públicos transformam-se em filmes, espetáculos, shows e livros; mantêm museus, bibliotecas e centros de arte; recuperam patrimônios artísticos e históricos. Por isto, muitos profissionais da cultura e da mídia consideram as leis positivas. Mas, uma análise mais acurada revela que o mecanismo é deficiente. Gera produção cultural porque distribui dinheiro, não por ser lógico e justo.
Leis de incentivo com dedução integral nada têm a ver com patrocínio ou investimento privado de verdade. São uma forma prática de transferir recursos para a cultura, sem enfrentar disputas no orçamento público, nem a burocracia do Estado. Em outros países, incentivo fiscal é poder lançar contribuições feitas para instituições culturais como despesa na declaração de renda. Caso contrário, incidiria imposto sobre o valor doado, por exemplo, a um museu. No Brasil, desde a Lei Sarney, além do desconto como despesa, parte do valor pode ser deduzido do imposto a pagar, o que gera aplicação privada de um recurso público. De toda forma, a parte não dedutível representa uma contrapartida, preservando o princípio do incentivo fiscal: usar dinheiro público para estimular o investimento privado.
A Lei do Audiovisual subverteu este conceito. Autorizou que a aquisição de cotas de comercialização de filmes fosse deduzida integralmente do imposto a pagar e ainda abatida como despesa, reduzindo o imposto acima do valor aplicado. Em conjunto, estas operações resultam num ganho mínimo de 124%. Isto significa que uma empresa pode utilizar dinheiro 100% público para se tornar sócia de uma operação comercial e receber mais 24% de comissão.
Espectadores-cidadãos não se dão conta que as marcas que aparecem na abertura dos filmes brasileiros são de empresas que recebem dinheiro público para fingir que são investidores culturais, tendo ainda o poder de decidir que aquele filme, e não outro, deveria ser produzido. Este instrumento sem precedentes que financia a retomada do cinema nacional contaminou outras leis de incentivo fiscal, a começar pela Lei Rouanet que, desde 1997, oferece 100% de dedução a diversos tipos de projetos.
O problema não está no uso em si de recursos do erário, pois a cultura requer políticas e investimentos do Estado por ser uma questão de interesse público, como a saúde, a educação, o transporte e a segurança. O problema está na forma que o investimento é feito. Leis de incentivo sem contrapartida não são um meio eficaz de financiamento público, nem de estímulo ao patrocínio privado. Desperdiçam recursos com sobrededuções e intermediações; não formam patrocinadores-investidores reais, pois são um jogo de faz-de-conta-que-o-dinheiro-é-privado; pervertem a relação cultura-empresas/pessoas, doutrinando-as a não pôr a mão nos próprios caixas/bolsos para patrocinar/apoiar/investir; desconsideram o interesse público, pois financiam projetos, com dinheiro exclusivamente do Estado, pelo mérito de atenderem o interesse privado.
A solução não está em ampliar normas, condições e restrições ao patrocínio empresarial. Basta restabelecer a contrapartida financeira. Usando seus próprios recursos, as empresas devem ter liberdade para apoiar o que lhes for mais adequado. Como já fazem com projetos esportivos, sociais e ambientais, que não dispõem de incentivos fiscais, e os projetos culturais sem dedução integral. Nestas áreas onde o patrocínio é real, as empresas investem para estimular a identificação e melhorar o relacionamento com seus públicos; ampliar sua credibilidade; agregar atributos e valorizar suas marcas; demonstrar sua participação social.
Instituições, processos e projetos culturais não nascem, nem existem, para serem canais de divulgação de marcas. Alguns desempenham bem essa função e têm maior chance de obter patrocínio real. Em regra, são atividades artísticas de repercussão midiática. As demais instituições, processos e projetos não perdem sentido cultural só porque não atendem objetivos de comunicação das empresas. Sem acesso a patrocínios, seus recursos devem vir do próprio público, quando puderem se inserir no mercado, e de fundos de financiamento institucional e do Estado, quando o provento do mercado não for suficiente para o equilíbrio econômico de ações culturais relevantes à sociedade.
A diversidade cultural depende desta multiplicidade de fontes. Por isto, são necessárias linhas de financiamento baseadas em políticas culturais públicas, que estabeleçam prioridades nos processos de pesquisa, criação, produção, circulação, intercâmbio e preservação para os diversos segmentos artísticos, e nos meios de fruição e expressão cultural da comunidade, nas diversas regiões do país. Havendo estes preceitos, comissões independentes formadas por especialistas podem avaliar o mérito técnico e público dos projetos, estabelecendo uma relação direta entre financiamento público e benefício público, e permitindo transferir os recursos sem descaminhos e intermediações.
Enquanto o governo não assume esta responsabilidade, algumas empresas adotam premissas públicas ao usar leis de incentivo, implementando programas que eqüivalem a políticas culturais, com inscrição aberta e seleção técnica. No mundo, fundos públicos fomentam as artes, a educação, a ciência, a saúde, entre outros processos de benefício coletivo. No Brasil, experiências no campo acadêmico, como a Fapesp, no institucional, como a Vitae, e no cultural, como o FumproArte, que opera há dez anos em Porto Alegre, o Promic, de Londrina, e o Programa Municipal de Fomento ao Teatro, de São Paulo, demonstram ser possível financiar projetos e instituições independentes com baixos riscos de malversação, clientelismo, corrupção e dirigismo.
Não faltam modelos para melhorar a qualidade do investimento público na cultura do país. Mas o Ministério de Gilberto Gil desistiu desta empreitada. No início de seu mandato, possuía recursos políticos, humanos e técnicos para promover a substituição gradual das deduções fiscais integrais por fundos de financiamento, sem colocar em risco os projetos culturais em curso. Mas sem plano estratégico e de ação, sucumbiu aos grupos que se sentem em vantagem no sistema atual. Embrenhou-se num cipoal de pressões e nem mesmo consegue implantar as mudanças que pretende fazer para manter tudo como está, que há mais de um ano anuncia e adia, anuncia e novamente adia. Restou-lhe comemorar os falsos êxitos que herdou.
Yacoff Sarkovas
Presidente da Articultura Comunicação e consultor de patrocínio empresarial
© 2005
abril 12, 2005
Carta aberta ao Prefeito de São Paulo - José Serra ou a propósito de uma renúncia por Emanoel Araújo
Carta aberta ao Prefeito de São Paulo - José Serra ou a propósito de uma renúncia
EMANOEL ARAÚJO
Publicada originalmente na Folha de São Paulo em 11 de abril de 2005
Caminante no hay camino, se hace camino al andar
Antonio Machado, poeta espanhol.
Ao Saudoso Mario Covas, in memoriam.
Senhor Prefeito Jose Serra:
Quero aqui, através "dessas mal traçadas linhas", começando dessa forma prosaica, a lhe dizer do grande equívoco que foi minha nomeação, em face de um convite cheio de esperança feito a mim, antes de sua posse.
Eu mesmo já houvera recusado outros convites iguais ao seu, por entender que uma Secretaria de Cultura se faz com CULTURA, se faz conhecendo as causas e conseqüências do conteúdo maior que essa simples palavra tem como significado, se faz contextualizando na historia, com a memória, com a vida pulsando a cada momento, sem achaques, sem privilégios.
Por que essa conquista tem e deve ser um bem para todos, e eu falo de CULTURA, sem arremedos, sem o maneirismo desses poucos que pensam que são os privilegiados de Deus e podem sentar-se numa poltrona de um teatro com toda sua arrogância e ignorância, sem se dar conta que a poltrona em que estão sentados está rota ou com o veludo, de tão gasto que não tem mais cor, com seu estofo em péssimas condições, e se saciam de, no intervalo tomar champanhe para exibir suas roupas e bijuterias, já que as jóias verdadeiras ficaram bem guardadas nos cofres, e usá-las num teatro no centro da cidade, ameaçados pela pobreza, seria, aí sim, uma ameaça aos tesouros da família.
Não, senhor prefeito, isso só não é cultura, cultura é o que foi produzido por uma verdadeira elite do saber e do conhecimento, erudito ou popular, através da qual esse repertório existe até hoje, depois de séculos de sua criação - cultura, portanto, são todas as ações criativas de artistas que deram sua vida e seu ser para estarem mais próximos de Deus; artistas são esses seres abnegados, renegados e desapercebidos por essa sociedade que disputa salões nobres para repousar seu cansaço por tamanho esforço ou castigo, na tentativa de parecer "culto".
As recusas anteriores para essa Secretaria tão ambicionada pelos gaviões dessa selva de pedra que habitamos, foi mesmo por entender que não há o que se fazer com Cultura diante dessa política de loteamento hoje tão em voga na vida pública brasileira.
Cultura pensou Mário de Andrade, quando criou esse Departamento, em que diz no seu primeiro parágrafo - "O Departamento de Cultura é o órgão destinado a criar, desenvolver e proteger quaisquer manifestações que interessem a cultura no Município de São Paulo". Mas ainda há uma outra definição para Cultura, não mais como regulamento, mas o grande significado de colocar uma sociedade e uma nação na hegemonia do mundo, com seus próprios dogmas, e para isso, há que se dispensar os domínios desses pretensos mecenas que jamais colocam a mão no bolso, porque essa casta de privilegiados a que o governo tem se curvado, e os dogmas a que me referi, não precisam desses senhores, precisam mesmo é dos verdadeiros artistas que deixam para a humanidade seus talentos, seus legados e seus sonhos.
A arte africana de um continente agora dizimado e desamparado nos serve como exemplo de uma arte produzida por um povo, por uma diversidade única na historia da humanidade, que mudou os rumos da arte ocidental e que está nos melhores e mais magníficos museus do mundo. Agora mesmo a França lhes dedica o seu mais novo e surpreendente museu - o " Musée des Arts Premiers", isso sim é cultura sem mecenas, sem pavões suntuosos posando nas revistas diante das suas mesas cheias de falsos cristais e louças cheias de colesterol para suas volumosas barrigas de mais de 100 centímetros.
Tão pouco é cultura esses ocupadores dos espaços públicos posando de benfeitores das artes, dos museus construídos e edificados como marco dessa pobre e ao mesmo tempo rica cidade, ameaçados agora pelo projeto de uma torre de 125 metros de altura, assemelhando-se a um "pirocão", com o risco de ser implantado no topo de um edifício tombado da Avenida Paulista, a pretexto de se ver o mar e angariar recursos para o MASP, projeto este de um arquiteto considerado negligente com um dos patrimônios maiores da América Latina.
Mais que um alerta este artigo é para dizer que não me acorvadei diante do desafio desta Secretaria que deixo agora à sua disposição para que o senhor possa nela internar o próximo incauto, e para que possa nomear para esse espaço tratado como uma pocilga, pois sem condições infraestruturais, sem a menor possibilidade de se respirar diante de suas precárias instalações, com seu mobiliário miserável, e nos armários, como altares, vasinhos ditos de defesa e proteção, desses funcionários desesperançados com tanta injustiça, como que castigados nessas mesas miseráveis, nessas cadeiras rasgadas e tortas pelo uso de tantos anos, sem que lhes dêem um pouco de auto-estima, perspectiva e consideração.
Não, isso não é, e nunca foi cultura! Isso é mesmo uma vergonha que os senhores políticos teriam que resolver antes de beneficiar esses gaviões sedentos, insaciáveis, independente de quem esteja ocupando o poder.
Não, isso não é cultura! Também não é cultura essas leis para privilegiados, demandadas por estes últimos e formuladas por legisladores levianos. O verdadeiro teatro foi aquele feito pelo TBC, pelo Teatro de Arena, entre outros, lembrando aqui, Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Walmor Chagas, Paulo Autran, Armando Bogus, Chico de Assis, Abdias do Nascimento, Plínio Marcos, Solano Trindade, Alberto D´Aversa e tantos e tantos outros, e não esse compadrio, como tão bem assinalou Antunes Filho, em um lúcido e muito claro artigo. Enquanto a Lei de Fomento paga nove milhões de reais para grupos a quem se dispensou da obrigação legal de comprovar o uso e emprego dos recursos públicos, o Teatro Municipal não possui equipamentos mínimos para suas produções e o seu diretor recebe pouco mais de quatro mil reais como salário.
O senhor pensa mesmo que isso é cultura? Não, senhor prefeito, repito aqui novamente, museu não é butique, já disse isso à secretária Claudia Costin, quando esta quis instalar o Museu do Imaginário do Povo Brasileiro na Casa das Rosas. E lhe digo que não se pode colocar dois museus com diferentes tipologias num só edifício, no caso, o da Prodam, que além do mais, necessitará de muitos milhões, além do mais, inexistentes para sua mudança e novas instalações.
Quando a Generalitat Valenciana e o IVAM - Instituto Valenciano de Arte Moderna me incumbiu de convidar o presidente Fernando Henrique Cardoso para abrir o VI Simpósio Ibero Americano de Cultura, como já o fizera o presidente do Uruguai, Júlio M. Sanguinetti e, por impossibilidade de aceitá-lo, sugeri à minha velha amiga Consuelo Ciscar - hoje diretora do IVAM - que convidasse o Prefeito Serra, o fiz na esperança de que ele visse a extraordinária pujança cultural da cidade de Valência, não apenas o IVAN, mas a Casa da Ópera, o Museu da Ciência, o Oceanográfico, e os projetos de um dos maiores arquitetos contemporâneos, Santiago Calatrava. Pensei também na forma de como Valência está restaurando seu bairro gótico e seus deslumbrantes monumentos dos séculos XII e XIII. Guardava também a esperança de que esta visita lhe abrisse a mente como inspiração para a cidade que o senhor acaba de receber para administrar.
A minha saída justifica-se por ter sido internado sem nenhuma infraestrutura numa secretaria desprovida de recursos humanos, "apagando incêndios" deixados pelo meu antecessor que eu, ingenuamente, desconhecia. Mas como ele é ator, soube interpretar muito bem o seu papel. Deixo a Secretaria porque o senhor não tomou conhecimento desses 100 penosos dias de administração em que graças a poucos e abnegados servidores conseguimos realizar muitos projetos e ações, inclusive o Catálogo "Brasileiro, Brasileiros", no qual encontra-se inserido um texto seu, ao qual o senhor não compareceu ontem ao lançamento, como programado.
Por outro lado, num enorme esforço pessoal, o maestro Jamil Maluf, convidado por mim a dirigir o Teatro Municipal, solitário, marcou esse início de gestão com uma temporada gratuita, de qualidade excepcional, apoiado tão somente em seus Corpos Estáveis, para o povo de São Paulo. A Galeria Olido está apresentando duas exposições, uma delas com tema de interesse internacional, e outra de caráter experimental e de ponta, renovada por um sistema de comunicação que nunca antes havia sido instalado. As demais linguagens artísticas presentes naquele complexo cultural - cinema, dança e música, seguem suas carreiras, com público crescente e cativo naquele espaço.
Devolvo-lhe este cargo com uma enorme frustração, não só minha, mas também de minha reduzida equipe, a qual não me foi possível ampliar para executar um projeto que orgulharia, seguramente, o seu governo e todos os paulistanos - a começar pela celebração dos 70 anos do Departamento Cultural desta cidade, o de suas Casas de Cultura, todos criados pelo genial paulistano Mário de Andrade, em 1935.
Devolvo-lhe ainda o seu pretenso honroso convite na expectativa de que poderia ter realizado a reforma da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, a instalação e consolidação do Museu da Cidade no Palácio das Industrias, a Escola de Música, o Museu do Futebol, o Museu da Cultura Alimentar Brasileira, e de instalar no edifício da PRODAM, o Museu de Arte Moderna, caso houvesse o patrocínio e o interesse de sua presidente.
Devolvo-lhe esta Secretaria desejando que se faça mesmo o Museu da Criança na Cracolândia, mas rogo que não se esqueça de incluir nesse espaço, essas crianças abandonadas ao infortúnio da sorte. Faça o Museu do Futebol, mas não esqueça a Pinacoteca Municipal guardada na Reserva Técnica do Centro Cultural São Paulo. Entregue a OCA aos gaviões que têm enormes olhos sobre ela, mas não se esqueça do Museu do Folclore que de lá foi arrancado, como também o Museu da Aeronáutica e a memória de Santos Dumont.
Coloque na PRODAM o Museu de Arte Moderna e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, duas instituições cujas gestões se opõem pela sua natureza, uma privada e outra pública. Faça-o, como se faz usualmente com o arranjo de um quarto de despejo, mas não toque com sua impropriedade no Museu AFROBRASIL porque este é uma conquista de anos, resultante da grande dívida que o Brasil tem para com os seus negros e afrodescendentes que o construíram. Saiba que estaremos dispostos a defendê-lo com a mesma energia com que edificamos nossa nação em cinco séculos. Porque o Pavilhão Manoel da Nóbrega de há muito tem sido ambicionado pelos donos da cultura oficial que pensam que um museu dessa natureza não deveria estar em área tão nobre. No entanto, ele tem sido visitado nesses seis meses de existência por um enorme contingente de estrangeiros, brasileiros, brancos, e, sobretudo negros, não habituados a freqüentar tais espaços - para relembrar o quanto este país é devedor a este nosso valoroso povo miscigenado.
Resolvi lhe escrever esta carta, aberta à imprensa, para que toda a população de São Paulo saiba, sim, que existia um projeto cultural que vinha sendo desenvolvido e já praticado em minha gestão, para não sair num silêncio elegante e cúmplice de circunstâncias e conjuntura alheias à minha vontade. Escrevi também esta carta para que ela fique registrada como documento, e não caia no mesmo silêncio em que eu mesmo, o Embaixador Marcos Azambuja e a diplomata Helena Gasparian sofremos, ao perdermos o projeto do Ano 2005 do Brasil na França que - sem pudor - as autoridades oficiais de plantão fizeram uso de seu conceito.
Escrevo esta carta em defesa de minha própria contribuição que é pública e notória em prol da cultura brasileira, nesses meus quarenta anos de abnegada dedicação de vida e de criação artística que me tem valido como respaldo e aval, e que deu origem, acredito, a seu próprio convite para integrar sua equipe de Secretários.
Emanoel Araújo
Escultor, Curador, Cuny Distinguished Visiting Professor of Art, Filho de Ogum,
Ex-Secretário Municipal de Cultura de São Paulo.
São Paulo, 10 de abril 2005.
A falta de ética da FUNCEB por Rachel Rosalen
A falta de ética da FUNCEB
RACHEL ROSALEN
Gostaria de comunicar a todos que meu lap top foi roubado dentro do auditório da FUNCEB, Fundação Centro de Estudos Brasileiros e que esta instituição não fez cargo das suas responsabilidades. Não só não assumiu as perdas e danos causadas por tal evento, como ofereceu como única proposta uma oferta de dinheiro que representa a metade do custo da máquina perdida.
Não se dando por satisfeita, este valor seria pago mediante a assinatura de um " documento " que declarava que apesar de não reconhecer suas responsabilidades, tal instituição estava me pagando este valor a título de " ajuda".
Isto posto, faz-se necessário colocar que eu apresentaria meu trabalho no dia seguinte, 23 de abril, no auditório da Fundação espaço Telefônica. A FUNCEB, para que eu não informasse o público da Telefônica sobre o roubo, ligou para tal instituição e comunicou à Alejandrina, que me convidara para o artist talk do dia 23, que me avisasse que a máquina seria reposta o mais brevemente possivel.
Eu entendi que a FUNCEB queria zelar por seu nome e não comuniquei à platéia o ocorrido na noite anterior.
Ao final, agradeci a todos que me convidaram às atividades que fui realizar na Argentina ( Fundação Japão, FUNCEB e Fundação Espaço Telefônica) pelo acolhimento e pelos convites.
Na segunda feira pós páscoa, quando fui receber então o valor da máquina que me havia sido prometido, a diretora da Instituição negou tudo. Frente a isto, pedi a Alejandrina ( Fundação Espaçø Telefônica) que confirmasse com ela o recebimento da ligação.
Resultamos chocadas quando a diretora da FUNCEB, Monica Hirst, sem titubiar, negou tudo.
Isto para mim é mal caratismo, falta de moral e de ética.
Uma instituição que se dispõe a difundir o trabalho de artistas no exterior deveria ter o mínimo de responsabilidade por seus convidados quando eles estão traba;hando dentro da instituição.
Outros funcionários declararam que já foram roubados lá dentro. Também foram roubados videos cassetes e controles remotos.
Esta instituição recebe dinheiro público brasileiro, como DOAÇÃO, do Ministério das Relações Exteriores.
ASSIM, ENTENDO QUE DEVERIA SER VERIFICADO PARA ONDE ESTÃO INDO OS RECURSOS BRASILEIROS.
Para uma Funadação Argentina com uma diretora brasileira que não assume a responsabilidade pelo que acontece dentro do seu espaço e com seus convidados, nNao me parece um bom investimento..
1. Vale ainda lembrar que procurei o Consulado Brasileiro em Buenos Aires, a Embaixada que intercedeu a meu favor mas que aceitou a negociação da Monica Hirst sobre o valor, sem considerar que eu já esta arcando com muitas outras perdas, de 80 Gb de memória cheia de material, tempo parado e permanência extendida em Buenos Aires,
2. Que otive o apoio de Jorge La Ferla, que mandou uma carta para Mônica cobrando-a por suas responsabilidaes,
3. Que obtive ainda o apoio do Centro Cultural Japonês ( onde trabalhei durante todo o final de semana no II Encontra de ex- fellows da Japan Foundation da América Latina e por extensão da Fundação Japão em São Paulo,
4. Da comunidade de artistas, críticos e curadores presentes que não se conformaram com a falta de ética e responsabilidade da FUNCEB.
Segue abaixo o e-mail de Jorge La Ferla para esta instituição, que ajuda a esclarescer a situação.
Através deste mail gostaria de comunicar a todos que estiverem em contato com tal instituição e a todos da falta de respeito ética e moral desta instuição e sugerir que simplesmente não colaboremos mais com esta institução que devolve assim a imagem que nós, artistas, curadores e críticos brasileiros, temos construído com nosso trabalho. Tais atividades sairam em todos os jornais argentinos.
Não me parece que eles sabem respeitar isto.
Sem mais,
Rachel Rosalen.
......
------ Forwarded Message
From: "JLF"
Date: Tue, 29 Mar 2005 09:32:16 -0300
To: "Paola Fonseca"
Cc: "Rachel Rosalen"
Subject: Asunto Rachel Rosalen/FUNCEB
Querida Paola,
te pido por favor le transmitas este mensaje a Mónica pues ayer me ha resultado imposible comunicarme con ella
Querida Mónica:
Ayer he sabido que la FUNCEB a través tuyo, le ha comunicado ha Rachel Rosalen que no se harán cargo de algo que entiendo es una obligación como sería hacerse cargo moral y materialmente del robo de su computador que ha sufrido dentro de la Fundación de Estudios Brasileños el día de la presentación de sus trabajos el martes 22 de marzo.
Yo me limité en su momento a hacer el contacto de Rachel Rosalen con la FUNCEB,
para que esta notable artista paulista hiciera su presentación en la FUNCEB,
y fue a través de este contacto que fue invitada oficialmente por ustedes.
Como tantas veces a ocurrido es el mismo artista que generosamente ha llevado su equipo a la institución para hacer posible la presentación.
Yo creo que es fundamental que
1) la FUNCEB reconozca sus responsabilidades
2) establezcan un acuerdo para resarcir de la manera más rápida esta herramienta de trabajo fundamental para Rachel Rosalen
En caso de que esto no se pueda solucionar se entrarán en complejas tratativas de indemnización y enfrentamientos legales, que estimo serán lamentables para todos, sobre todo para la imagen pública de la Fundación Centro de Estudios Brasileños.
Por otra parte yo no tendré otra opción que dejar de colaborar totalmente con la FUNCEB hasta que este incidente sea solucionado según creo lo que creo más justo, es decir el rápido resarcimiento de la pérdida que ha sufrido Rachel Rosalen.
En base a la amistad, a la mutua estima y a los largos años de colaboración entre nosotros no tengo dudas que sabrás solucionar este tema, de la única manera posible.
Me gustaría además hablar con vos personalmente, algo que hasta ahora ha resultado imposible.
Amistosamente
Jorge La Ferla