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janeiro 27, 2005
O incentivo fiscal à cultura no Brasil, por Yacoff Sarkovas
O incentivo fiscal à cultura no Brasil
YACOFF SARKOVAS
A cultura e as artes movimentam parte cada vez mais significativa da economia planetária. As indústrias criativas não param de crescer para alimentar uma demanda, que parece inesgotável, por estética, símbolos, lazer, entretenimento e ascendência. Porém, os recursos gerados por este vasto mercado de consumo não suprem a diversidade e a complexidade cultural, tornando necessárias outras três fontes de financiamento, distintas e complementares:
- o Estado, que tem a responsabilidade de fomentar a criação artística e intelectual, e a distribuição do conhecimento, bases do progresso humano;
- o investimento social privado, evolução histórica do mecenato, meio pelo qual cidadãos e instituições privadas tornam-se agentes do desenvolvimento da sociedade;
- o patrocínio empresarial, estratégia de construção de marcas e de relacionamento com seus públicos de interesse, feita por associação com ações de interesse público.
No Brasil, um sistema de apoio à cultura e às artes baseado em dedução fiscal emaranhou estas fontes, subvertendo suas lógicas, inibindo seus fluxos, retardando suas expansões e, de quebra, confundindo a opinião pública. Para entender o funcionamento deste artifício legal, e as suas conseqüências, é necessário historiar como foi inventado e porque se propagou.
Em 1972, num dos períodos mais cruentos da ditadura militar, tramitava pelo Congresso um projeto de lei do senador governista José Sarney que instaurava incentivos fiscais à cultura no Brasil. Bloqueada pela área econômica do governo, a iniciativa não prosperou. Treze anos depois, em 14 de março de 1985, Sarney apresentou um novo projeto. Era seu último dia no Congresso, antes de assumir a Presidência da República, em decorrência da morte de Tancredo Neves. No ano seguinte, em 2 julho de 1986, a Lei 7.505 foi sancionada, e, em 3 de outubro do mesmo ano, regulamentada. Desde então, o incentivo fiscal domina a agenda cultural do Brasil.
A chamada "Lei Sarney" apresentava característica única. Nos países que dispunham desse tipo de legislação, incentivo fiscal era o direito do contribuinte de abater de sua renda bruta doações a instituições culturais. A lei brasileira permitia, além disso, que parte do valor fosse deduzido do imposto a pagar.
Em março de 1990, Fernando Collor e seu secretário de cultura, Ipojuca Pontes, extinguiram a Lei Sarney de forma autoritária e sem planejamento, a reboque do desmantelamento que promoveram no frágil e desestruturado sistema público de cultura. O vácuo político no plano federal gerou o incentivo fiscal em âmbito municipal. Em dezembro 1990, foi promulgada a Lei Mendonça, em São Paulo, permitindo dedução parcial dos patrocínios no ISS e no IPTU. A partir daí, outros municípios brasileiros replicaram o instrumento. Posteriormente, Acre, Mato Grosso, Paraíba e Rio de Janeiro criaram leis com dedução no ICMS, estabelecendo um modelo adotado depois por outros Estados.
Em dezembro de 1991, Collor recua. Seu novo secretário da cultura, o sociólogo Sérgio Paulo Rouanet, instaura o até hoje em vigor Programa Nacional de Apoio a Cultura, conhecido como Lei Rouanet. O Programa restabelecia os princípios básicos da Lei Sarney e criava dois outros instrumentos: o FNC (Fundo Nacional de Cultura) e o FICART (Fundos de Investimento Cultural e Artístico).
Rouanet reconhecia que o financiamento público à cultura não poderia ser regulado exclusivamente pelos interesses mercadológicos e/ou pessoais inerentes ao patrocínio e à doação privada. O FNC estabelecia o princípio do fundo público, essencial para fomentar as ações de mérito cultural que não encontram abrigo no mercado. Na ponta oposta, o FICART estimulava as atividades culturais lucrativas, proporcionando vantagens tributárias aos seus investidores.
Ambos os instrumentos não vingaram. O FICART tornou-se letra morta porque seus benefícios foram largamente superados pelos níveis de dedução fiscal obscenos que seriam depois adotados em outros mecanismos. E o FNC jamais foi operado pelas regras primárias de um fundo público: transparência de critérios, acessibilidade paritária e primazia do mérito público. Desde que foi criado, seus recursos são arbitrariamente distribuídos segundo predileções e interesses do Ministério da Cultura.
Com o impeachment de Collor, produtores de cinema extraíram de Itamar Franco a Lei 8.685, de 20 de julho de 1993, que beneficiava a aquisição de cotas de comercialização de filmes no mercado de capitais. Foi o marco decisivo na cronologia da condenação do financiamento cultural público ao inferno do incentivo fiscal. Deslumbrado pelos rapapés de diretores e atrizes, Itamar Franco promulgou um dispositivo que não só permitia abater integralmente o valor investido na aquisição das cotas, como ainda lançá-lo como despesa, reduzindo, indiretamente, mais impostos.
O resultado é que o Artigo 1º da chamada Lei do Audiovisual tornou-se um instrumento sem precedentes, pelo qual o Estado não só permite a uma empresa privada usar dinheiro público, sem nenhuma contrapartida, para se tornar, a seu exclusivo critério, sócia de um empreendimento comercial, como ainda comissiona com mais dinheiro público esse falso investidor, no ato da operação. De quebra, seu Artigo 3o permite que 70% do imposto sobre a remessa de lucros e dividendos obtidos por filmes estrangeiros, no país, também seja usado na co-produção de filmes brasileiros, sem que os distribuidores beneficiados, em sua maioria norte-americanos, tenham de investir qualquer centavo de dólar próprio.
Inicialmente, a Lei do Audiovisual não decolou por ser então desconhecida e porque a dedução prevista no seu primeiro artigo se limitava a 1% do imposto a pagar das empresas. A Lei Rouanet, que permitia 2%, passou para 5% (hoje 4%) em maio de 1995, no governo FHC. Mas, em agosto de 1996, o Ministério da Cultura de Francisco Weffort ampliou o limite da Lei do Audiovisual de 1% para 3%. A medida provocou um forte aumento na transferência de recursos fiscais para o cinema, que subiram de R$ 16,8 milhões, em 1995, para R$ 72,1 milhões, em 1997. Boa parte desse crescimento se deu pela canibalização da Lei Rouanet, pois seu limite de 5%, somado ao da Lei do Audiovisual de 3%, atingia 8%, enquanto a Receita Federal estabelecia, na época, um máximo de 5% (hoje 4%) de dedução. No "mercado de incentivo fiscal" que se formava, os produtores culturais que buscavam patrocínio para seus projetos pela Lei Rouanet passaram a encontrar um número crescente de empresas que já haviam esgotado a maior parte de seus recursos dedutíveis na Lei do Audiovisual.
Em vez de exigirem a correção das evidentes distorções do incentivo fiscal aos filmes, agentes culturais de outras áreas passaram a reivindicar "equiparação de benefícios". Weffort e sua equipe, que tinham plena consciência de que a dupla dedução da Lei do Audiovisual fora implantada por ignorância do MinC de Itamar, que assinou em cruz o texto que recebeu pronto de produtores de cinema, ponderou não ter força para enfrentar o conhecido lobby. Em 24 setembro de 1997, a Medida Provisória 1.589 introduziu na Lei Rouanet a dedução de 100% para projetos de "artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita ou instrumental; circulação de exposições de artes plásticas; doações de acervos para bibliotecas públicas e para museus". A escolha arbitrária dessas áreas obedeceu á lógica do "mama quem chora". Ao longo de dois anos, o governo FHC reeditou a medida provisória 27 vezes, até torná-la a Lei 9.874, em 23 de novembro de 1999.
Feita a opção de inocular o carcinoma da dedução integral na Lei Rouanet, Weffort se expôs ainda mais às pressões para alastrá-lo. A começar pela ação da própria área de cinema, que, não satisfeita com os "investimentos" da Lei do Audiovisual, exigia também obter "patrocínios" pela Lei Rouanet, sem contrapartida privada. Em 6 de setembro de 2001, Weffort curvou-se ainda mais e estendeu as áreas "beneficiadas". Escamoteou a iniciativa num artigo perdido, o de número 53, inserido no final da Medida Provisória 2.228-1, que, não por acaso, estabelecia os novos princípios da política para o cinema e criava a ANCINE, entre outros fomentos públicos ao audiovisual. A dedução de 100% passou para "artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita ou instrumental; exposições de artes visuais; doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos; produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; e preservação do patrimônio cultural material e imaterial".
Importante observar que em 2000, um ano antes, o próprio MinC apontava as mazelas do modelo de incentivo fiscal com dedução integral no "Diagnóstico governamental da cadeia produtiva do audiovisual". O estudo revelava que "o sistema de financiamento criado pela Lei do Audiovisual não tem servido ao propósito de estimular a comercialização dos filmes produzidos, nem tampouco à capitalização das empresas produtoras. Prova disso é o fato de que, entre 1995 e 1998, apenas dez dentre 80 filmes concluídos e lançados comercialmente tiveram um resultado de bilheteria superior, igual ou pouco inferior aos seus custos de produção. Setenta e cinco por cento desses filmes foram malsucedidos comercialmente e, por conseqüência, ao invés de viabilizar a capitalização das empresas produtoras, conduziu, na maior parte dos casos, a simples empate com seus custos ou a um endividamento perigoso".
O documento denunciava, ainda, os efeitos colaterais da mamata fiscal, como o leilão promovido pelas empresas, que obrigava os produtores a recomprar os certificados, e as comissões cobradas por intermediários: "Fenômenos de difícil controle por parte do Estado, como o uso de práticas lesivas ao interesse público, a recompra de Certificados de Audiovisual e a cobrança de ágio também contribuíram para comprometer o desenvolvimento da cadeia produtiva do setor [...] Limitados originalmente a 10% da captação, a cobrança de ágio chegou a alcançar, em período recente, 30 a 40% do total arrecadado, desviando recursos importantes para a consolidação do setor e levando o governo a adotar novos meios de controle para coibi-los [...] Muitas vezes, empresas investidoras descontavam do imposto de renda o valor total anunciado na operação original e, pelo mecanismo de recompra do total ou de parte dos certificados de seus emissores, recuperavam parte do investimento, inflacionando custos e gerando evasão de tributos".
Era o reconhecimento oficial do efeito perdulário da Lei do Audiovisual. A soma das deduções fiscais com as taxas de intermediação e a revenda dos certificados atingia mais que a metade do valor da operação. O chamado renascimento do cinema brasileiro foi financiado por um sistema que consumia R$ 124 de dinheiro público, sem qualquer contrapartida privada, para que R$ 40, em média, chegassem a um filme:
Modelo de operação na Lei do Audiovisual
- Valor bruto investido no filme: R$ 100
- Comissão de intermediação: R$ 30 > 30%
- Recompra do certificado: R$ 30 > 30%
- Valor líquido recebido pelo filme: R$ 40
- Dedução direta do imposto a pagar: R$ 100 > 100%
- Dedução do imposto como despesa operacional: R$ 24 > 24%
- Gasto com dedução de impostos públicos: R$ 124 > 124%
- Desperdício dos recursos públicos investidos: R$ 84 > 68%
Em maio de 2003, quando os inventores do modelo decidiram amedrontar os incautos com o fantasma do dirigismo cultural e, assim, demonstrar seu poderio midiático, para que o governo Lula não ousasse mudar as regras do jogo que estabeleceram, o cineasta Eduardo Escorel confrontou-os em carta aberta, denunciando que "Não há nenhuma indicação concreta de que o modelo de produção cinematográfica baseado em financiamento através de incentivos fiscais seja capaz de resultar em um 'cinema nacional auto-sustentável' [...] Não houve nos seus dez anos de vigência um processo de acumulação que permitisse à atividade cinematográfica prescindir do suporte estatal. Nem a quantidade de filmes produzidos a partir de 1994, nem o número de diretores que estrearam desde então, nem o aumento da ocupação do mercado até perto de 10%, nem o sucesso de alguns filmes, nem a participação em festivais internacionais, nada disso justifica a intocabilidade de um sistema de financiamento da produção cujas distorções são notórias e que não levou à desejada auto-sustentabilidade".
Mas o sistema continuou, e continua, intocável. Também escamoteado na Medida Provisória 2.228-1, de 2001, o Artigo 50o prorrogou para 2006 o Artigo 1o da Lei do Audiovisual, o tal que entupiu a abertura dos filmes com logomarcas de investidores de mentira, pois o dinheiro é somente público. Provavelmente para convencer o governo Itamar a sancioná-la, em 1993, seus patronos aceitaram limitar sua aplicação até 2003, seguros de que não teriam dificuldade em alargar seu prazo nos governos futuros. Agora em 2004, enquanto grupos que compõem a cadeia produtiva audiovisual medem forças em relação à ANCINAVE (ou ANAV), o governo Lula embute, na legislação que cria o organismo, a extensão da dedução fiscal para a próxima década. Instrumentalizada por múltiplos interesses, inclusive os próprios, a mídia cobre a discussão com estardalhaço. Mas em relação à prorrogação do Artigo 1o da Lei do Audiovisual, que representa a manutenção de um modelo insustentável, finge-se de morta, mais uma vez.
O Ministério da Cultura de Gilberto Gil se esforça para realizar mudanças que mantenham tudo como está. Cheio de ambição e bons propósitos, mas sem nenhum plano estratégico e de ação, desencadeou em diversas cidades do país um "processo democrático" de consultas que denominou de "Cultura para Todos" para "aprimorar" a Lei Rouanet. Embrenhou-se num cipoal de pressões localizadas que arrastam o final do processo e não apontam para nenhuma solução estrutural. Faz de conta ser possível evitar o desabamento de um edifício com problemas no alicerce mudando as regras do condomíne as pastilhas da fachada.
O financiamento por dedução fiscal transfere e pulveriza aleatoriamente o dinheiro e a responsabilidade pública para as empresas e por isso não é o instrumento adequado para produzir os efeitos que Gil alega desejar: "desconcentração e democratização dos recursos; ampliação da responsabilidade do Estado e do público beneficiado; qualificação do processo de seleção dos projetos; facilitação e apoio aos pequenos empreendedores; desburocratização e melhoria dos instrumentos de gestão". Seria mais eficaz, e menos demagógico, estudar os modelos de financiamento público direto que funcionam, no Brasil e no mundo, dentro e fora da área cultural.
As leis do mercado estabelecem as condições de sobrevivência das empresas. É irracional transferir para elas recursos públicos e tentar sobrepujar sua lógica pela força de supernormatizações de Estado. Por que não deixar as empresas patrocinarem como bem entenderem, usando seus próprios recursos, como já fazem quando apóiam projetos esportivos, sociais, ambientais e diversas iniciativas culturais sem dedução fiscal, pois sabem como extrair benefícios institucionais e mercadológicos favorecendo ações de interesse público? Por que não instaurar um sistema de investimento direto, em que a relação entre o custo e o benefício cultural público seja o critério básico de acesso aos recursos do erário? Por que manter as empresas como repassadoras de recursos de impostos, obrigando o meio cultural a percorrer tortuosos caminhos privados à busca do dinheiro público?
Para entender por que mecanismos tão insensatos e danosos não são varridos do mapa do Brasil, é necessário compreender também seus méritos. Os incentivos fiscais injetam na área cultural do país mais de R$ 500 milhões ao ano, somadas as legislações federais, estaduais e municipais. Descontada a parte que escorre pelo ralo das sobrededuções e intermediações, chega dinheiro na ponta do processo para a produção de filmes, espetáculos, shows, livros, a manutenção de museus, bibliotecas e centros de cultura, a recuperação de patrimônios culturais, entre outros ativos simbólicos. Essa transferência de recursos públicos para a cultura é inédita em nossa história. Tão inédita quanto parte de sua destinação irrigar a produção independente. As minguadas dotações orçamentárias à cultura são absorvidas pela própria estrutura cultural do Estado, nem sequer cobrindo seu custeio e suas ações. Nada sobra para agentes e instituições não-governamentais. Como último predicado, as leis de incentivo, ao tornar milhares de empresas guichês de repasse, diversificaram a produção cultural nacional, por mais que a concentração seja uma das críticas mais comuns ao sistema.
O problema não está no investimento do dinheiro público na cultura, mas no modo como isso é feito. A cultura é uma questão de interesse público e, portanto, requer políticas e investimentos de Estado, como a saúde, a educação, o transporte e a segurança. Os governos têm a responsabilidade de estabelecer objetivos, elaborar estratégias e investir no desenvolvimento cultural, o que significa interagir com inúmeros agentes não-governamentais - instituições, grupos, criadores, pesquisadores, promotores culturais independentes -, financiar, em menor ou maior parte, seus processos de pesquisa, formação, criação, produção, distribuição, intercâmbio e preservação, e garantir a todos os estratos da população e a todas as regiões do país condições amplas de acesso, fruição e expressão cultural. Para tanto, o Estado deve estipular no orçamento público recursos suficientes para implementar suas políticas culturais. Isso implica confrontar a cultura com outras áreas de interesse público para estabelecer seu quinhão, pois do mesmo couro saem todas as correias.
Em sua essência, o incentivo fiscal é uma estratégia de aplicação do dinheiro público objetivando estimular o investimento privado. Ou seja, é um instrumento de multiplicação de recursos em áreas onde o Estado e as empresas têm possibilidades conjuntas de ganho. A premissa óbvia é a existência de interesse e dinheiro privado na operação. Leis que permitem 124% de dedução, como a do Audiovisual, ou 100% de dedução, como a Rouanet pervertida, não podem ser denominadas de instrumentos de incentivo fiscal, pois fazem mero repasse de dinheiro público para aplicação privada. Não exigem nenhum centavo de contrapartida das empresas, chegando a remunerá-las. Boa parte dos agentes culturais no Brasil não dispõe de referência histórica, nem de informação sobre outros modelos de financiamento público, e então acredita que as leis de incentivo são o único mecanismo possível de investimento de dinheiro público na produção não-estatal.
Importante observar que a criação dessas leis, que beneficiam tão indecorosamente o privado em detrimento do público, não foi fruto de lobbies empresariais, e, sim, do próprio meio cultural. Em outros países, onde o benefício se restringe a permitir o abatimento de patrocínios e doações na renda bruta dos contribuintes, e não sua dedução no imposto a pagar, a articulação foi promovida por instituições de empresas patrocinadoras que, sem a lei, tinham sua benemerência cultural bitributada. Ou seja, não podendo lançar como despesa uma doação a um museu, por exemplo, pagariam imposto sobre o dinheiro gasto.
No Brasil, grupos de áreas artísticas sustentam politicamente as leis de incentivo para terem acesso a recursos públicos sem discuti-los na órbita do orçamento público e com o mínimo de interação da burocracia do Estado. Por isso, tais leis nada têm a ver com patrocínio ou investimento empresarial de verdade. Às empresas foi dado o papel de guichês de pagamento. E, como devem adiantar o dinheiro de seu próprio caixa para depois descontar do imposto, foram aquinhoadas com a dedução integral, acrescida de bônus.
É justo lembrar que o truque não foi inventado pela área cultural. Outros grupos sangram historicamente o caixa público com a lambança da dedução sem contrapartida. Coerentemente, os defensores da dedução de 124%, na falta de argumentos sustentáveis, tentam agora justificar as leis de incentivo à cultura, comparando-as ao FINAM, ao FINOR e à SUDENE, na base do "se eles podem, por que nós não?". Omitem diferenças de mecânica, o fato de os recursos se destinarem a fundos de financiamento e a ampla contestação da eficácia dessas instituições. Pior: associam a cultura a ícones de estelionato no erário. Seria legítimo esperar que a área cultural fosse uma reserva ética do país, e não cúmplice do sistema de privilégios e malversação que está na base de nosso subdesenvolvimento.
O apego às leis de incentivo tem raízes no descaso histórico do Estado brasileiro pela cultura. A omissão se torna evidente nas campanhas eleitorais, sempre marcadas pela ausência de discussão sobre políticas culturais. Por isto, é compreensível que aflore descrença e desesperança em relação à ação pública. Estes sentimentos levam até mesmo a grande maioria que pouco, ou nada, se beneficia do sistema a achar que "é melhor não mexer porque pode piorar". Entre a minoria que faz algum proveito, estão os que professam o dito "farinha pouca, meu pirão primeiro".
As leis de incentivo geram produção cultural simplesmente porque injetam dinheiro no setor, não porque são uma boa forma de financiamento. Ao contrário, desperdiçam recursos públicos com sobrededuções, intermediações e inflações orçamentárias; não formam patrocinadores-investidores reais, pois criam um jogo de faz-de-conta onde só circula dinheiro público; pervertem a relação cultura-empresas/pessoas, doutrinando-as a nunca pôr a mão no bolso para patrocinar/apoiar; desprezam o interesse público, pois financiam com recursos exclusivamente do Estado um projeto, e não o outro, pelo mérito de atender ao interesse privado, e não a políticas públicas.
Os que bradam o fantasma do dirigismo tentam exatamente impedir que se discuta e se implemente aqui um sistema no qual o mérito público seja o fator preponderante na destinação dos recursos públicos. Adotam, também, a tática de propagar que avaliação de mérito é censura. Nada mais falso. Para efeito de financiamento público, mérito é a capacidade de um projeto atender às políticas públicas. E políticas públicas nada mais são do que o conjunto de conceitos e estratégias que governos têm obrigação de formular, pois são eleitos para isso.
Desvirtuadas da função de estímulo suplementar do patrocínio empresarial às artes, as leis de incentivo tornaram-se uma forma insensata de financiamento do Estado. Sua manutenção não é decorrente apenas das manobras explícitas de minorias com acesso mais privilegiado aos guichês - principalmente aos das empresas estatais, detentoras de orçamentos incentivados superiores ao do próprio Ministério da Cultura e que são dominadas, em grande parte, por redes de relacionamentos e injunções políticas e pessoais. A perenização do modelo se deve, sobretudo, ao desconhecimento do meio cultural sobre a lógica do patrocínio empresarial real e do funcionamento de um sistema de financiamento público real.
Empresas patrocinam para ampliar sua credibilidade, estimular a identificação e melhorar o relacionamento com seus públicos de interesse; agregar atributos e valorizar suas marcas; demonstrar sua participação social. Qualquer projeto cultural capaz de produzir esses efeitos, por um custo igual ou inferior ao de outras ferramentas de comunicação, terá uma fila de empresas dispostas a patrociná-lo com dinheiro privado de verdade. Mas boa parte dos agentes culturais busca recursos nas empresas sem se dar conta de que a contrapartida para obtê-los é gerar resultados de comunicação. Quem não percebe as regra desse jogo atribui as negativas à falta de cultura e sensibilidade dos empresários.
No reino da fantasia do incentivo fiscal com dedução integral, não é necessário enfrentar o mundo real. Numa transação feita exclusivamente com dinheiro público, um finge que foi patrocinado, e o outro, que é patrocinador; um finge que é financiado, e o outro, que é investidor. Isso mantém a área cultural no jardim da infância do mercado, retardando seu amadurecimento e sua sustentabilidade. O fim do anabolizante fiscal revelaria a verdadeira dimensão econômica do patrocínio cultural no Brasil.
Instituições, processos e projetos culturais não nascem, nem existem, para serem canais de comunicação de marcas. Alguns, pela própria natureza, até podem desempenhar bem essa função. Estes são candidatos naturais ao patrocínio real. Os demais, a grande maioria, não fazem sentido para as empresas, não porque os empresários sejam necessariamente incultos, mas porque eles têm opções melhores e mais baratas para atingir seus objetivos de comunicação. Instituições, processos e projetos culturais precisam, sim, é fazer sentido cultural, independentemente de patrocínio. Nesse caso, devem buscar recursos junto a seu próprio público, sempre que puderem se inserir no mercado, e de fundos de financiamento institucional e do Estado, sempre que o provento do mercado não for suficiente para o equilíbrio econômico de ações culturalmente relevantes à sociedade.
Para isso, não há como não se avaliar o mérito público das ações e, portanto, os recursos fiscais das leis de incentivo seriam mais bem empregados em um sistema de investimento direto e aberto. Para tanto, é necessário pesquisar, analisar e exaurir a discussão sobre fundos de financiamento público. Há diversos em funcionamento no mundo, fomentando as artes, a educação, a ciência, a saúde, entre outras áreas de benefício coletivo. Em entrevista recente, o célebre físico Brian Greene, indagado se o governo norte-americano interfere nas descobertas científicas, respondeu que "o governo determina o montante total a ser investido em ciência, mas, a partir daí, o destino final do dinheiro é decidido por um sistema de especialistas e comissões que se atêm ao mérito científico dos projetos".
No Brasil, experiências no campo acadêmico, como a Fapesp, e no campo cultural, como o FunproArte - que opera há dez anos em Porto Alegre -, o Promic, de Londrina, e o Programa Municipal de Fomento ao Teatro, de São Paulo, demonstram ser possível financiar projetos independentes com baixos riscos de malversação, clientelismo, corrupção e dirigismo. Basta haver regras e acessos de conhecimento geral, bem como processos de avaliação técnica independente. É indispensável, também, a formulação de diretrizes culturais públicas, sem as quais não há como estabelecer critérios de seleção, além de garantias legais de sustentabilidade orçamentária dos fundos, para que seus recursos não tenham relação promíscua com os orçamentos de secretarias e ministérios.
Para se substituírem as deduções fiscais por fundos de financiamento, sem pôr em risco ações culturais em curso, é necessário um planejamento estratégico de transição. Se tivesse intenção de trilhar esse caminho, o Ministério da Cultura deveria, antes mesmo de sua posse, ter feito um acordo com a área econômica do governo de adiantamento de recursos para a constituição de fundos, na equivalência dos que hoje escoam pelo ralo dos incentivos fiscais. Isso não afetaria o orçamento público a médio prazo. Em seguida, priorizar a formulação das políticas públicas, transversais e por áreas, para permitir análises de mérito público dos projetos. Os fundos seriam implementados sem mudanças no sistema atual. À medida que fossem testados e ajustados, seus mecanismos substituiriam gradualmente as leis de incentivos fiscais, pela diminuição crescente dos seus níveis de dedução, até que se tornassem, de fato, um mecanismo de estímulo ao patrocínio e ao investimento privado real.
Não foi esse o caminho escolhido por Gil. E nem há sinais que indiquem mudanças de rumo. De um lado, a mídia mantém a opinião pública desinformada sobre as mazelas das leis de incentivo fiscal, quando não propaga seus falsos benefícios. Por outro, os poucos grupos que se mobilizam em torno de políticas culturais são, em sua maioria, os que crêem ter vantagem direta com o sistema atual.
Neste cenário turvo, um facho de luz veio da área econômica federal. Há anos, alguns agentes e dirigentes esportivos reivindicam isonomia na boquinha fiscal. Estavam certos de que, encerradas as olimpíadas de Atenas, o governo cometeria o desatino de corromper com deduções nos impostos o patrocínio esportivo brasileiro, hoje constituído por recursos empresariais de verdade. Frustrando essa expectativa, o Ministério da Fazenda vetou a criação de incentivos fiscais ao esporte, substituindo-o por recursos orçamentários para o fomento das categorias de base.
Se a aplicação desses recursos obedecer às premissas dos fundos públicos, poderá servir de modelo para a área cultural. Se, ao contrário, tudo ficar a critério da falta de critério, prevalecerá o preconceito de que não temos competência, no Brasil, para gerir sistemas de financiamento de Estado. Continuaremos a lançar recursos públicos pela janela e deixar que o vento se encarregue, aleatoriamente, de dar bom destino para algumas notas, mesmo ao custo da perda das demais. Assim funcionam as leis de incentivo fiscal à cultura com dedução integral neste país.
janeiro 11, 2005
Pão, circo e fé, entrevista com Ivana Bentes, por Ana Paula Sousa
Entrevista com Ivana Bentes, feita por Ana Paula Sousa, originalmente publicada na revista Carta Capital número 324 do dia 12 de janeiro de 2005.
Pão, circo e fé
Para a pesquisadora Ivana Bentes, filmes ancorados nas celebridades da tevê comprometem o cinema nacional
Por Ana Paula Sousa
Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes é especialista em cinema e em comprar brigas. Foi colocada num fogo cruzado, em 2002, ao dizer que o filme Cidade de Deus era um exemplar típico da "cosmética da fome" - por transformar em mero entretenimento a tragédia social brasileira -, meteu a mão num vespeiro, em 2004, ao colocar-se frontalmente contra a Globo na questão da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e destoa de seus pares acadêmicos pelo tom direto, sem meias palavras, de seus ataques à safra nacional. Nesta entrevista, a autora de Cartas ao Mundo: Glauber Rocha (Companhia das Letras), mostra que, apesar do apregoado "bom momento" do cinema brasileiro, a produção de qualidade corre o risco de agonizar:
CartaCapital: O cinema brasileiro fechou 2004 com uma queda de cerca de 30% de participação no mercado em relação ao ano anterior. A seu ver, o que indica esse dado?
Ivana Bentes: Ficou claro que não existem fórmulas e modelos prontos para levar o público ao cinema e que ver filmes brasileiros é um hábito cultural ainda frágil. Mesmo o cinema de mercado atinge uma camada pequena, de quem tem R$ 10 ou R$ 15 para pagar o ingresso. O cinema brasileiro não é popular, o que não tem nada a ver com linguagem difícil ou filme autoral. Cultura de massa quem vem fazendo é a televisão, que é de graça e atinge um número infinitamente maior de pessoas. No meu ponto de vista, o hábito cultural de ir ao cinema só vai mudar quando tivermos ingressos mais baratos e uma formação audiovisual universal, desde o jardim da infância até a universidade.
CC: Se, como a senhora diz, o cinema não é popular e, além disso, os blockbusters nacionais continuam dependentes de financiamento público e não ajudam a financiar outros filmes, qual o propósito dessa produção comercial?
IB: A produção comercial deveria financiar o cinema cultural e não o contrário. O Estado tem de intervir onde o mercado não funciona, ou seja, cinema e audiovisual regionais, de pequenos e médios produtores, curta-metragem, documentários, cinema experimental, de estreantes, de escolas de cinema etc... Tem de quebrar o círculo vicioso do capitalismo brasileiro, em que só consegue financiamento, facilidades e anistia de dívidas quem já tem dinheiro e está no mercado.
CC: Em 30 de dezembro, o governo reduziu radicalmente a cota de tela (obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros em certa quantidade de dias no ano) para 2005. Isso mostra que tinha exagerado na dose no ano passado?
IB: Historicamente, a cota de tela tem regras e variações muito diversas. Depende de uma série de fatores, de negociações, política e, claro, dos filmes disponíveis para exibição. Em 2004, não acho que o governo tenha exagerado, havia filmes para isso. A cota de tela tem de existir, sim. Filme brasileiro que não tem mídia, merchandising em novela e anúncio na tevê, tem de ter tempo para funcionar no boca a boca, como aconteceu com Cronicamente Inviável, do Sérgio Bianchi, que foi baratíssimo e fez 80 mil espectadores. Se os distribuidores deixam só uma semana em cartaz, não dão chance para esse marketing espontâneo. E se deixar o mercado sozinho se regular, só entra blockbuster brasileiro com mídia na tevê.
CC: Qual a sua avaliação a respeito dos dois campeões de bilheteria do ano passado, Cazuza e Olga?
IB: Não sei por que a vida de Cazuza tinha de ser contada de forma tão careta, do ponto de vista da mãe zelosa com a imagem do filho. Cazuza foi um transgressor, transava pela noite, tomava droga e pagou esse estilo de vida com a própria vida. Como é que um filme tira isso dele? Não sei por que fazer um drama asséptico, com medo de chocar a família brasileira ou para atingir o mercado adolescente. Sobre Olga, a mistura de drama épico e histórico, com o lacrimoso televisivo, mais o discurso oficial do Partido Comunista, me parece uma combinação catastrófica. O filme tem medo da palavra comunismo, pois pode assustar as senhoras espectadoras.
CC: Na outra ponta, a dos filmes que tentam relatar os pobres e miseráveis, não parece que alguns cineastas têm dificuldade de retratar uma realidade que não é a deles e acabam por fazer um cinema "de culpa", como diz Jean-Claude Bernardet? Mesmo num filme sobre a classe média baixa, como Contra Todos, a violência sempre explode, ninguém tem uma vida normal.
IB: Não sei se é culpa. Há um fascínio e, ao mesmo tempo, horror pelos personagens vindos das classes populares. A questão é que é sempre mais fácil olhar para esse "outro" social de forma estereotipada, procurando a anormalidade, o sensacional. Principalmente se são personagens saídos da pobreza. Daí ser importante um cinema de pessoas comuns, em que a poesia e o extraordinário vêm da linguagem do filme e da capacidade do cineasta de extrair uma poética do cotidiano. Para entendermos essa cultura da caricatura e da redução do outro a um traço grotesco, é só assistir a um programa de tevê como o Zorra Total, primário no seu humor, todo baseado em trocadilhos óbvios e em tipos populares caricatos. A mesma coisa acontece em filmes de ficção que tratam de personagens da classe média e da zona sul. Os filmes da Sandra Werneck ou o Avassaladoras, da Mara Mourão, são verdadeiros dicionários de clichês que atualizam situações das comédias românticas para o besteirol carioca.
CC: Na lista dos 20 filmes mais vistos em 2004 aparecem Xuxa, Angélica, Padre Marcelo e Sandy & Junior. O modelo televisão-entretenimento está dando as cartas de uma vez por todas?
IB: Essa idéia de um cinema popular que tem de ser de baixo nível, com piadas preconceituosas, explorando a religião e a fé ou capitalizando a audiência da televisão, me parece um fim de linha, não o começo de nada. É legítimo que sejam feitos, mas só servem para alavancar não o cinema, mas esse modelo do pão-circo-fé da televisão. O filme da Sandy & Junior é até legal, o melhor de todos esses aí, mas, depois de cem anos de cinema, é melancólico atrelar a linguagem e a bilheteria dos filmes ao rastro de celebridades televisivas. Padre Marcelo não é cinema. É, no máximo, um estudo de caso sobre o desespero da Igreja Católica para animar aquelas missas chatas de domingo. Isso, sim, é que dava filme, um documentário interessantíssimo.
CC: Diretores como Fernando Meirelles (Cidade de Deus) e Jayme Monjardim (Olga) defendem que não existe uma linguagem televisiva e outra cinematográfica, que isso é mania de crítico.
IB: Não seria preciso distinguir cinema de tevê se o cinema brasileiro passasse na tevê e se a tevê investisse num cinema com temas e estéticas menos redundantes. Mas a GloboFilmes entra no negócio do cinema para faturar duas vezes com o mesmo produto, primeiro na tevê e depois no cinema, ou levando para o cinema os mesmos atores, enquadramentos e linguagem. Quando a crítica insiste em distinguir cinema de tevê é só para dizer que o cinema não precisa ser essa coisa repetitiva, com filmes que, muitas vezes, estão na retaguarda do que a própria tevê já fez. Vide Olga, um retrocesso em relação a qualquer minissérie do Luiz Fernando Carvalho ou do Jorge Furtado ou aos programas do Guel Arraes.
CC: A seu ver, por que a Globo começou a se interessar pelo cinema, mesmo com filmes que não dão lucro?
IB: O negócio do cinema está esquentando, dá status, visibilidade e ajuda a vender o discurso da tevê preocupada com o conteúdo nacional. Ao entrar no cinema, com filmes pedagógicos, épicos históricos e vidas brasileiras edificantes, a GloboFilmes aumenta o seu capital simbólico, como a grande produtora da identidade nacional. Trata-se de um mercado supervalorizado pelo atual governo, que começa a ser incentivado e protegido.
CC: Com a crise da lei do audiovisual, com cada vez menos empresas investindo, e com as majors dominando a produção, cineastas de fato independentes estão sendo expurgados?
IB: Isso é uma realidade. A quantidade de cineastas bissextos, com um ou dois longas e com uma filmografia pequena é uma constante no cinema brasileiro, apesar do talento. Há um darwinismo mercadológico e só quem tem estrutura de produção, ou faz política, consegue filmar todo ano. É difícil e cruel ver talentos reais abandonarem o cinema pela fotografia, artes plásticas, vídeo, jornalismo.
CC: A polarização em torno da criação da Ancinav é reflexo da divisão do cinema brasileiro entre o grupo dos que produzem com o apoio de majors e da GloboFilmes e o dos que sofrem para conseguir dinheiro para a produção e, depois, uma sala para exibir seu filme?
IB: É bem isso. Quem está dentro desse esquema, já produz, tem mídia, tem distribuição, não quer democratizar coisa nenhuma, não quer ser fiscalizado nem regulado. É o típico comportamento das elites brasileiras, que ficam apavoradas quando surge qualquer projeto que coloca todos sob a mesma regra. Como sempre, são os que estão fora que querem mudanças. Lamentável é ver o oportunismo de profissionais do cinema que, para ficar bem com a Globo e com as majors, mudaram radicalmente de opinião. Enquanto era só retórica, todos posavam de paladinos do cinema brasileiro. Agora que é possível mudar alguma coisa, recuam de forma vergonhosa. Espero que o projeto da Ancinav seja aprovado no Congresso contra todos os lobbys. Isso seria algo realmente novo neste ano que começa, seria uma prova de que o Brasil está mudando e que é possível sonhar com uma democracia participativa para além do coronelismo midiático.
Ancinav: omissão ou missão?, por Juca Ferreira
Ancinav: omissão ou missão?
JUCA FERREIRA
"O Estado nunca esteve à altura do fazer do nosso povo, nos mais variados ramos da grande árvore da criação simbólica brasileira. É preciso ter humildade, portanto. Mas, ao mesmo tempo, o Estado não deve deixar de agir. Não deve optar pela omissão. Não deve atirar fora de seus ombros a responsabilidade pela formulação e execução de políticas públicas, apostando todas as suas fichas em mecanismos fiscais e assim entregando a política cultural aos ventos, aos sabores e aos caprichos do deus-mercado. É claro que as leis e os mecanismos fiscais são da maior importância. Mas o mercado não é tudo. Não será nunca. Sabemos muito bem que, em matéria de cultura, assim como saúde e educação, é preciso examinar e corrigir distorções inerentes à lógica do mercado - Que é sempre regida, em última análise, pela lei do mais forte. Sabemos que é preciso, em muitos casos, ir além do imediatismo, da visão de curto alcance, da estreiteza, das insuficiências e mesmo da ignorância dos agentes mercadológicos." Discurso de posse do Ministro da Cultura, Gilberto Gil. Janeiro 2003.
O governo Lula herdou um Ministério da Cultura sem relevância, atrofiado institucionalmente, sem políticas abrangentes e interferência significativa na cultura do país. O Estado renunciou cumprir sua missão e o seu papel constitucional de formulador e executor de uma política capaz de promover o desenvolvimento cultural da sociedade brasileira. Simplesmente estava entregando essa tarefa ao mercado, aos departamentos de comunicação e marketing das empresas.
Sem menosprezar a importância e o papel da ação empresarial para a cultura, chegamos a uma situação absurda, pautada pela ausência do Estado e por ações culturais operadas prioritariamente pelo balcão, por favorecimentos e clientelismos de toda ordem.
Apesar de todas as dificuldades, hoje o Estado começa a retomar seu lugar e seu papel na vida brasileira. É nesse contexto, portanto, que se situa o debate sobre a criação da Ancinav - Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual.
Para enriquecer o debate sobre a regulação econômica do setor audiovisual brasileiro, gostaria de sublinhar alguns aspectos para melhor contextualizar o debate.
Novos paradigmas da política cultural
As razões do descaso progressivo dos governos anteriores frente à cultura brasileira são múltiplas. Começam com a dificuldade de definição do papel do Estado na sociedade e sua importância para o desenvolvimento cultural, o que torna difícil, senão impossível, a criação de políticas realmente eficientes e lúcidas, a partir do interesse público, e a compreensão dos interesses nacionais no mundo globalizado.
A desproporção de importância entre a economia e a cultura e demais políticas sociais é histórica em nosso país. Exatamente por falta dos referenciais sociais, as altas taxas de desenvolvimento econômico que o Brasil experimentou no século passado - entre as maiores do mundo - foram extremamente impactantes para o nosso patrimônio natural e para a qualidade de vida dos brasileiros, em suas necessidades materiais e culturais.
A visão neoliberal, hegemônica no Brasil e em boa parte do mundo depois da queda do muro de Berlim, só agravou essa alienação entre crescimento econômico e outras dimensões da vida social. É absolutamente coerente que um governo de inspiração neoliberal tenha enfraquecido e esvaziado sistematicamente a dimensão cultural e, consequentemente, o Ministério responsável pelo estímulo e apoio à dimensão criativa e inovadora da sociedade brasileira.
Mas hoje, em todo o mundo, a própria noção de crescimento econômico está em crise. Nesta fase da economia mundial, a produção de conceitos, processos culturais e bens simbólicos torna-se o centro da disputa hegemônica (política e econômica). As novas teorias do desenvolvimento, com a perspectiva de sustentabilidade, incorporam a cultura como aspecto decisivo do desenvolvimento. Recentemente, foi publicado o Relatório de Desenvolvimento Humano - 2004, da ONU, que destaca o papel estratégico da cultura na atuação dos Estados nacionais e na avaliação da qualidade de vida e do índice de desenvolvimento humano das diferentes sociedades e comunidades.
Da omissão à missão
É neste cenário que a política cultural do governo Lula tem que ser compreendida, como o Ministro Gil afirmou em seu discurso de posse: "como parte do projeto geral de construção de uma nação realmente democrática, plural e tolerante". Claro que não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, promover e estimular o desenvolvimento cultural da sociedade. O governo tem chamado para si uma responsabilidade intransferível. É uma questão de missão e compromisso público com o desenvolvimento cultural do país e com o bem-estar da população. Trata-se de uma compreensão da cultura como direito de cidadania. Direito de todos os brasileiros.
Criar, fazer e definir obras, temas e estilos é papel dos artistas e dos que produzem cultura. Escolher o que ver, ouvir e sentir é papel do público. Criar condições de produção, difusão, preservação e livre circulação, regular as economias da cultura, democratizar o acesso aos bens e serviços culturais, isso é papel do Estado.
Nesse contexto, nos chama atenção a reação inicial, digamos, estigmatizante, frente ao anteprojeto de lei que cria a Ancinav. "Xenófobo, autoritário, estalinista, burocratizante, centralizador, leviano, estatizante, dirigista, controlador, intervencionista, chavista e soviético". Estes foram alguns dos termos estampados na cobertura jornalística, que trouxe uma série de críticas sem embasamento em nossas reais propostas. Tentaram confundir regulação econômica com regulação artística e ameaça à liberdade de criação.
Num primeiro momento, ficamos sem chance de defesa, quase sem acesso aos meios de comunicação. A proposta de uma agência abrangente foi salva pelo carisma e pela legitimidade pública do ministro Gil, que pôs sua biografia em jogo - toda comprometida com a liberdade absoluta de criação - para provar que seu ministério não assinou e nunca vai assinar qualquer projeto que, mesmo de leve, venha a ser utilizado contra a liberdade de expressão.
Esse bombardeio causou danos à imagem da futura agência. Criou-se estigmas. Mas, apesar dos pesares, o fato deve ser visto com naturalidade. A mídia não partiu do nada. Havia um rascunho que suscitava problemas de interpretação. Depois, quando começaram a divulgar o que de fato estamos propondo, abriu-se um debate histórico, talvez um dos fatos mais relevantes da vida democrática brasileira.
Mas, deixando o passado em seu devido lugar, o debate ganhou a luz que merecia. Seria salutar para a democracia brasileira se todas as políticas públicas e questões do país pudessem ser amplamente cobradas e discutidas pelos meios de comunicação assim como está sendo a Ancinav.
Do palpite aos bastidores
O anteprojeto de lei propõe uma regulação econômica e amplia para todo o setor audiovisual a abrangência da regulação, hoje tratada apenas setorialmente. Na contramão de diversas experiências contemporâneas e bem sucedidas, o Brasil ainda possui leis e instituições defasadas em pelo menos 40 anos diante do cenário mundial.
A regulação vem, historicamente, no sentido de afirmar as nações como pólos produtores, e não apenas consumidores. Os Estados Unidos foram os primeiros: instituíram marco regulatório desde 1908, o que explica muito de seu domínio no mercado mundial. Thomas Edison convenceu o governo americano a impor barreiras ao cinema francês, majoritário na época, e virou o jogo no mercado interno. Décadas depois, já dominantes no mercado global, os americanos estabeleceram, internamente, cotas de tela para o conteúdo produzido pelas próprias empresas de tevê (limitando em até 30%).
A Itália e a Alemanha têm marco regulatório desde 1920. A França, desde 1946, e continua até hoje taxando seus ingressos (recursos que são investidos em mais filmes e salas de cinema). Na Índia, o setor audiovisual merece tratamento estratégico pelo Estado desde a libertação dos ingleses.
Em todos estes países, vigoram não apenas dispositivos regulatórios, mas também instituições abrangentes que tratam do audiovisual como uma economia integrada e convergente, acompanhando a evolução das novas plataformas tecnológicas.
Nesse cenário de transformações tecnológicas e econômicas, onde os países buscam rever e atualizar suas leis (de cinco em cinco anos, como no caso do Japão), o Brasil vive um anacronismo radical. Vinte anos de ditadura e pouco mais de uma década de liberalismo vulgar aumentaram a confusão e a dificuldade do estado brasileiro de se legitimar socialmente na criação de instituições e políticas efetivas de regulação.
Nossa legislação para o setor data do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 (portanto, de antes do golpe de 64) do Decreto-Lei de 1967 (portanto, em pleno período autoritário) e de outros acréscimos após a ditadura. É quase meio século de atraso, letargia e incapacidade de agir frente à nova realidade do setor. A mais recente lei para o assunto é de 1995, a chamada Lei do Cabo.
Quero chamar atenção para um fato crucial. Além de defasada e fragmentada, essa legislação dá conta apenas de uma dimensão: as concessões de espaço eletromagnético, autorizações de uso de antenas, infra-estrutura, redes, objetos regulados pela Anatel e pelo Ministério das Comunicações. A produção de conteúdos, circulação pelas diversas plataformas e suportes, assim como o acesso a esses conteúdos pela população, continuam órfãos de políticas.
A partir de agora, o desafio do País é se afirmar como sujeito produtor de suas imagens e narrativas, e não apenas como pólo de escoamento. A demanda por conteúdo, em todo mundo e no Brasil, irá crescer exponencialmente nos próximos anos. Diante da TV digital, da fusão entre tevê e internet e das novas janelas como o celular, o Brasil precisa se antecipar e se modernizar.
O Ministério da Cultura encontrou na sociedade um embrião de visão estratégica para o setor. Há tempos, representantes do audiovisual discutem e defendem a criação de uma agência regulatória com essa finalidade. Não é por acaso que esta já é a terceira iniciativa de se criar uma agência com essa abrangência; as outras duas se deram na gestão FHC.
Nos III e IV Congressos Brasileiros de Cinema (1998 e 2000), por exemplo, muitos dos cineastas, representantes da televisão, distribuião e exibição defenderam explicitamente não só a criação de uma agência regulatória, mas também muitas das taxas que hoje propomos. Taxas a serem recolhidas do setor e reinvestidas nos pontos que hoje impedem seu desenvolvimento.
Síndrome do Cangaceiro
Apenas por um ângulo imediato, é verdade que o cinema brasileiro vive um boom. Existe, de fato, um interesse renovado do povo brasileiro pelos nossos conteúdos audiovisuais. Mas estamos ainda longe de consolidarmos uma economia forte. Quase 92% dos nossos municípios não têm sequer uma sala de cinema. Ir ao cinema tornou-se uma experiência cara. Só 8% dos brasileiros têm esse privilégio. Nem sempre os filmes nacionais têm acesso ao DVD, ao vídeo e aos canais abertos e fechados de tevê.
O sucesso recente do cinema nacional trouxe novos espectadores e provou sua qualidade. Mas, nos bastidores, sabe-se que o sucesso internacional de um filme brasileiro rentabiliza, freqüentemente, a empresa estrangeira que o distribuiu. Trata-se de uma aliança entre as majors americanas e poucos produtores locais que lançam seus filmes sem capitalizar as produtoras nacionais.
Parece que sofremos ainda a "Síndrome do Cangaceiro". Grande sucesso internacional da empresa paulista Vera Cruz, nos anos 50, O Cangaceiro, de Lima Barreto, deu lucros, menos para quem o produziu. Tal fato colaborou com a falência deste que foi um dos maiores empreendimentos capitalistas (de risco efetivo) na atividade cinematográfica. A Vera Cruz emplacava seus sucessos, mas, nos bastidores, era aniquilada por um paradigma econômico injusto e predatório.
Convergência econômica e tecnológica
No setor audiovisual, o cenário econômico é de reordenamento e aumento da concentração. Grandes companhias, com tradição restrita na prestação de serviços de telecomunicação hoje fagocitam empresas de cinema, comunicação, jornalismo e entretenimento, formando conglomerados interessados em ocupar novos mercados nacionais.
São megaempresas que se aliam a seus Estados ricos de origem, ou a seus Estados pobres de destino, e atuam politicamente para derrubar o que elas chamam de barreiras. Lutam, em seus países, para flexibilizar leis anti-verticalização. Faz todo sentido. Para quem ocupa posição dominante no mercado mundial, o discurso neoliberal tem toda coerência, como postura ideológica e estratégica.
Na prática, todas as megacorporações contam com o apoio ostensivo de seus governos para defender as regras que melhor as beneficiem junto aos organismos intergovernamentais. E é preciso que se diga, isso é feito por intermédio de burocracias de Estado, altamente competentes e aguerridas, que utilizam para isso todos os recursos que dispõem.
Outro aspecto importante refere-se à televisão. Antes, o filme na sala escura era o rei da cultura de massas, hoje o posto é ocupado pelas tevês, que se tornaram um dos mais relevantes fatos culturais, talvez o mais importante do mundo. No Brasil, a tevê aberta reina quase que absoluta no mundo audiovisual. É, de certa forma, um absurdo que nenhum Ministro antes de Gilberto Gil tenha dado à televisão brasileira o reconhecimento que merece como agente cultural. A televisão é, como aponta o especialista Chris Barker, "a forma suprema de comunicação nas sociedades ocidentais"[1].
O cinema depende cada vez mais do vídeo e do DVD, da televisão aberta, da tevê a cabo, das telas dos celulares, enfim, de uma complexa teia de veiculação e distribuição de conteúdos audiovisuais. Hoje, mais de 70% da renda de um filme tende a se realizar fora das salas de exibição.
O futuro chegou com a revolução digital e trouxe, com ele, grandes oportunidades e novos modelos de negócio: a possibilidade de investimento das empresas telefônicas em conteúdos audiovisuais (para transmitir por celular, internet e novas janelas), por exemplo, poderá trazer robustos investimentos para produção de filmes e vídeos.
Reforçando a integração no plano econômico, a revolução digital vem avalizando mudanças de paradigmas. A pergunta a fazer agora é se o poder público terá mecanismos regulatórios para garantir o impulso democratizador inerente a essas mudanças tecnológicas.
De forma desregulada, essa revolução pode ter efeito contrário ao esperado. O país pode se fragilizar ao ignorar esta realidade. Tentar evitar a convergência tecnológica nos parece uma intenção vã e reacionária.
Nesse sentido, uma política pública eficiente precisa entender o audiovisual em sua dualidade de arte e mercado e em sua abrangência econômica. Daí a necessária transformação de uma Agência voltada apenas para o cinema para um órgão regulador que dê conta de todos os elos da cadeia da circulação e veiculação dos conteúdos audiovisuais, a Ancinav.
Incentivos
O anteprojeto também provocou polêmica por suas taxações. Uma das propostas que vem gerando resistência entre as empresas de televisão aberta é um artigo que fixa uma taxa sobre a compra de espaço publicitário em televisão, a ser paga pelos anunciantes.
A gratuidade da televisão brasileira só é viável porque existe a compra desse espaço, que move aproximadamente 15 bilhões/ano, apenas no Brasil. A cobertura jornalística deu espaço apenas às criticas sobre a taxa, sem qualquer menção sobre as razões e o destino dos recursos.
Quase nada se comentou sobre as vantagens dos incentivos fiscais apresentados no projeto. Propomos incentivos para aumentar a produção de teledramaturgia e outros conteúdos em parceria com os produtores independentes, assim como incentivos para os anunciantes de filme brasileiro na tevê. Tais mecanismos induzem um modelo contemporâneo de parceria público e privado.
Essas medidas serão capazes de gerar um recurso significativo que será devolvido ao mercado para fomentar a programação independente. Refiro-me a uma produção de baixo custo - e de qualidade - para as próprias tevês, que determinarão quando e onde exibir estes produtos. Qual é o drama, afinal? Talvez seja porque, na contramão das democracias contemporâneas, as tevês brasileiras não têm tradição de veicular produção independente nem de valorizar, através da produção regional, a diversidade cultural das várias regiões do Brasil.
Nosso sistema de produção televisiva é concentrado em grandes parques de produção, caros e centralizados em poucos pólos no eixo Rio-São Paulo. Do Oiapoque ao Chuí, quase tudo que 180 milhões de brasileiros consomem vem de meros cinco estúdios. Nossas tevês nunca adotaram um princípio democrático - capítulo das constituições de todo mundo, inclusive da brasileira - nem um modelo negocial bem-sucedido, já testado em diversos países.
Como reação ao projeto de lei que cria a Agência, as tevês têm dito que sua fatia de mercado vai muito bem, obrigada. Quem precisa de regulação, dizem, são o cinema e as empresas de serviços de telefonia. Na percepção das tevês, a transmissão de conteúdo via celular e internet deveria ser vetada ou submetida ao seu controle. Querem regulação para os outros, e não para si. As empresas de tevê combinam velhos temores e preconceitos com exigências de proteção e regulação do nosso mercado audiovisual.
Para que a televisão brasileira possa se manter como provedora de uma das melhores teledramaturgias do mundo - e para que este modelo se fortaleça e se amplie no Brasil para novos produtos e produtores - a Ancinav tem muito a contribuir.
Ao debate
O desafio de se construir uma agência reguladora não é apenas deste governo mas, sim, da nossa sociedade. A regulação do audiovisual é entendida na maioria dos países democráticos como pré-requisito importante - senão decisivo - para que uma nação soberana se afirme como tal.
É óbvio que um debate como esse envolve não apenas interesses públicos, mas fortes interesses corporativos e econômicos. Procuramos lançar as bases democráticas para a construção de uma política pública mais adequada à realidade e à correlação de forças em jogo.
O Ministério da Cultura não vem, como alguns têm dito, inventar a roda, mas modernizar o mercado audiovisual e reparar suas deficiências, assim como romper com certos ciclos viciosos. No entanto, a forma como esse processo vai se constituir faz parte de uma ampla discussão com a sociedade e representantes do setor audiovisual.
Não faremos nada por voluntarismo, mas pela demanda da sociedade. Estamos aqui para discutir e mediar os interesses do mercado e da sociedade. Esse é o nosso papel, a missão do Estado. Por isso, louvamos a disposição dos que têm vindo ao debate para aprimorar a nossa proposta e convocamos todos: quem vai fazer a Ancinav é o Brasil.
*Juca Ferreira é sociólogo e Secretário-Executivo do Ministério da Cultura.