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setembro 24, 2021

Vício impune: o artista colecionador na Millan + Raquel Arnaud, São Paulo

A Galeria Millan e a Galeria Raquel Arnaud têm o prazer de apresentar a exposição coletiva Vício impune: o artista colecionador, com curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro. A mostra reunirá, nos espaços das duas galerias, uma seleção de nove artistas representados, ao redor do diálogo entre seus trabalhos e coleções. Dentre os artistas colecionadores, estão: Artur Barrio (Porto, Portugal, 1945), Iole de Freitas (Belo Horizonte, MG, 1945), Paulo Pasta (Ariranha, SP, 1959), Sérgio Camargo (Rio de Janeiro, RJ, 1930 — 1990), Tatiana Blass (São Paulo, SP, 1979), Thiago Martins de Melo (São Luís, MA, 1981), Tunga (Palmares, PE, 1952 – Rio de Janeiro, RJ, 2016), Waltercio Caldas (Rio de Janeiro, RJ, 1946) e Willys de Castro (Uberlândia, MG, 1926 — São Paulo, SP, 1988).

[scroll down for English version]

Desenvolvida ao longo dos últimos anos, a pesquisa de Pérez-Barreiro sobre o colecionismo encontra no contexto desta mostra um campo de análise, em que o espectador é convidado a compreender as nuances de diferentes relações entre artistas colecionadores e suas coleções. Em seus mais diversos modelos, as práticas de coletar e colecionar mostram-se singulares em cada um dos nove casos apresentados e essenciais para a compreensão de cada produção artística em sua complexidade. Segundo o curador, “as coleções dos artistas podem nos dizer não apenas sobre sua própria prática: o que eles vêem no trabalho de outros que os impacta, mas também estão frequentemente na vanguarda de reconhecer e valorizar fenômenos antes subestimados”. Foi com esse propósito que ambas galerias decidiram realizar a exposição.

Esculturas e relevos de Sérgio Camargo são expostas ao lado de parte de sua vasta coleção de pinturas de Hélio Melo (Vila Antinari, AC, 1926 — Goiânia, GO, 2001), seringueiro, artista e compositor autodidata. O contraste entre as pinturas fantásticas de Melo e a estética construtiva de Camargo traz à tona uma nova abordagem sobre este artista já consolidado na história da arte brasileira, assim como revela a permeabilidade entre movimentos e tendências.

Uma escultura de Willys de Castro — cuja frase publicada em artigo empresta título à exposição — é exibida próxima à sua coleção de arte indígena, uma dentre tantas que o artista preservou e estudou. Com trabalhos de arte plumária e cestarias amazônicas, o conjunto montado nos anos 1970 e 1980 revela um outro lado de seu fascínio pelas formas e padrões geométricos, desdobrados em diversos níveis da percepção ao longo de sua produção.

Em diversos contextos, as coleções evidenciam interesses e obsessões singulares, como é o caso de Waltercio Caldas e sua afeição pelo formato do livro e seus desdobramentos em uma coleção de livros de artistas, trabalhos que discutem possibilidades a partir desta formação primária. Em paralelo, o interesse de Artur Barrio pelo mergulho foi a razão que impulsionou sua coleção de 3 mil grãos de areia, iniciada em 1983, em que cada grão é o registro de um mergulho realizado. A busca pelo registro de cada situação vivida é não somente essencial, para Barrio, mas também para o desenvolvimento de sua produção artística — daí figuram suas séries Situações e Registros. Cada grão de areia que compõe esta coleção demonstra, entretanto, que a busca pelo registro da experiência extrapola, em Barrio, o trabalho de arte e está presente em outras esferas de sua vida.

Conjuntos criados por artistas colecionadores podem, em muitos casos, representar rastros afetivos de suas relações pessoais. A coleção de Tatiana Blass, composta por trabalhos de seu tio-avô, Rico Blass (Breslau, Alemanha, 1908 — s.d.), desafia-nos a questionar em que medida essas relações se estabelecem como intercâmbios diretos ou indiretos. O mesmo ocorre à vista do trabalho inédito e instalativo de Thiago Martins de Melo e de sua coleção de desenhos de amigos também artistas. Os conjuntos de Martins de Melo e Blass fazem saltar aos olhos a potência afetiva do ato de guardar e os desdobramentos subjetivos deste ato em suas escolhas formais.

As pinturas de Paulo Pasta estão em diálogo com uma coleção de alguns de seus mestres: Mira Schendel (Zurique, Suíça, 1919 — São Paulo, SP, 1988), Alfredo Volpi (Lucca, Itália, 1896 – São Paulo, SP, 1988) e Amilcar de Castro (Paraisópolis, MG,1920 — Belo Horizonte, MG, 2002), em uma troca potente entre grandes nomes da arte brasileira. De maneira semelhante, opera a relação entre Iole de Freitas e sua guarda de desenhos e decalques inéditos de Tarsila do Amaral, em que se delineiam os caminhos metodológicos das célebres pinturas da segunda artista. Processo e método estabelecem-se aqui em seus rastros, passíveis de serem compartilhados entre práticas de diferentes gerações.

A coleção de um artista é capaz de revelar traços de reflexões latentes que conduziram a suas práticas e a poéticas. Nesse sentido, as obras de Tunga apresentam-se neste eixo de interlocução com sua coleção de trabalhos dadaístas e surrealistas franceses — entre eles, quatro gravuras de Marcel Duchamp (Blainville-Crevon, França, 1887 – Neuilly-sur-Seine, França, 1968). Dentre os trabalhos de Tunga, além de seus desenhos, está também a instalação Evolution (2007), realizada a partir do emprego da mesma linguagem da instalação/performance Laminated Souls, exibida entre 2007 e 2008 no MoMA P.S. 1, em Nova York.


Galeria Millan and Galeria Raquel Arnaud are pleased to present the group show Vício impune: o artista colecionador [Harmless Vice: the Artist as Collector], curated by Gabriel Pérez-Barreiro. The exhibition will include a selection of nine represented artists, at both gallery spaces, around how their works and art collections dialogue with each other. The artist-collectors include: Artur Barrio (Porto, Portugal, 1945), Iole de Freitas (Belo Horizonte, Brazil, 1945), Paulo Pasta (Ariranha, Brazil, 1959), Sérgio Camargo (Rio de Janeiro, Brazil, 1930 - 1990), Tatiana Blass (São Paulo, Brazil, 1979), Thiago Martins de Melo (São Luis, Brazil, 1981), Tunga (Palmares, Brazil, 1952 – Rio de Janeiro, Brazil, 2016), Waltercio Caldas (Rio de Janeiro, Brazil, 1946) and Willys de Castro (Uberlândia, Brazil, 1926 - São Paulo, Brazil, 1988).

The research that Pérez-Barreiro has carried out in recent years around art collecting finds a field of analysis within the context of this exhibition, where the viewer is invited to understand the nuances of different relationships between artists who collect art and their collections. With varying models, the practice of collecting is unique in each of the nine cases presented and essential for understanding each artistic production in its complexity. According to the curator, “The artists' collections can tell us not only about their own practice: What they see in the work of others that impacts them, but they are also often at the forefront of recognizing and valuing previously underestimated phenomena.” For this purpose, the two galleries have come together to present this exhibition.

Sculptures and reliefs by Sérgio Camargo are exhibited at Galeria Millan alongside part of his vast collection of paintings by Hélio Melo (Vila Antinari, Brazil, 1926 — Goiânia, Brazil, 2001), a rubber tapper, artist and self-taught composer. The contrast between Melo's fantastic paintings and Camargo's constructive aesthetics brings out a new approach to this well-established Brazilian artist and reveals the permeability between movements and trends.

The title of the exhibition -Vício impune - was an expression used by Willys de Castro to describe the practice of art collecting in an article published in Arte Vogue, in May 1977. In the exhibition, one sculpture by Castro are displayed alongside his collection of indigenous art, one among many that the artist has conserved and studied. With feather art and Amazonian basketwork, the set from the 1970s and 1980s reveals another side of his fascination for geometric shapes and patterns, which unfold at different levels of perception throughout his production.

With different contexts, each collection shows singular interests and obsessions, as is the case of Waltercio Caldas and his affection for the book format, resulting in a collection of books by artists, works that discuss possibilities based on this primary education. In parallel, Artur Barrio's interest in diving was what boosted his collection of 3 thousand grains of sand, starting in 1983, in which each grain of sand represents one dive taken. This quest to register experiences is essential for the development of Barrio’s artistic production; it is what gives rise to his series Situações and Registros. Each grain of sand that makes up this collection shows, however, that the idea of registering each experience goes beyond the work of art for Barrio and is present in other spheres of his life.

Sets created by artist-collectors can, in many cases, represent affective traces of their personal relationships. Tatiana Blass' collection, comprised of works by her great uncle, Rico Blass (Breslau, Alemanha, 1908 - n.d.), challenges us to question the extent to which these relationships are established as direct or indirect exchanges. The same occurs in view of Thiago Martins de Melo's installation work and his collection of desenhos de amigos, drawings by friends who are also artists. The sets by Martins de Melo and Blass make the affective power of the act of saving things and the subjective consequences of this act in their formal choices stand out.

Paulo Pasta's paintings are in dialogue with a collection of some of his masters: Mira Schendel (Zurich, Switzerland, 1919 - São Paulo, Brazil, 1988), Alfredo Volpi (Lucca, Italy, 1896 – São Paulo, Brazil, 1988) and Amilcar de Castro (Paraisópolis, Brazil,1920 - Belo Horizonte, Brazil, 2002), in a potent exchange between great names in Brazilian art. Similarly, it operates the relationship between Iole de Freitas and her collection of never-before-seen transfers by Tarsila do Amaral, in which the methodological paths of the latter artist's famous paintings are delineated. Process and method are established here in their traces, capable of being shared between practices of different generations.

An artist's art collection is capable of revealing traces of latent reflections that led to their practices and poetics. In this sense, Tunga's works are presented in dialogue with his collection of French Dada and Surrealist works – among them, four engravings by Marcel Duchamp (Blainville-Crevon, France, 1887 – Neuilly-sur-Seine, França, 1968). Among Tunga's works, in addition to his drawings, is also the installation Evolution (2007), made using the same language as the installation/performance Laminated Souls, on view at MoMA P.S. 1, in New York, in 2007 and 2008.

Posted by Patricia Canetti at 5:10 PM