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junho 11, 2021
Sheroanawe Hakihiiwe na Carpintaria, Rio de Janeiro
É com grande prazer que apresentamos a primeira exposição individual de Sheroanawe Hakihiiwe no Brasil. Com essa mostra inauguramos o Aquário — espaço frontal da Carpintaria visível a partir do jardim — dedicado a introduzir novas vozes do circuito.
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Nascido em 1971, no Amazonas, na Venezuela, Sheroanawe Hakihiiwe é um artista indígena residente em Pori Pori, comunidade Yanomami em El Alto Orinoco. Hakihiiwe desenvolve um corpo de trabalho que incorpora desenho e cor à tradição oral de seu povo -- a natureza das crenças espirituais e as práticas culturais e sociais. Linhas retas, paralelas, curvas e pontilhadas, arcos, círculos, triângulos, grades, teias e anéis evocam os insetos, os animais, as plantas e os espíritos da floresta. Sua prática tem início nos anos 1990 a partir do encontro com a artista mexicana Laura Anderson Barbata. Com ela aprende a fazer papel com fibras nativas como Shiki ou Abaca, sobre o qual aplica tinta vegetal. Juntos, eles fundam o projeto comunitário Yanomami Owëmamotima, uma iniciativa pioneira que desde então vem viabilizando a publicação de livros produzidos coletivamente pela comunidade Yanomami.
Sheroanawe Hakihiiwe
Por Catalina Lozano
Sheroanawe Hakihiiwe é um artista Yanomami que vive e trabalha em Pori Pori, uma comunidade no Alto Orinoco, no lado venezuelano da Floresta Amazônica. Quando está na Amazônia, sem nenhuma comunicação com o exterior do seu território, o artista mantém um caderno de esboços, no qual desenvolve uma linguagem visual sintética. Hakihiiwe também passa períodos de tempo em Caracas, onde traduz esses esboços usando diferentes técnicas, tais como desenho, pintura e gravura em papel e tecido. Em Mohomi pariki omi, por exemplo, ele representa o peito de uma águia na forma mais minimalista possível sem perder a sua expressividade.
A proteção do conhecimento e da memória Yanomami é uma das principais motivações por trás da produção de Hakihiiwe, que busca combater a imposição esmagadora do conhecimento e das tecnologias ocidentais sobre as pessoas indígenas. Em constante ataque por meio de diferentes formas de extrativismo, evangelização e assimilação, os Yanomami que vivem nas convincentes ficções chamadas Venezuela e Brasil, como a maior parte dos indígenas do mundo, tiveram que lutar contra sucessivas tentativas de apagamento das suas perspectivas e práticas diárias. Considerado “sem nome” por um missionário – os Yanomami não usam nomes conforme o cânone ocidental –, o artista recebeu um nome em homenagem ao padre católico Juan Bosco, uma alcunha que rejeitou quando adulto, adotando o nome Sheroanawe, que indica o seu local de nascimento.
Em geral, os Yanomami não desenham em papel, mas em seus corpos. O xamã e ativista Davi Kopenawa Yanomami explica como as palavras que contêm conhecimento são mantidas em proximidade para que não escapem. Em vez de “desenhado” em livros – ou “peles de imagem”, segundo Kopenawa –, o conhecimento pertence à comunidade e ao território. Esse entendimento radicalmente diferente sobre as tecnologias que contêm e transmitem informações é muito importante para desestabilizar formas hegemônicas de imaginar o mundo. Em Thari keke, Hakihiiwe representa um escudo que oferece proteção contra espíritos, evocando dimensões que são invisíveis para a maioria das pessoas, mas que exigem uma série de aparatos tecnológicos enraizados em cosmogonias específicas da Amazônia. Hakihiiwe aprendeu a fazer papel com fibras vegetais com a artista mexicana Laura Anderson Barbata, em 1992. Esse novo suporte permitiu que o imaginário destinado ao corpo viajasse para fora da Amazônia. Em alguns casos, isso é mais explícito, tal como em Mapuu (pintura facial funerária), de 2019, enquanto em outros, o formato do papel parece ter uma influência mais direta no tema, tal como em Hino naripe (favo de mel), de 2019. Sua obra faz parte de uma tradição abstrata que não está relacionada com as genealogias ocidentais, mas com as cosmologias amazônicas. Usando uma taxonomia que vai na contramão da ambição classificatória da tradição ocidental, esses desenhos se referem ao contexto e à agência de um organismo e não à sua representação. Hakihiiwe evoca e recria ritmos vitais. Isso é particularmente interessante na série de 2018 dedicada à Huwe moshi (cobra-coral). Esses trabalhos revelam, contra um pano de fundo, estruturas em vez de formatos, organizações em vez de formas, evidenciando uma maneira de ver na qual a natureza e a cultura não são distinguíveis uma da outra.
Sobre o artista
Sheroanawe Hakihiiwe (Sheroana, Amazonas, Venezuela, 1971). Vive e trabalha em El Alto Orinoco, Vezezuela. Entre as suas exposições individuais, destacam-se: Puhi Tropao (Estar feliz), Galería Abra, Caracas, Venezuela (2017); Puhi Tropao (Estar feliz), Museo del Diseño y la Estampa Carlos Cruz-Diez, Caracas, Venezuela (2016); Porerimou (Viajar como espíritu invisível), Oficina # 1, Caracas, Vezuela (2013); Oni The pe Komi, Oficina # 1, Caracas, Venezuela (2010); Etnias bajo la piel, Escuela Nacional de Pintura, Escultura y Grabado La Esmeralda, Cidade do México, México (2010). Dentre as exposições coletivas, destacam-se: Uma História Natural das Ruínas, Pivô, São Paulo, Brasil (2021); Bienal de Berlim - The Bones of the World, Berlim, Alemanha (2019); Le jour des esprits est notre nuit, CRAC Alsace, Altkirch, França (2019); Amazonías, Centro de Arte Matadero Madrid, Espanha (2019); XII Bienal de Xangai, Power Station of Art, Xangai, China (2018).
Esta exposição foi possível graças à nossa colaboração com a galeria de Sheroanawe Hakihiiwe na Venezula, ABRA. Um agradecimento especial aos seus fundadores Melina Fernández Temes e Luis Romero. abracaracas.com
We are delighted to present Sheroanawe Hakihiiwe's first solo exhibition in Brazil. With this show, we inaugurate the Aquário — the front space at Carpintaria, visible from the garden — dedicated to introducing new voices from the circuit.
Born in 1971 in Amazonas, Venezuela, Sheroanawe Hakihiiwe is an indigenous artist living in Pori Pori, a Yanomami community in El Alto Orinoco. Hakihiiwe develops a body of work that incorporates drawing and color into the oral tradition of his people -- the nature of spiritual beliefs, cultural and social practices. Straight, parallel, curved and dotted lines, arcs, circles, triangles, grids, webs, and rings evoke insects, animals, plants, and spirits of the forest. His practice began in the 1990s when he met the Mexican artist Laura Anderson Barbata, who taught him how to make paper with native fibers such as Shiki or Abaca, on which he applies vegetable ink. Together, they founded the Yanomami Owëmamotima community project, a pioneering initiative that has since enabled the publication of books produced collectively by the Yanomami community.
Sheroanawe Hakihiiwe
by curator Catalina Lozano
Sheroanawe Hakihiiwe is a Yanomami artist who lives and works in Pori Pori, a community in the Upper Orinoco, at the Venezuelan side of the Amazon rainforest. While in the Amazon, where he has no communication outside his territory, he keeps a notebook of sketches where he develops a synthetic visual language. He then spends periods of time in Caracas where he translates them using different techniques such as drawing, painting and screen-printing onto paper and fabric. In Mohomi pariki omi, for instance, he depicts the breast of an eagle in its most minimal yet expressive form. The protection of Yanomami knowledge and memory is a key motivation behind Hakihiiwe’s work, who seeks to counteract the crushing imposition of Western knowledge and technologies on indigenous peoples. Constantly harassed by different forms of extractivism, evangelization, and assimilation, the Yanomami living in the efficacious fictions called Venezuela and Brazil, like most indigenous people around the world, have had to endure constant attempts of erasure of their worldviews and daily practices. Considered “unnamed” by a missionary—Yanomami people do not use names according to the Western canon—, the artist was called after Italian Catholic priest Juan Bosco, a moniker he rejected as an adult and changed to Sheroanawe which relates to his place of birth.
Yanomami people don’t normally draw on paper but on their bodies. Shaman and activist, Davi Kopenawa Yanomami explains how the words that contain knowledge are kept close so that they don’t escape. Rather than “drawn” on books, or as he calls them “image skins,” knowledge belongs to the community and to the territory. This radically different understanding of the technologies that contain and transmit information are very important to destabilize hegemonic ways of imagining the word. In Thari keke, Hakihiiwe represent a shield to protect oneself from spirits, an indication of dimensions that are invisible to most people but that require a series of technological devices embedded in specific cosmogonies of the Amazon.
Hakihiiwe learnt to make paper with plant fibers with Mexican artist Laura Anderson Barbata in 1992. This new support allowed the imagery destined to the body to travel outside the Amazon. In some cases, this is more explicit, as in Mapuu (Face funerary Painting), 2019, while in others the format of the paper seems to influence more directly the motif, as in Hino naripe (Honeycomb), 2019. His work is part of a tradition of abstraction, not connected to Western genealogies, but to Amazonian cosmologies. In a taxonomy that runs contrary to the classificatory ambition of Western tradition, these drawings refer to the context and agency of an organism, instead of representing it, Sheroanawe evokes and recreates vital rhythms. This is particularly interesting in the 2018 series dedicated to Huwe moshi (coral snake). The works reveal structures rather than shapes, organization rather than forms against a background, exposing a way of seeing where nature and culture are not distinguishable from one another.
About the artist
Sheroanawe Hakihiiwe (Sheroana, Amazonas, Venezuela, 1971). Lives and works in El Alto Orinoco, Vezezuela. Among his solo exhibitions, the following stand out: Puhi Tropao (Estar feliz), Galería Abra, Caracas, Venezuela (2017); Puhi Tropao (Estar feliz), Museo del Diseño y la Estampa Carlos Cruz-Diez, Caracas, Venezuela (2016); Porerimou (Viajar como espíritu invisible), Oficina#1, Caracas, Vezuela (2013); Oni The pe Komi, Oficina#1, Caracas, Venezuela (2010); Etnias bajo la piel, Escuela Nacional de Pintura, Escultura y Grabado La Esmeralda, Mexico City, Mexico (2010). Among the group exhibitions, the following stand out: A Natural History of Ruins, Pivô, São Paulo, Brazil (2021); Berlin Biennale - The Bones of the World, Berlin, Germany (2019); Le jour des esprits est notre nuit, CRAC Alsace, Altkirch, France (2019); Amazonías, Centro de Arte Matadero Madrid, Spain (2019); XII Shanghai Biennale, Power Station of Art, Shanghai, China (2018).
This exhibition was possible thanks to our collaboration with Sheroanawe Hakihiiwe’s gallery in Venezulea, ABRA. Special thanks to its founders Melina Fernández Temes and Luis Romero. abracaracas.com