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julho 2, 2021
Erika Verzutti no Masp, São Paulo
Mostra é a primeira da artista paulistana em um museu brasileiro e reunirá 79 trabalhos produzidos entre 2003 e 2021; exposição integra o eixo temático das Histórias brasileiras
O MASP abre, em 2 de julho, a exposição Erika Verzutti: a indisciplina da escultura, com curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP, e André Mesquita, curador no MASP. A mostra faz parte do biênio das Histórias brasileiras, que irá guiar a programação do museu em 2021 e 2022. Neste ano, todas as exposições do museu serão de artistas mulheres: Conceição dos Bugres, Maria Martins, Gertrudes Altschul, Ione Saldanha, Ana Pi, grupo Teto Preto, Regina Vater, Zahy Guajajara e Dominique Gonzalez-Foerster, além de Verzutti.
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“Dentro do ciclo curatorial das Histórias brasileiras, o trabalho de Verzutti vem para aprimorar o pensamento e o lugar da escultura no campo da produção brasileira atual. Por meio dessa exposição, queremos produzir novas leituras sobre a produção da artista”, afirma Mesquita.
“Mais do que dar respostas definitivas sobre os efeitos dessas histórias brasileiras, o trabalho de Verzutti traz associações inusitadas de referências que partem do nosso cotidiano e da cultura em geral, desde o seu diálogo com obras de artistas como Tarsila do Amaral até seu interesse em trazer nas esculturas as formas de elementos encontrados na natureza (como vegetais e frutas) tão elementares ao contexto brasileiro. Em trabalhos mais recentes, especialmente seus relevos de parede, Verzutti aponta poeticamente por meio dos títulos de seus trabalhos para condições sociais e políticas atravessadas nos país, como no caso de trabalhos feitos em 2020, A Guerra do Brasil, A Era da Inocência acabou e Esperança equilibrista”, completa o curador.
A abertura de Erika Verzutti: a indisciplina da escultura coincide com a da Sala de Vídeo: Regina Vater. Nela, a instalação Conselhos de uma lagarta (1976), de Regina Vater, uma das pioneiras da videoarte no Brasil, será remontada. Neste trabalho, um dos mais icônicos da artista, Vater intercala sua imagem, filmada durante meses no mesmo ponto de sua casa, com trechos do livro Alice no país das maravilhas em que a protagonista e a lagarta conversam sobre a passagem do tempo e as transformações do corpo. Ademais, serão mostrados os dois vídeos da série ART (1978), Vídeo ART e ARTropophagy, da fase conceitual da artista. A curadoria é de Guilherme Giufrida, curador-assistente, comunicação e marketing, MASP.
No MASP, a exposição de Verzutti irá reunir 79 trabalhos, entre esculturas e relevos de parede, produzidos entre 2003 e 2021 – a obra Torre de cacau é inédita, desenvolvida por ela em 2021. O trabalho escultórico de Verzutti cria associações entre elementos reais e objetos cultuados como símbolos ancestrais e de valor ritualístico, flertando com a arqueologia, a monumentalidade das esculturas totêmicas e as formas orgânicas da natureza e dos corpos. Para produzir suas esculturas, a artista utiliza materiais diversos como papel machê, bronze, plástico, gesso, cimento e isopor.
“Realizar esta exposição no MASP neste momento traz emoções fortes e complexas: o MASP foi o primeiro museu de arte que visitei e onde nunca sonhei ter uma mostra. É uma sensação de reconhecimento do meu trabalho e, ao mesmo tempo, está presente a inquietude do momento em que vivemos no Brasil. A percepção de que metros acima das esculturas, o museu é ponto de encontro para as manifestações do povo por causas muito urgentes”, declarou a artista.
Verzutti, que completou 50 anos em 2021, nasceu e vive em São Paulo. É graduada em desenho industrial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1991), com um mestrado em Fine Arts pela Goldsmiths – University of London. Verzutti também participou de cursos livres ministrados por artistas como Leda Catunda, Carlito Carvalhosa e Sérgio Romagnolo.
Os trabalhos de Verzutti apresentam-se em uma linha tênue entre a realidade e a ficção. Suas obras fazem referência direta a outros artistas, por meio de títulos, forma ou conceito, e, simultaneamente, dialogam com o cotidiano das novelas, tutoriais na internet e vídeos nas redes sociais. Daí vêm a indisciplina, segundo Mesquita, que inspirou o nome da exposição. Tudo que está ao redor dela torna-se referência, mas sem nenhum tipo de hierarquia.
Além disso, “embora ela dialogue com preceitos fundamentais da escultura, como a sensorialidade e a forma, ela consegue reatualizar tal prática, apresentando, por exemplo, a abstração em elementos da natureza, causando no espectador uma estranheza. Verzutti convida para um olhar mais atento para suas esculturas, que não podem ser decifradas de cara, e convida também para um mergulho interno na busca por respostas”, diz Mesquita.
Para dar conta de tantas referências, a exposição no MASP estará dividida em sete núcleos. Devir-animal reunirá as esculturas dos animais de Verzutti. Nele, estarão obras como Cisne com pincel (2003-12), na qual um cisne equilibra sua cabeça em um pincel que se dobra pela pressão aplicada pelo pescoço, e Cisne com martelo (2013). Nela, há um martelo no lugar do pincel anterior, que exibe a frase: “a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo”, do poeta russo Vladímir Maiakóvski (1893-1930).
Em Vereda tropical serão apresentadas as esculturas articuladas com base em elementos encontrados na natureza, como plantas, frutas, pedras e minerais, enfatizando a união ou organização desses elementos em termos ritualísticos ou como objetos carregados de memória. Alguns exemplos são Tartaruga moderna (2007), um abacaxi de bronze com patas de massa de modelar que remete ao réptil, e Cemitério com franja (2014), que acumula sobras de trabalhos não usados de esculturas de pepinos, ovos, abóboras e jacas encontradas em seu ateliê e unidos por paralelepípedos. Do modo como são ordenados, passam a impressão de artefatos descobertos em um sítio arqueológico.
O núcleo Metáfora do mundo traça relações de afinidade com os outros dois núcleos da mostra já citados aqui. O elemento principal das esculturas expostas é a presença do ovo como um objeto renovado em diversas obras e como metáfora do mundo. Nele, estará, por exemplo, Egg tower [Torre de ovo] (2013), que faz referência às estruturas modulares da coluna infinita do romeno Constantin Brancusi (1876-1957).
Já Totemizar o tabu conecta grupos de esculturas que impactam pela força do feminino, da sexualidade e do erotismo. Fará parte deste núcleo a escultura Venus #Freethenipple (2017), que esteve na exposição coletiva Histórias da sexualidade (MASP) e pertence à coleção do museu. Ela contempla a reivindicação do discurso ativista de igualdade de gênero e da imagem do mamilo feminino como potência, e não como tabu, comumente atacado como algo escandaloso e quase sempre censurado pela onda sexista nas redes sociais e nas ruas.
Modernismo selvagem será composto por uma famosa família de esculturas feitas em bronze de Verzutti e em forma de jaca. Elas receberam o nome de Brasilia e propõem uma captura intuitiva das linhas e dos planos associados à arquitetura dos edifícios de Oscar Niemeyer (1907-2012) e Lúcio Costa (1902-1998). “Quando fiz o primeiro corte”, conta a artista, “senti como se estivesse atacando algo selvagem. Pensei que essa era uma imagem bem da arquitetura brasileira, aquele corte exato, moderno!”
Sob o sol de Tarsila (e outras histórias) baseia-se nas tramas e conexões entre o trabalho de Verzutti e referências a obras de artistas canonizados pela história da arte. Ela revisita esses artistas fazendo um movimento que consiste em deslocar, recombinar ou transmutar as cores e elementos visuais dessas obras, emaranhando e profanando os fios entre histórias da arte, natureza e fenômenos contemporâneos. Por meio de Verzutti, estarão lá as formas de Tarsila do Amaral (1886-1973) e Maria Martins (1894-1973), as cores de René Magritte (1898-1967), os relevos de Sérgio Camargo (1930-1990), e outros.
Estranho-familiar é o núcleo que organiza a produção mais recente da artista com seus híbridos entre pintura e escultura, criados entre 2011 e 2020, e denominados “relevos de parede”. É o caso de Esperança equilibrista (2020), feita durante a pandemia, cujo título evoca o trecho da letra de “O bêbado e o equilibrista” (1979), música composta por João Bosco e Aldir Blanc (1946-2020) e interpretada por Elis Regina (1945-1982).
CATÁLOGO
A publicação com versões em português e inglês terá 256 páginas e estará disponível para venda na inauguração da mostra, na loja física do MASP e pelo site do museu. O catálogo incluirá textos de André Mesquita, curador da mostra, Fernanda Brenner, Dorota Biczel, Paulo Herkenhoff e Ruba Katrib, que trazem leituras inéditas do trabalho da artista.
The exhibition is the first by the artist from São Paulo in a Brazilian museum and will bring together 79 oeuvres produced between 2003 and 2021; the show is part of the thematic axis of Brazilian Histories
On July 2, MASP opens the exhibition Erika Verzutti: the indiscipline of sculpture, curated by Adriano Pedrosa, artistic director, MASP, and André Mesquita, curator, MASP. The show is part of the biennium of Brazilian Histories, which will guide the museum’s program throughout 2021 and 2022. This year, all of the museum’s exhibitions will be by female artists: Conceição dos Bugres, Maria Martins, Gertrudes Altschul, Ione Saldanha, Ana Pi, Teto Preto group, Regina Vater, Zahy Guajajara, and Dominique Gonzalez-Foerster—besides Verzutti.
“Within the curatorial cycle of Brazilian Histories, Verzutti’s work comes to improve the thinking and place of sculpture in the field of current Brazilian production. Through this exhibition, we want to enable new readings of the artist’s production”, says Mesquita.
“Rather than giving definitive answers about the effects of those Brazilian histories, Verzutti’s work brings unusual associations of references from our daily lives and culture in general. Her sculptures dialogue with works by artists such as Tarsila do Amaral and include the forms of elements found in nature (such as vegetables and fruit)—so elementary to the Brazilian context. In more recent oeuvres, especially her wall reliefs, Verzutti works’ titles poetically draw attention to social and political conditions experienced by the country, as in the case of her 2020 works A Guerra do Brasil, A Era da Inocência Acabou, and Esperança Equilibrista [Funanbulist’s Hope]”, adds the curator.
The opening of Erika Verzutti: the indiscipline of sculpture coincides with that of the Video Room: Regina Vater, where there will be a new display of the installation Conselhos de uma lagarta (1976) by Regina Vater, one of the artist’s most iconic works. In this installation—a pioneer of video art in Brazil—Vater intersperses her image, filmed for months in the same spot in her house, with excerpts from the book Alice in Wonderland, in which the protagonist and the caterpillar talk about the passage of time and transformations of the body. The two videos from the ART series (1978), Video ART and ARTropophagy, from the artist’s conceptual phase, will also be shown. The curator is Guilherme Giufrida, assistant curator and member of MASP’s communication and marketing department.
Verzutti’s exhibition at MASP will bring together 79 oeuvres, among sculptures and wall reliefs, produced between 2003 and 2021—Torre de cacau, developed in 2021, has never been shown before. Verzutti’s sculptural work creates associations between real elements and objects worshiped as ancestral symbols of ritualistic value, flirting with archeology, the monumentality of totemic sculptures, and the organic forms of nature and bodies. The artist uses different materials such as papier-mâché, bronze, plastic, plaster, cement, and EPS foam to produce her sculptures.
“Holding this exhibition at MASP at this moment raises strong and complex emotions: MASP was the first art museum I ever visited, and I never dreamed of having an exhibition there. It is a feeling of recognition for my work and, at the same time, the restlessness of the moment we live in Brazil is there—the perception that, just a few meters above the sculptures, the museum is a meeting point for people’s demonstrations for very urgent causes”, declared the artist.
Verzutti, who turned 50 in 2021, lives in São Paulo, where she was born. She holds a degree in industrial design from Universidade Presbiteriana Mackenzie (1991) and a Master of Fine Art from Goldsmiths – University of London. Verzutti also participated in open courses taught by artists such as Leda Catunda, Carlito Carvalhosa, and Sérgio Romagnolo.
Verzutti's works stand in a fine line between reality and fiction. Her works make direct reference to other artists through titles, form or concept, and simultaneously dialogue with the daily life of soap operas, Internet tutorials, and social media videos. Everything around her becomes a reference, but without any hierarchy. Hence the indiscipline that, according to Mesquita, inspired the name of the exhibition.
Moreover, “although she dialogues with fundamental precepts of sculpture, such as sensoriality and form, she manages to update this practice and unsettle the public by presenting, for example, abstraction in elements of nature. Verzutti invites us to take a closer look at her sculptures, which one cannot decipher right away, and also invites us to delve into the search for answers,” says Mesquita.
In order to account for so many references, the exhibition at MASP will be divided into seven nuclei. Devir-animal will gather Verzutti’s animal sculptures. It will feature works such as Cisne com pincel (2003-12), in which a swan balances its head on a brush that bends under the pressure of its neck, and Cisne com martelo [Swan with Hammer] (2013). In it, a hammer replaces the brush and reads the phrase: “art is not a mirror to reflect the world, but a hammer with which to forge it,” by Russian poet Vladimir Mayakovski (1893-1930).
In Vereda Tropical, articulated sculptures based on elements found in nature, such as plants, fruits, stones, and minerals, will be presented, emphasizing the union or organization of these elements in ritualistic terms or as objects charged with memory. Some examples are Tartaruga Moderna [Turtle Modern] (2007), a bronze pineapple with modeling clay legs that resembles the reptile, and Cemitério com franja [Cemetery with Fringe] (2014), which accumulates leftovers from unused sculptures featuring cucumbers, eggs, pumpkins, and jackfruit found in her studio and combined with cobblestones. Their disposition reminds us of artifacts discovered in an archaeological site.
The third nucleus of the exhibition, Metáfora do Mundo, draws affinities with the previous two. The main element of this display is the presence, in several works, of the egg as a renewed object—as a metaphor for the world. They include, for example, Egg tower (2013), which references the modular structures of the infinite column by the Romanian artist Constantin Brâncuși (1876-1957).
Totemizar o tabu, on the other hand, connects groups of sculptures that impact through the strength of the feminine, sexuality, and eroticism. The sculpture Venus #Freethenipple (2017), which was in the collective exhibition Histories of sexuality (MASP) and belongs to the museum’s collection, will be part of this nucleus. It contemplates the activist discourse’s claim for gender equality and the image of the female nipple as potency rather than a taboo commonly attacked as something scandalous and almost always censored by the sexist wave on social media and in the streets.
Modernismo selvage will be composed of a famous family of bronze, jackfruit-shaped sculptures by Verzutti. They were named Brasilia and propose an intuitive capture of the lines and plans associated with Oscar Niemeyer’s (1907-2012) and Lúcio Costa’s (1902-1998) architecture. “When I made the first cut,” says the artist, “I felt like I was attacking something wild. I thought this was a very good image of Brazilian architecture, that precise, modern cut!”
Sob o sol de Tarsila (e outras histórias) draws on the plots and connections between Verzutti’s work and references to works by artists canonized by art history. She revisits these artists, making a movement that consists of dislocating, recombining, or transmuting these works’ colors and visual elements, tangling and profaning the threads between art histories, nature, and contemporary phenomena. Through Verzutti, the shapes of Tarsila do Amaral (1886-1973) and Maria Martins (1894-1973); the colors of René Magritte (1898-1967); the reliefs of Sérgio Camargo (1930-1990); and others will be there.
Estranho-familiar is the nucleus that organizes the artist’s most recent production, with hybrids between painting and sculpture created between 2011 and 2020 and called “wall reliefs.” Such is the case of Esperança equilibrista [Funanbulist’s Hope] (2020), made during the Covid-19 pandemic, whose title evokes the lyrics of “O bêbado e o equilibrista” (1979), a song composed by João Bosco and Aldir Blanc (1946-2020) and performed by Elis Regina (1945-1982).
CATALOG
With Portuguese and English versions, the 256-page publication will be available for sale at the exhibition’s opening, at MASP’s store, and on the museum’s website. The catalog will include texts by André Mesquita, curator of the exhibition, Fernanda Brenner, Dorota Biczel, Paulo Herkenhoff, and Ruba Katrib, which bring new readings of the artist’s work.