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dezembro 10, 2020
Hélio Oiticica: a dança na minha experiência no MAM, Rio de Janeiro
Parangolés são o ponto de partida da individual que ocupará o MAM Rio de dezembro a março. Exposição terá programação paralela curada por Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira, e mostra de filmes pela Cinemateca
“Meu interesse pela dança, pelo ritmo, no meu caso particular pelo samba, veio de uma necessidade vital de desintelectualização, de desinibição intelectual, da necessidade de uma livre expressão.” (Trecho do texto ‘A dança na minha experiência‘, escrito por Hélio Oiticica em 1965, que dá nome à exposição)
O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) abrirá a exposição individual Hélio Oiticica: a dança na minha experiência no dia 12 de dezembro de 2020, sábado, às 10h. Correalizada com o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a mostra reúne cerca de cem obras do carioca Hélio Oiticica (1937-1980) relacionadas ao ritmo, à música e à dança, sob a curadoria de Adriano Pedrosa e Tomás Toledo, respectivamente diretor artístico e curador-chefe da instituição paulista.
Inspirada pela produção experimental e pioneira dos períodos de investigações geométricas, rítmicas e cromáticas, a exposição tem como ponto de partida os Parangolés (1964 - 1979): as “anti-obras de arte”, como o próprio Oiticica as definia. Um dos trabalhos mais radicais do artista, os Parangolés revelam sua estreita relação com a Estação Primeira de Mangueira e com o samba. E são estas capas, faixas e bandeiras construídas com tecido colorido – que podem exibir sentenças de natureza política ou poética - que conduzem o público a uma retrospectiva da trajetória de HO desde os Metaesquemas (1956-1958) aos Relevos Espaciais (1959-1960), Núcleos (1960-1966), Penetráveis (1961-1980) e Bólides (1963-1979).
"Com uma formação artística que mesclou, de forma bastante particular, o rigor da abstração geométrica com os fluxos e ritmos das ruas do Rio de Janeiro, Oiticica criou uma obra potente e radical, inicialmente marcada por investigações de ordem formalista, mas que cada vez mais se encaminharam para experimentações conceituais e sensoriais, tendo no corpo seu maior meio de expressão”, comenta Tomás Toledo, curador-chefe do MASP.
Em paralelo à exposição, a Cinemateca do MAM vai apresentar de dezembro a março a mostra "Em torno de Hélio Oiticica", com nove filmes realizados pelo artista, outros filmes sobre ele e sua obra, e outros ainda sobre assuntos importantes de seu universo cultural. Inclui as primeiras experiências fílmicas de Jack Smith, referência fundamental e frequentador do Loft#4, residência de Hélio Oiticica em Nova York no início dos anos 1970; "Câncer", de Glauber Rocha, filmado no apartamento de Oiticica no Rio de Janeiro; e registros da presença de Oiticica em eventos artísticos e culturais e em produções de amigos.
A partir de janeiro, em paralelo à mostra, serão realizados um programa público com oficinas, um ciclo de performances, um fórum de debates e um seminário. O carnavalesco Leandro Vieira, da Estação Primeira de Mangueira, é o curador convidado a ocupar o museu durante a exposição e a pensar esta programação, que contará com a participação de integrantes da tradicional escola de samba carioca, em parceria com a equipe de educação do MAM Rio.
Em sua obra, Oiticica abriu a possibilidade de plena participação do público fazendo emergir a figura do participador*, que deve ser estimulado a circular e a vivenciar o espaço expositivo. Considerando a proposição pioneira, a montagem do MAM Rio convida o público a explorar os diversos ângulos das composições rítmicas e vibrantes do artista.
“Aceitamos o convite que o título da mostra nos deu para pensar a expografia. Os espaços do MAM e do MASP são radicalmente diferentes e estamos propondo uma ‘dança‘ entre os trabalhos e o público“, diz Pablo Lafuente, que divide a direção artística do museu carioca com Keyna Eleison. “Os trajetos da exposição vão fazer o público se movimentar muito. Pensamos em alturas e soluções diferentes para cada trabalho, a ideia é dar uma nova vivência à proposta“, informa Eleison.
A individual vai ocupar o Espaço Monumental e uma segunda sala diretamente ligada à mostra Cosmococa, também montada no MAM Rio, que exibe uma seleção de imagens criadas por Oiticica em 1973, em Nova York, em parceria com o cineasta Neville D’almeida. Completa a exposição um filme de Ivan Cardoso, “Heliorama”.
*Por medidas de segurança sanitária, em virtude da pandemia de Covid-19, as obras não poderão ser usadas pelo público.
HO e o MAM Rio
Hélio Oiticica iniciou seus estudos no Museu de Arte Moderna do Rio com Ivan Serpa, em 1954. À época, suas obras dialogavam com as experiências concretistas: o artista participou do Grupo Frente, entre 1955 e 1956, e foi um dos signatários do Manifesto Neoconcreto, em 1959. A partir daí, HO estabeleceu o corpo como motor de sua obra, que se abriu também para o contexto da rua e do cotidiano, apontando para uma relação entre arte e vida.
Em 1965, Oiticica participou da exposição Opinião 65, no MAM Rio, considerada um marco na história da arte brasileira, quando apresentou pela primeira vez, na área externa do MAM, os Parangolés, obras que têm o participador como veículo e intérprete.
“As capas Parangolés eram estruturas que você tinha que vestir no corpo, que se tornavam extensões do corpo... a experiência da pessoa que veste para a pessoa que está fora vendo a outra se vestir, ou das que vestem simultaneamente as coisas, são multiexperiências, não se trata assim do corpo como suporte da obra; pelo contrário, é a total incorporação do corpo na obra e da obra no corpo... eu chamo de in-corporação.” (Hélio Oiticica – Trecho de entrevista publicada no catálogo da exposição, editado pelos curadores Adriano Pedrosa e Tomás Toledo)
Na ocasião, as capas foram usadas pelo artista e por sambistas e instrumentistas da Mangueira, escola de samba que Hélio passou a frequentar em 1964. A Estação Primeira foi um divisor de águas na vida e na obra do artista: a aproximação o levou a aprofundar reflexões sobre experiências estéticas para além das artes visuais, bem como das artes plásticas tradicionais, incorporando relações sensíveis ao seu trabalho através do ritmo e da dança. Durante a Opinião 65, quando Oiticica chegou ao MAM com os integrantes da Mangueira, em uma espécie de “procissão-festiva”, foram todos impedidos de entrar e acabaram por realizar a “obra-festa” na área externa do museu.
Dois anos mais tarde, em 1967, Oiticica voltou ao MAM Rio na exposição Nova Objetividade Brasileira, quando apresentou o penetrável Tropicália, cujo percurso lembrava muito as “caminhadas pelo morro”, de acordo com o artista. Experimental e crítica, a obra inspirou o nome do disco clássico de Caetano Veloso e Gilberto Gil (1968), e do importante movimento artístico e cultural liderado pelos baianos.
Sobre as séries exibidas
Metaesquemas (1956-1958): composta por mais de 400 trabalhos, esta série consiste em exercícios metódicos, rigorosos, em pequeno formato, em sua maioria em guache sobre cartão, privilegiando experimentações com cores, formas abstratas geométricas e espaço. A grande quantidade de trabalhos atesta o rigor, a disciplina e o engajamento do jovem Oiticica no sentido de explorar ao máximo as incontáveis possibilidades circunscritas a um vocabulário e um meio aparentemente reduzidos. A exposição apresenta mais de 50 Metaesquemas.
Relevos Espaciais (1959-1960): podem ser compreendidos como uma tridimensionalização dos elementos geométricos presentes nos Metaesquemas. São chapas de madeira sobrepostas, pintadas de amarelo e vermelho, que resultam em uma estrutura complexa, com relevos e reentrâncias. São objetos que flutuam no espaço, pendurados no teto, e podem ser vistos de diferentes ângulos, o que ressalta seu aspecto corporal, uma preocupação fundamental de Oiticica no início dos anos 1960. A mostra exibe três Relevos Espaciais.
Núcleos (1960-1966): na trajetória rigorosa, poética e coerente de Oiticica, os Núcleos ampliam a noção de “corpo da cor” ao criarem ambientes cromáticos elaborados com formas geométricas compostas por chapas de madeiras pintadas em nuances variadas da mesma cor. A mostra exibe três Núcleos.
Penetráveis (1961-1980): são instalações manipuláveis construídas a partir de diferentes tecidos e placas, espontaneamente atravessadas por corpos vivos. Exploravam um novo território para produção de arte coletiva, com o objetivo de estimular diferentes formas de comportamento social, pensamento ético e modos criativos de improvisação. Um exemplar será exposto.
Bólides (1963-1979): são uma porta de entrada para os temas de cunho social e político. Os Bólides operam como um recipiente para a cor, a luz, a energia e o entorno. Neles, Oiticica explora questões como a solidez, o vazio, o peso e a transparência. São uma espécie de síntese de todas as investigações formais, espaciais e cromáticas de trabalhos anteriores. Hélio Oiticica: a dança na minha experiência apresenta 19 Bólides.
Parangolés (1964-1979): a exposição culmina com a exibição de 12 Parangolés, anti-obras de arte; capas, faixas e bandeiras construídas com materiais diversos.
Sobre o MAM Rio
O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), fundado em 1948, é voltado às vanguardas e à experimentação nas artes, cinema e cultura. Seu acervo de cerca de 15 mil obras forma uma das mais importantes coleções de arte moderna e contemporânea da América Latina. O museu realizou inúmeras exposições que marcam até hoje as expressões e linguagens das artes visuais e abrigou múltiplos movimentos artísticos brasileiros.
O MAM Rio é uma instituição cultural constituída como uma sociedade civil de interesse público, sem fins lucrativos, apoiada por pessoas físicas e por empresas, que tem atualmente a Petrobras, o Itaú e a Ternium como mantenedores por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e o Grupo PetraGold como patrocinador.
Desde janeiro de 2020, a nova gestão do MAM Rio, liderada pelo Diretor Executivo Fabio Szwarcwald, com o apoio do corpo de conselheiros do MAM e das demais áreas do museu, deu início a um processo de profunda transformação institucional envolvendo novas ideias, novos fluxos de trabalho e novas atitudes. As ações do processo de transformação buscam coerência com o projeto original do museu, pautado pelo tripé arte-educação-cultura. Um movimento de potencialização das ações já realizadas no museu, em consonância com seu histórico, e de acolhimento de todos que desfrutaram da efervescência dos diversos espaços do MAM Rio, incluindo públicos que nunca visitaram a instituição.