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setembro 18, 2021
Arte Atual: Ana Lira, Helen Salomão e Laís Amaral no Tomie Ohtake, São Paulo
Neste ano de 2021, o Arte Atual – programa do Instituto Tomie Ohtake iniciado em 2013 que visa promover projetos experimentais e novos debates sobre arte contemporânea –, foi reformulado a fim de abarcar uma produção mais plural e com procedências das mais diferentes regiões do país. Esta edição conta com um grupo de fomentadoras que decidiu apoiar a pesquisa de jovens artistas mulheres, promovendo a pesquisa e a difusão de suas produções. Trata-se da Aliança Tomie Ohtake que tem em seu cerne o comprometimento com a cultura e a visibilidade da produção de mulheres, levando adiante o legado da artista Tomie Ohtake e de seu Instituto.
A 9ª edição do Programa Arte Atual, intitulada "Somos aquelas que permeiam o abismo em busca das frestas", com curadoria de Priscyla Gomes, faz alusão a um dos trechos do poema Espreita da artista visual Ana Lira. A escolha do poema é fruto de uma série de conversas entre a curadoria, a artista pernambucana, a fotógrafa baiana Helen Salomão e a carioca Laís Amaral. “O poema aglutina pautas comuns que permeiam os trabalhos dessas artistas, bastante vinculadas com a escrita e a produção poética, e que exploram nas suas articulações, a fotografia, a pintura, os conceitos de vivência e coletividade, a afetividade, a memória e o legado colonial”, destaca a curadora.
Segundo Priscyla Gomes ainda, permear o abismo e encontrar frestas evidencia alguns dos desafios constantes de suas práticas, muitas vezes cerceadas pelos condicionantes e hierarquias impostos pela sociedade patriarcal e visões canônicas da Arte. “As produções contidas na mostra são fruto das potências disruptivas dessas artistas afirmando-se sujeitas dos próprios discursos e de suas histórias”, completa. Os trabalhos apresentados, nas palavras da curadoria, trazem “uma profunda articulação entre corpo, voz, prática, coletividade e ética.”
A mostra também busca refletir como é possível retomar espaços de coletividade no contexto pandêmico. “A ocupação das salas expositivas, após esse longo período de quietude e exílio fadado pelo abismo da pandemia que nos assola, é um chamado coletivo à vida e a novos caminhos. Por intermédio de seus trabalhos, Ana Lira, Helen Salomão e Laís Amaral abrem frestas pulsantes e contundentes para novas perspectivas decoloniais da prática artística.”
ANA LIRA
Caruaru, Pernambuco, 1977. Vive e trabalha em Recife.
Ana é artista visual, fotógrafa, curadora, rádio host, escritora e editora baseada em Recife (PE - Brasil). É especialista em teoria e crítica de cultura. Observa a (in)visibilidade como forma de poder e dedica atenção a dinâmicas envolvendo sensibilidades cotidianas. Sua prática é baseada em processos coletivos e parcerias, tendo trabalhado com eles por mais de duas décadas. Nestas iniciativas dedica-se a fortalecer práticas colaborativas de criação que observam as entrelinhas das relações de poder que afetam nosso processo de comunicação, as articulações do cotidiano e a forma como produzimos conhecimento no mundo. É integrante da coletiva EhCho.org, da Nacional Trovoa e do Carni - Coletivo de Arte Negra e Indígena. Nesta mostra, Ana apresenta os trabalhos Numbra (2018), Território (2021) e Chama (2017-2021). Destaque no seu conjunto, Chama aborda uma experiência dedicada a expressões e a estéticas da diáspora, tanto dos povos negrodescentes, quanto povos originários da América. Mapeando articulações desta diáspora, seja ela na música, dança, poemas e na costura.
HELEN SALOMÃO
Salvador, Bahia, 1994. Vive e trabalha em São Paulo.
Fotógrafa documental, retratista e poetisa, Helen Salomão constrói pontes para o protagonismo negro por meio da fotografia. Iniciou seu percurso na fotografia como autodidata, buscando traduzir sua realidade e seu cotidiano. Sua produção fotográfica é lida, pela artista, como um processo de cura, de modo que os corpos aos quais retrata passam a ter o protagonismo da sua própria história. Tendo como uma de suas investigações a beleza de mulheres e homens pretos, a fim de exaltar esse poder, a artista retrata uma periferia sem sangue - na contramão dos estereótipos que usualmente recaem sobre o cotidiano dessas periferias. Sua produção explora de maneira contundente e primorosa luzes e contrastes, a fim de vibrar a diversidade de tons da pele preta e pluralidade de corpos, principalmente o feminino. Recorrentemente, Helen busca traduzir as diversas formas de afeto por intermédio de suas imagens. Suas imagens trazem uma miríade de corpos que se encontram nos toques mais sutis e deixam expressas também as marcas do tempo em suas peles e feições. A mostra apresenta retratos produzidos entre 2017 a 2021, muitos deles feitos em Salvador, trazendo recorrentemente temas como o feminino, a espiritualidade e a ancestralidade. Helen apresenta também o curta inédito Raízes Mapas em que explora as tranças como símbolo de resistência, sabedoria ancestral e afeto.
LAÍS AMARAL
São Gonçalo, Rio de Janeiro, 1993. Vive e trabalha no Rio de Janeiro.
Artesã e artista, Laís Amaral é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (2017) e co-fundadora do movimento Trovoa. Dedica-se principalmente à pintura e, atualmente, também à produção escultórica. Em sua pesquisa, Laís compara o contexto de desertificações ambientais em territórios brasileiros com o projeto de embranquecimento da população - um projeto ainda amalgamado na estrutura social brasileira, em âmbito político, econômico e cultural. Sua pesquisa incorpora a artesania e a fatura da bijuteria como elementos e práticas de seus processos. Na concepção de Laís, o gesto de pintar é nomeado como um vazar, denominação esta que faz referência aos movimentos da natureza e de “umedecer as formas de existir”. Para esta exposição, Laís apresenta trabalhos recentes, realizados entre 2020 e 2021. O conjunto explicita a relação entre a pintura e a fatura de suas bijuterias, nas quais as incisões na tinta acrílica desenham e modelam o espaço pictórico.
PROGRAMA ARTE ATUAL
Criado pelo Instituto Tomie Ohtake em 2013, o Arte Atual busca alimentar pesquisas artísticas experimentais, para criar possibilidades de aprimorar e enriquecer a pesquisa de cada participante. Para isso conta com a parceria de galerias para a produção das obras, desenvolvidas por meio de diálogos entre a equipe curatorial do Instituto Tomie Ohtake e os artistas convidados. O programa já contabilizou oito exposições: Estranhamente Familiar (2013); Medos Modernos (2014); E se quebrarem as lentes empoeiradas? (2015); Da banalidade (2016); É como Dançar sobre Arquitetura (2017), Fábula, frisson, melancolia (2017), Fratura (2018) e Jamais me olharás lá de onde te vejo (2019).