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dezembro 21, 2020
Como habitar o presente? Ato 3: Franklin Cassaro na Simone Cadinelli, Rio de Janeiro
Em seu primeiro trabalho da pesquisa sobre a China, a que pretende se dedicar, o artista cria “máquinas da prosperidade”, em “atos escultóricos” que ocupam a vitrine da galeria, que dá para a Rua Aníbal de Mendonça, Ipanema. A quase totalidade de objetos, materiais e aparelhos foi comprada na China. Os demais foram construídos pelo próprio artista, que buscou seguir a lógica e a cultura chinesas nessa produção.
Simone Cadinelli Arte Contemporânea apresenta “O Fantasma Chinês”, ocupação feita pelo artista Franklin Cassaro em sua vitrine voltada para a Rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema. A instalação integra a exposição “Como habitar o presente? Ato 3 – Antecipar o futuro”, com curadoria de Érika Nascimento, e poderá ser vista até 16 de janeiro de 2021. Franklin Cassaro inaugura, com este trabalho, sua pesquisa sobre a China. A partir da ópera chinesa, suas cores e sonoridades, ele criou uma cena teatral no espaço de cinco metros quadrados da vitrine da galeria, usando símbolos como Velho Sábio, o dragão, porcelana, alfinetes perolados chineses e cédulas históricas de renmimbi (nome oficial da moeda da China, enquanto a palavra yuan, mais comum, é uma unidade de conta, o valor).
“Esta é uma exposição que fala de prosperidade. O objetivo principal é a produção de máquinas de prosperidade através dos atos escultóricos. Não são peças estáticas, se movimentam com o vento”, explica Franklin Cassaro. “A vitrine é visitável: pode ser vista do lado de fora ou penetrar. É um penetrável pensado para causar uma sensação”.
Érika Nascimento escreve no texto que acompanha a mostra que “Cassaro cria uma espécie de teatro dos objetos, dando vida ao Fantasma Chinês, conhecido como Jiangshi, ou mesmo fantasma viajante ou saltador. Um teatro do encantamento, de uma magia tropeçada”.
Com este trabalho, Franklin Cassaro se despede definitivamente de suas “gaiolas”. “Não faço mais gaiolas. Vendi a última para um colecionador que mora em Paris”, conta. “Quero começar uma nova pesquisa com o vôo dos cubinhos”, avisa, aludindo a uma marca de seu trabalho. Os poucos produtos que não vieram da China foram construídos pelo próprio artista, que aprendeu técnicas como a de usar o bambu, buscou aplicar o raciocínio chinês na montagem dos elementos que sustentam os cubos que voam, e estudou caligrafia “para entender como a pincelada é dada e como são construídas as palavras” em mandarim.
As notas chinesas, autênticas, “zero quilômetro” e com certificado de garantia, foram adquiridas em lojas de numismática. Com elas Cassaro fez seus famosos e delicados “cubinhos”, que evoluem no ar movidos pelo vento. “Prosperidade soprada pelo vento”, conta. Treze desses cubinhos foram feitos de cédulas da Segunda Revolução Chinesa, que trazem estampadas o rosto de Mao-Tsé-Tung (1893-1976). Um outro cubo, maior, foi construído com notas da Primeira Revolução, de 1911.
BOA FORTUNA
O artista embaralha conceitos de sorte/azar, correto/incorreto, e brinca com preconceitos com números que não trariam boa fortuna: na China se evita o “quatro”, pois sua pronúncia se assemelha à da palavra “morto”, ao passo que no ocidente é o “treze” o número temido. Cassaro mistura cédulas chinesas reais com moedas-fantasia, como as usadas no “I Ching”, o oráculo chinês que remonta a Confúcio (551- 479 a.C.), que trazem um quadrado vazado. Da mesma forma, pelos fundamentos do Feng Shui, técnicas de harmonização energética de um ambiente, “não se usaria o preto, que, no entanto, é uma cor adequada para o teatro”. “Fiz uma caixa cênica onde o preto tem a função de desaparecer”, comenta. Ele usou ainda luz negra, para destacar os fios de cobre e de pesca que atravessam o espaço, uma alusão também à rota da seda.
O artista convidou sua filha Lara Cassaro, estudante de design na PUC, para ajudá-lo na pesquisa sobre a simbologia do vento, das nuvens chinesas. Ela é coautora de um dos trabalhos: são discos, feitos de caixa de papelão pintadas de preto, a mesma cor usada na parede, onde ela desenhou bordos dourados como se fossem a louça chinesa.
O material usado para construir a caixa onde os treze cubos estão voando “foi estrategicamente pensado: é o eucalipto, introduzido na China no século 19, e que por destruir as espécies nativas virou uma praga pra eles, e está sendo erradicado, com seu plantio proibido”, explica Franklin Cassaro. Ele observa que “por uma incrível coincidência os chineses estão adquirindo propriedades no Brasil para a aquisição de eucalipto, que está sendo direcionado para a China por ser uma árvore boa para a extração da celulose”.
Franklin Cassaro diz que este trabalho é “o início de um projeto, ligando a China ao Brasil”. Ele quer discutir este temor à China, “o fantasma chinês, como o imperialismo chinês, o comunismo, fantasmas que afligem aqueles que não entendem as coisas e têm fantasias”. “Pensei em exagerar este medo, esta xenofobia, esta sinofobia”, diz. “Não que o trabalho seja uma sinofilia, mas trata de não ter medo de fantasmas, daquilo que pode atrair eventualmente má ou boa sorte”, afirma.
SOBRE O ARTISTA
Franklin Cassaro nasceu em 5 de março de 1962, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. Cassaro cria objetos vivos, que se modificam e estão em constante evolução. Elementos como o ar e o vento são fundamentais em muitos de seus trabalhos. As performances do artista surgem como atos escultóricos. Sua obra possui muita influência de Lygia Clark. Fez exposições individuais no MAM Rio, em 2001, na Galeria Cândido Portinari, em 1999, no Museu da República, em 1995, e no IBEU de Copacabana, em 1991, todas no Rio de Janeiro. Participou da Frieze Art Fair, de Londres, em 2006, da Art 35 Basel, em 2004, da Art Basel Miami Beach e da Art 34 Basel, em 2003. Em 2000, integrou a VII Bienal de Havana, a ARCO – Feira Internacional de Arte Contemporânea, em Madri, e a Artissima, de Turin, na Itália. Cassaro participou da 11ª Oficina Nacional de Dança Contemporânea, no Teatro Castro Alves, em Salvador, em 1989.
VITRINE
Usada como recursopara levar arte às pessoas que passavam pela rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema, durante o período da quarentena em que esteve fechada, a galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea utiliza sua vitrine para experimentações dos artistas, desde a abertura da exposição “Como habitar o presente? Ato 3 – Antecipar o futuro”, em 13 de outubro passado, quando a galeria passou a abrir para o público, seguindo todos os protocolos de combate ao Covid. Durante o período da exposição, a vitrine já foi ativada por outros dois artistas, cada um com a duração de um mês: o primeiro foi Pedro Carneiro, e depois Virgínia Di Lauro.
EXPOSIÇÃO“COMO HABITAR O PRESENTE?”
A exposição “Como habitar o presente? Ato 3 – Antecipar o futuro” fica em cartaz até 16 de janeiro de 2021, com obras de 21 artistas em diferentes suportes e linguagens, como fotografia, vídeo, instalação, pintura e objetos: Agrade Camíz(Rio), Agrippina R. Manhattan (São Gonçalo, Estado do Rio), Caroline Valansi(Rio), Claudio Tobinaga(Rio),Denilson Baniwa (Mariuá, Amazonas), Efe Godoy (Sete Lagoas, Minas), Fernanda Sattamini(Rio), Fernando Brum (Rio), Franklin Cassaro(Rio), Gilson Plano (Goiânia), Isabela Sá Roriz (Rio), Jimson Vilela (Rio, vive em São Paulo), Leandra Espírito Santo (Rio, vive em São Paulo), Márcia Falcão (Cabo Frio, Estado do Rio), Pedro Carneiro (Rio), Rafael Adorján(Rio), Simone Cupello(Niterói, Rio de Janeiro), Stella Margarita (Treinta y Três Uruguai, radicada no Rio), Virgínia Di Lauro (Barra do Choça, Bahia, vive e trabalha em Porto Alegre), Vitoria Cribb(Rio) e Yhuri Cruz (Rio).
O público poderá ver ainda pessoalmente os 29 vídeos dos 27 artistas que fizeram parte do Ato 1 e do Ato 2, exibidos de julho a setembro na vitrine da galeria, ainda fechada ao público na época, e em seu site. Assim, o Ato 3 engloba os três momentos, somando, ao todo, 62 obras, de 45 artistas.
A exposição também ganhou um tour virtual 3D, para que os amantes da arte possam ver os trabalhos remotamente, como se estivessem visitando o local. Basta acessar o site.