|
maio 6, 2021
Antonio Bokel no Correios, Niterói
Espaço Cultural Correios Niterói exibe obras inéditas do artista carioca que questionam a relação homem, natureza e tecnologia
A literatura sempre pautou o trabalho de Antonio Bokel. A poesia concreta de Augusto de Campos foi um importante disparador de sua obra, bem como os escritos de Fernando Pessoa, José Saramago e Carlos Drummond de Andrade. O conflito entre Deus e Satã narrado em Paraíso Perdido, épico do poeta inglês John Milton (1608-1674), foi a leitura de Bokel durante o início da quarentena, no ano passado. Em dez mil versos sobre a criação do mundo, o clássico relata a vingança dos anjos expulsos do Paraíso em confronto com a criação divina: o homem. Publicado em 1667, esse marco da literatura ocidental dá título à exposição que será aberta no Espaço Cultural Correios Niterói, no dia 20 de março. Com curadoria de Ana Carolina Ralston, a individual O Paraíso Perdido reunirá cerca de 30 obras realizadas, em sua maioria, a partir da pandemia.
“Em 2020, ao longo do período de isolamento social, iniciei um projeto de estudo sobre a difícil relação entre o homem, a natureza e a tecnologia. A partir desse mergulho, criei trabalhos que dialogam com os paradoxos desta problemática. Por trás de pinturas, fotografias e esculturas contextualizadas no momento de mudanças em que a humanidade se encontra, há o desejo de apontar um novo caminho. A pandemia me trouxe aprendizados fundados na observação da natureza e do que há de transcendente em seus fenômenos. A transformação é necessária e acredito que o resgate de uma dinâmica cotidiana mais simplificada e afetiva é uma via de saída”, reflete Bokel.
Outro elemento que funda a trajetória de Antonio é a rua. Pode se dizer que a estética das intervenções gráficas urbanas foi uma constante em seu percurso até aqui. Em tempos de propagação acelerada da Covid-19, em que o recolhimento é garantia de vida, além de determinante ético diante do coletivo, como se estabelecem a prática e os processos deste artista, longe da poética das ruas? “Me isolei na região serrana do Rio, num sítio no meio da mata. O contato com a terra e a convivência com as pessoas de lá ensinam uma filosofia de vida e trabalho que faz muito mais sentido”, revela.
Questionador e de produção compulsiva, Bokel passou a trafegar, há cerca de oito anos, no eixo Rio-Itaipava onde criou uma extensão de seu ateliê. Os reflexos da aproximação direta com a terra e a paisagem natural desaguam plasticamente em sua obra: alguns trabalhos tridimensionais evocam as dissonâncias da relação homem X natureza, sob a forma de manifestos visuais. É o caso da série ‘Cura’, de 2016, e da instalação ‘Ciclo vida e morte’, de 2018, em bronze, cimento e semente de abacate. Ambas integram a mostra Paraíso Perdido que, além da produção recente, revisita trabalhos mais antigos.
A pesquisa por materiais alternativos, outra característica recorrente, revela a inquietude estética do artista indicado ao Prêmio Pipa em 2015 e 2019. A escultura ‘Tri pé’, de 2021, foi construída com cimento, tripé, terra e planta. Elementos geométricos de intensa força cromática também são frequentes, como na pintura construtivista ‘Além da imaginação’ (2021). A natureza cíclica da vida e a temática da fertilidade, ligada à terra, surgem em formas circulares ou mais literalmente, como na tela ‘Grávidas’ (2021).
Para Ana Carolina Ralston, “a dualidade disruptiva da obra de Bokel ressalta a intersecção desse conturbado território que busca habitar: as metrópoles contemporâneas, a linguagem da arte de rua, a tecnologia, a mistura de traços e gestos que vai de encontro a referências naïf ligadas à essência humana e à vida simples e autossustentável. Com a natureza colocando a existência em cheque, o artista reforça a união dessas duas vertentes como único meio para nossa salvação”, analisa a curadora. “Assim como o poeta inglês, Bokel busca através de sua obra um paraíso perdido. Há anos, seu corpo e mente se uniram na tentativa de fazer coexistir o rural e o urbano em sua produção. O resultado dessa transfusão de realidades deu origem à exposição que será aberta no Espaço Cultural Correios Niterói”, conclui.
Antonio Bokel nasceu no Rio de Janeiro, em 1978. Formou-se em Design Gráfico pela Univercidade, em 2004. Realizou sua primeira exposição individual em 2003, na Ken’s Art Gallery, em Florença, Itália, onde residiu e fez cursos de fotografia e história da arte. No Rio de Janeiro, teve aulas de modelo vivo com Bandeira de Mello e fez cursos de pintura, com João Magalhães e com Luiz Ernesto, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Nos últimos 20 anos, tem apresentado seu trabalho no Brasil e no exterior.
Principais exposições: 2012, exposição Gramática Urbana, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, curadoria Vanda Klabin, Rio de Janeiro. 2013 Transfiguração do Rastro, Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica curadoria Bruno Garcia. 2014 individual Na Periferia do Mundo, Centro Cultural da Justiça Federal, curadoria Vanda Klabin. Rio de Janeiro. 2015 La Nature d’or galeria Mercedes Viegas, curadoria Mario Gioia, Rio de Janeiro. 2014 Novas aquisições MAM, museu de arte moderna do Rio de Janeiro curadoria Luiz Camillo Ozorio. 2016 Nada Além das Palavras Galeria Matias Brotas, curadoria Daniela Name, em Vitória. 2016 exposição Point of View / site specific, nos jardins do Palácio da Pena em Sintra, Portugal. 2017 Exposição Tudo que está coberto, galeria Aura, curadoria Paulo Galinna, São Paulo. 2018 Exposição Ver Rever, Centro Cultura dos Correios, curadoria Vanda Klabin, Rio de Janeiro. 2018 Exposição Inquiet(ação), AM Galeria, Belo Horizonte. Pinta Plattaforms Project. Curadoria de Roc Laseca. Miami 2019. Residências Artísticas: AAAAA No Thing But Truth, na Sid Lee Collective Gallery, Amsterdam, Holanda. ARTUR - Artistas Unidos em Residência, em Lagos, Portugal. Cidadela Art District, Cascais, Portugal. React Contemporary, Angra do Heroismo, Ilha terceira, Açores.
Indicado ao Prêmio Pipa em 2015 e 2019, o artista integra os acervos do Museu de Arte do Rio e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.