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maio 18, 2021
Três Artistas de Engenho de Dentro no Museu de Imagens do Inconsciente, Rio de Janeiro
Museu de Imagens do Inconsciente realiza a exposição virtual Três Artistas de Engenho de Dentro – Adelina Gomes, Fernando Diniz e Octávio Ignácio
O Museu de Imagens do Inconsciente (MII) apresenta a partir do dia 18 de maio de 2021, às 18h30 – Dia Internacional dos Museus e Dia Nacional da Luta Antimanicomial – a exposição virtual “Três Artistas de Engenho de Dentro”, com um recorte inédito, que reúne 90 obras muito pouco conhecidas pelo público, de Adelina Gomes(1916-1984), Fernando Diniz (1918-1999) e Octávio Ignácio (1916-1980). Com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, Luiz Carlos Mello e Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, o maior desafio foi selecionar obras dentro da vasta produção dos três artistas. O formato digital permite valorizar a força de cada um dos trabalhos, que “reconta de certa forma suas trajetórias, traço característico do resultado do trabalho criado e desenvolvido pela Dra. Nise da Silveira (1905-1999)”, comenta Marco Antonio Teobaldo. A exposição poderá ser vista no link https://mii.org.br/3artistas.
Marco Antonio Teobaldo destaca que esta tarefa só foi possível graças ao profundo conhecimento que Luiz Carlos Mello e Eurípedes Gomes da Cruz Júnior têm do Museu, a que estão ligados há quase cinco décadas, e que, além de terem convivido com os artistas, “possuem a habilidade de resgatar as memórias contidas nos trabalhos”. Luiz Carlos Mello é diretor do MII, e ganhou o Prêmio Jabuti com o livro “Caminhos de uma psiquiatra rebelde”, e Eurípedes Júnior, músico e museólogo, é vice-presidente da Sociedade Amigos do MII, e curador do Museu Nacional de Belas Artes.
Os três artistas eram negros, de origem humilde. Marco Antonio Teobaldo salienta na apresentação da exposição que “não há como separar a figura dos criadores de suas respectivas produções artísticas, porque o processo de construção dessas obras e seus códigos estão diretamente relacionados com a história de vida de cada um deles”. “Esta exposição proporciona ao observador um mergulho em três universos distintos, que transitam entre feminino e masculino, sistemas e organização de imagens, cores saturadas e linhas. Impossível não se emocionar com tamanha beleza!”, afirma.
Na abertura da exposição haverá uma conversa virtual com a presença dos curadores e ainda de Erika Silva, diretora do Instituto Municipal Nise da Silveira, Heloísa Helena Queiroz, gerente de Museus da Secretaria Municipal de Cultura, Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras. A conversa estará disponível, ao vivo, no canal youtube.com/c/museudeimagensdoinconsciente.
EXPOSIÇÃO VIRTUAL DE LONGA DURAÇÃO
A exposição virtual será de longa duração, e é bilíngue (português/inglês), para ampliar o acesso a este raro e singular acervo, uma referência mundial do assunto. O Museu fundado por Nise da Silveira em 1952, no bairro Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio, possui um acervo de 400 mil obras, o maior de seu gênero. Resultado da produção feita pelos pacientes psiquiátricos nos ateliês criados em 1946 pela Dra. Nise, essas obras atestam não apenas um trabalho pioneiro na psiquiatria mundial, que inspirou a Reforma Psiquiátrica brasileira – dotando o país de uma das legislações mais avançadas no mundo nessa área – como revelam seu valor artístico. Na 11ª Bienal de Berlim, em 2020, estiveram 26 dessas obras, dos artistas Adelina Gomes (1916-1984) e Carlos Pertuis (1910-1977).
“Três Artista de Engenho de Dentro” traz imagens de 30 obras de Adelina Gomes,30 obras de Fernando Diniz, e 30 de Octávio Ignácio. Cada imagem é acompanhada de informações de seu tamanho, técnica empregada pelo artista, e o ano de criação.
A exposição traz ainda minibiografias dos três artistas, textos críticos sobre o trabalho de cada um deles, além da apresentação de Marco Antonio Teobaldo. Comentários da própria Nise da Silveira sobre os artistas também estão na exposição.
O pesquisador e historiador da arte Raphael Fonseca conta que conheceu o trabalho de Adelina Gomes pelo cinema, no filme “Imagens do Inconsciente”, obra-prima de Leon Hirszman filmada entre 1983 e 1986 no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, lançado em 1988, após a morte da artista. No filme, o episódio dedicado à artista tem o título “No reino das mães”, e “aponta para as análises feitas por Nise da Silveira, que associa sua produção às relações com figuras femininas no decorrer de sua biografia”.
“Gosto de olhar para a produção da artista e para sua famosa frase citada por Nise da Silveira nesse documentário – ‘Eu queria ser flor’ – de maneira ampla e trans-histórica: que as metamorfoses de Adelina se cruzem tanto com aquelas descritas por Ovídio, quanto com as transformações sugeridas por Hayao Miyazaki. Propondo uma conversa com uma produção mais recente de arte no Brasil, que seus ecos da busca pelo ‘corpo-flor’ possam ser escutados nas poéticas de Castiel Vitorino Brasileiro e Tadaskia. Não nos prendamos a uma forma – entreguemo-nos ao movimento e à incerteza das transformações, assim como Adelina nos ensina até hoje”, escreve Raphael Fonseca.
O curador e crítico de arte Márcio Doctors escreveu sobre Fernando Diniz no catálogo da “Mostra do Redescobrimento – Imagens do Inconsciente”, na Bienal de São Paulo, em 2000. “A pintura de Fernando Diniz é deslumbrante. Não há outro adjetivo que qualifique melhor o vigor de sua imagem, que brilha com a precisão de quem constrói um abrigo para se proteger. É desse envolvimento reconfortante que trata sua obra. Há luxo. Há calma. Há volúpia nas suas imagens”. “É como se perseguisse um ideal burguês ao qual nunca teve acesso, mas do qual retirou a palpitação que alimenta seu imaginário. Alijado, mas prisioneiro, devolve, através de sua arte, uma profunda compreensão e admiração àquilo que nunca lhe foi dado ter. Sua pintura é expressão de seu desejo de penetrar esse universo”, analisa.
Eurípedes Gomes da Cruz Junior lembra que conheceu o Museu de Imagens do Inconsciente em “meados dos anos 1970, levado pelo meu inseparável amigo e irmão Luiz Carlos Mello, que depois tornar-se-ia o principal colaborador da Dra. Nise da Silveira”. Jovem estudante de música, Eurípedes Júnior recuperou um velho harmônio que lá havia e passou a tocar “longos improvisos durante as atividades do ateliê de pintura”. De Octávio Ignácio ele destaca que “era um diferencial no ateliê: os outros frequentadores eram internados, vestiam uniformes e cumpriam a triste rotina do hospício – enfermaria, pátio, ateliê, enfermaria... ele era um participante externo, vinha de sua casa e trajava roupas comuns”. “Octávio esbanjava alegria e se mostrava quase sempre extrovertido, jovial e brincalhão. Hoje vejo claramente a força simbólica que esse fato representava naquele momento. Depois de doze internações, ele começou a desenhar e pintar, e depois disso não foi mais reinternado. Octávio representava o futuro, a transição entre o velho e cruel sistema da psiquiatria tradicional e a revolução iniciada por Nise, baseada no afeto e na liberdade: hoje, nos ateliês do Museu de Imagens do Inconsciente, todos estão livres da prisão asilar! Essa personalidade irrequieta e alegre reflete-se em seu trabalho criativo”, pontua.
CATALOGAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE 64 MIL OBRAS
O Museu de Imagens do Inconsciente foi selecionado por dois anos seguidos pela chamada pública para Emenda Parlamentar do Dep. Marcelo Calero. Enquanto aguarda a liberação dos recursos pelo governo federal para os selecionados de 2020, o Museu finaliza as ações possíveis graças à verba recebida pela Emenda em 2019. Está em processo final a construção de um site bilíngue com 400 obras e textos informativos; um inventário de 22 mil obras do lote das 128 mil tombadas pelo IPHAN. Do universo de 400 mil obras de seu singular acervo, apenas 16 mil estão inventariadas. O Museu está assim exercendo seus objetivos principais, que são o de inventariar, preservar, pesquisar e disponibilizar para divulgação, nos mais diferentes formatos – exposições, publicações, seminários, cursos etc. –, este universo imenso e único que é seu acervo. “Este novo sopro de dinamismo é uma poderosa ferramenta para produção de conteúdos para projetos que auxiliam na redução de estigmas das pessoas portadoras de transtornos mentais, além de contribuir fortemente na inclusão social de uma comunidade extremamente rejeitada e estigmatizada”, destaca Eurípedes Júnior.
Assim que for liberada a verba para os contemplados em novembro de 2020, o Museu
alcançará a catalogação e digitalização de 64 mil obras – a metade do conjunto tombado pelo IPHAN – de seu acervo, de reconhecimento mundial, resultante do trabalho pioneiro a que Dra. Nise da Silveira (1905-1999) dedicou sua vida. Este projeto é fundamental para a segurança deste inestimável patrimônio, bem como para permitir o amplo acesso a ele. O edital possibilitará ainda a digitalização de três dos quinze documentários realizados pela equipe do Museu sob a supervisão da própria Dra. Nise, e dirigidos por Luiz Carlos Mello: “Emygdio: um caminho para o infinito” (45'), “Os Cavalos De Octávio Ignácio (30') e “Arqueologia da Psique” (75')
A Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente (SAMII) foi criada em 1974 para incentivar e apoiar as iniciativas científicas e culturais do Museu. Ao longo de sua trajetória de mais de 45 anos, a SAMII realizou diversos convênios com entidades públicas e privadas, cujos resultados alavancaram o Museu e permitiram a realização de inúmeras iniciativas tais como: mais de 200 exposições no Brasil e no exterior; cerca de 50 publicações, além de documentários, vídeos e filmes, seminários, conferência, cursos. A atual diretoria da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, presidida por Marcos Lucchesi, grande amigo da Dra. Nise, tomou posse em 2018, e tem como vice-presidente o compositor e museólogo Eurípedes Júnior, que trabalhou com ela e que lançará, ainda em 2021, o livro "Do asilo ao Museu – Nise da Silveira e as coleções da loucura", sua tese de doutorado.
Outro livro, editado em 2020 e com data de lançamento previsto para este semestre, é "Cartas a Spinoza", com textos de Nise da Silveira, em uma terceira edição revista, com dois mil exemplares impressos graças ao apoio de Max Perlingeiro, do Conselho Deliberativo da Sociedade de Amigos do Museu. O livro foi escrito por Nise da Silveira por incentivo de Marcos Lucchesi. Nise foi uma admiradora e estudiosa de Spinoza desde a juventude.
Outros três livros – “O Mundo das Imagens” e “Imagens do Inconsciente” – têm novas edições previstas pela editora Vozes, pois estão esgotados e são muito solicitados por estudiosos, pesquisadores e interessados pelo assunto. Assim como o livro "Do asilo ao Museu – Nise da Silveira e as coleções da loucura", de Eurípedes Junior, sua tese de doutorado, previsto também para 2021.
Para 2022, dentro do Projeto 4000, o Museu está planejando a exposição “Ocupação Nise”, um projeto do Itaú Cultural, que inaugurará a ampliação da sede do Museu, comemorando os 70 anos de sua criação.