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outubro 11, 2021
Lucas Arruda na Iberê Camargo, Porto Alegre
Lucas Arruda reúne em exposição, pela primeira vez em Porto Alegre, todas as pinturas da série Tudo te é falso e inútil, de Iberê Camargo
O artista Lucas Arruda, em colaboração com a curadora Lilian Tone, selecionou 49 obras do acervo da Fundação Iberê para a mostra Iberê Camargo: Tudo te é falso e inútil, que abrirá paralelamente à Lucas Arruda: Lugar sem lugar, no próximo sábado, 2 de outubro. A seleção, que gira em torno da série que dá nome à exposição, destaca obras dos últimos anos da carreira do pintor, incluindo 14 pinturas e 35 guaches e desenhos realizados entre os anos 1990 e 1994.
A série, finalizada um ano antes de Iberê falecer, é considerada um dos momentos mais memoráveis de sua obra e tem especial importância para outros artistas. As cinco pinturas que integram o conjunto, sendo uma delas proveniente de uma coleção particular, serão apresentadas juntas, pela primeira vez, na instituição que leva o nome do artista.
Entre 1992 e 1993 Iberê, já diagnosticado com câncer, realiza a série Tudo te é falso e inútil. Os elementos trabalhados até aquele momento, como os carretéis, as bicicletas e os manequins surgem, agora, como testemunhos de um tempo, imobilizados na memória e anunciando o fim.
Desde o primeiro encontro de Lucas Arruda com esta série de Iberê, há seis anos, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, ela se tornou uma forte referência para seu trabalho. O artista voltou repetidas vezes à exposição para ver as pinturas: “O que mais me impressionou, nessa série, foi o perfeito alinhamento entre a execução e o assunto do trabalho. O drama daquelas imagens não reside somente no conteúdo, mas em como Iberê as construiu, no modo como a tinta é posta e raspada, riscada, depositada e removida múltiplas vezes, resultando na fantasmagoria das figuras. A angústia do tema é expressa na própria carne da pintura. Parece existir uma ansiedade no fazer estreitamente conectada ao assunto, o que traz uma potência muito grande para o trabalho. Essa qualidade da pintura do Iberê foi uma das coisas que mais me chamou a atenção”, destaca.
Em Tudo te é falso e inútil, aponta Arruda, “Iberê tenta captar esse momento em que as coisas perdem sentido”. No entanto, a despeito da atmosfera distópica, “da evidente falta de otimismo manifesta nas pinturas”, acrescenta, “é notável a capacidade desse trabalho de gerar um consolo à inquietação existencial do ser humano”.
Texto de Lilian Tone sobre a obra de Lucas Arruda
Construídas a partir de camadas de tinta sobrepostas, escovadas, arranhadas, esfregadas, por vezes as pinturas de Lucas Arruda invocam o gênero paisagem usando tão somente a sugestão de uma linha de horizonte. É ela, afinal, que constitui o recurso fundamental da tradição pictórica, uma espécie de menor denominador comum paisagístico. Como espectadores, tendemos a atribuir sentido a qualquer marquinha num espaço aberto, a imediatamente interpretar uma linha horizontal como um horizonte, a enxergar nuvens nas mudanças de direção de pinceladas, ou a ver um chão de terra numa camada grossa de impasto. As pinturas realizadas por Arruda nos permitem ver, ao mesmo tempo, um pouco além da abstração e antes da figuração.
Pode-se dizer, grosso modo, que Lucas Arruda vem há uma década depurando de maneira quase ritualística um mesmo tema: a ideia de paisagem como construção do olhar. Os trabalhos da série Deserto-Modelo sugerem lugares desprovidos de referências geográficas, mas que se edificam na memória, evocando vistas da natureza, marinhas, e de matas. Muito embora nossa experiência diante dessas obras seja permeada por associações pessoais, narrativas indiretas e conotações artísticas históricas, elas nos falam, sobretudo, do fenômeno sensual e sensorial da pintura. Entre as pinturas recentes estão monocromos, elaborados a partir de sucessivas camadas de tinta, ao longo de vários meses, e que deixam ver o suporte do linho nas bordas.
A insistente frontalidade, a linha do horizonte e a paleta contida de Arruda permeiam os diversos trabalhos aqui reunidos, que abrangem quatorze anos da produção: desde pinturas iniciais até as realizadas neste ano, como também o vídeo e a instalação de luz presentes na mostra. São trabalhos silenciosos, caracterizados por uma luminosidade insólita e sutil que se revela aos poucos, recompensando uma observação prolongada. Entre o devaneio e a qualidade tátil da aplicação da tinta, fica evidente a habilidade extraordinária de Arruda como pintor. A incansável experimentação pictórica de suas pinturas é comovente, especialmente quando observadas ao vivo.