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outubro 1, 2020
Lucia Nogueira na Luisa Strina, São Paulo
A Galeria Luisa Strina tem o prazer de apresentar uma mostra individual com desenhos e escultura inéditos no Brasil de Lucia Nogueira (1950-1998), artista brasileira que viveu em Londres dos anos 1970 até o final de sua vida. Ao longo de sua breve, mas notável carreira, Nogueira criou um potente corpo de trabalho multidisciplinar. Centrada principalmente em esculturas e instalações que se tornaram famosas pelo uso de materiais banais combinados de maneira única e assombrosamente precisa, sua trajetória é marcada pela prática constante do desenho. Segundo o curador da retrospectiva dedicada à artista no Museu Serralves, Adrian Searle, desenhos e esculturas/instalações são inseparáveis na obra de Nogueira, dada a natureza tátil e o sentido corporal – “strong sense of self”, como Searle o denomina – que definem o seu temperamento artístico.
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Organizada em colaboração com a Anthony Reynolds Gallery, Londres, esta exposição apresenta uma importante série que não integrou as retrospectivas realizadas após a morte prematura da artista [Drawing Room, Londres, 2005; Museu Serralves, Porto, 2007; Kettle’s Yard, Cambridge, 2011]: Inferno – Divine Comedy (1983), composta de 14 desenhos feitos com lápis, carvão e aquarela, que retrata a visão bastante particular da autora sobre um tema que mobilizou artistas ao longo da história, de Botticelli, Michelangelo, Delacroix, William Blake e Gustave Doré, até Rodin, Dalí, Robert Rauschenberg e Alfredo Jaar. Na versão de Nogueira, identificamos a Fortuna girando sua roda, o barco que conduz Dante e Virgílio na descida ao Inferno, tão etéreo e autocontido, em oposição ao romantismo encarnado e envolto em escuridão da Barca de Dante (1822) de Delacroix, vemos os tormentos da alma, e um cão cérbero mais minimalista e ambíguo do que o Cerberus (1824-1827) da ilustração de William Blake para a Divina Comédia.
De acordo com Alberto Manguel, quase todos os livros de Dante foram escritos no exílio, em casas que ele nunca poderia considerar suas porque não estavam em sua Florença. “O início de seu poema revela o duplo vínculo: ‘Aqui começa a Commedia de Dante Alighieri, florentino de nacionalidade, não de moral’. Sem dúvida, seus anfitriões – Cangrande, Guido Novello e os outros – foram gentis com ele e proporcionaram-lhe quartos confortáveis e conversas inteligentes, mas o lar era sempre em outro lugar, o lugar de ausência. Banido de Florença, ele deve ter sentido que o portão da cidade poderia ter sido uma paródia do portão do Inferno: sua mensagem não seria ‘Abandone toda esperança você que entrar’, mas ‘Abandone toda esperança você que sair’. E, no entanto, Dante foi incapaz de perder todas as esperanças de voltar para casa”, escreve o autor argentino, exímio leitor de imagens e de textos.
Talvez Nogueira se identificasse com Dante. Ela chegou ao Reino Unido vinda dos Estados Unidos em 1975, aos 25 anos. Recém-chegada ao país, viu-se entre duas culturas. Sobre as lacunas e o deslocamento provocados pela opção de deixar um lugar, a artista afirmou: “Há uma conexão ali; não só com o lugar onde você se encontra, mas também com o lugar de onde você vem – porque se você saiu não resolveu as coisas lá, não é? Então você está no meio. Eu acho que é muito saudável ser assim”. Considerada um marco no pensamento contemporâneo sobre a escultura no Reino Unido, referida como uma “artista de artistas”, Lucia era amiga de Tacita Dean, Liam Gillick, Rachel Whiteread e Damien Hirst. Estudou na Chelsea College of Art e na Central School of Art and Design e teve participação relevante na cena artística londrina dos anos 1990.
Segundo Gabriel Pérez-Barreiro, que dedicou à artista uma sala especial na 33ª Bienal de São Paulo (2018), defendendo que se pudesse criar dali em diante uma nova relação com a história da arte brasileira recente, “em suas obras, a artista usa objetos cotidianos para criar uma sensação inquietante de suspensão e estranheza. Ao combinar e confrontar móveis, engradados, tubos plásticos e vidros, provoca diálogos misteriosos e envolventes, que parecem oferecer mais perguntas que respostas. Como brasileira radicada em Londres, ela fala da noção de deslocamento e dos questionamentos que resultam de viver em uma cultura diferente, situação em que o cotidiano e o óbvio podem se tornar desconcertantes. Talvez por ser uma consequência desse deslocamento, a língua é uma referência central em seus trabalhos; os títulos em inglês geralmente jogam com duplos sentidos e com as idiossincrasias dos termos gramaticais da língua”.
A Galeria Luisa Strina está funcionando novamente, com agendamento de horário e seguindo todos os protocolos de segurança. Marque sua visita através de um dos canais (formulário de visitas, email ou no telefone 11-3088-2471), para os seguintes horários de atendimento: Galeria, de segunda a sábado, das 11h às 16h; Anexo, de terça a sábado, das 11h às 16h.
Sobre a artista
Lucia Nogueira estudou Jornalismo e Comunicação em Brasília e fotografia em Washington, D.C. Em 1975 ela visitou Londres, onde moraria e trabalharia pelo resto de sua vida. Ela estudou pintura primeiro no Chelsea College of Art (1976-1979) e depois na Central School of Art and Design (1979-1980). Recebeu uma bolsa-residência da Fondation Cartier em Versalhes, em 1993, e foi vencedora do prémio da Fundação Paul Hamlyn, em 1996. Uma exposição retrospectiva do trabalho de Nogueira foi apresentada no Museu Serralves no Porto, Portugal, em 2007, e foi apresentada uma seleção especial na 33ª Bienal de São Paulo, em 2018. Seus trabalhos estão em coleções como as da Tate, Londres, Reino Unido; Arts Council England, UK; Galeria de Arte de Leeds City, Reino Unido; Fundação Henry Moore, Reino Unido; Museu Serralves, Portugal; Museu Calouste Gulbenkian, Portugal; Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), Espanha, entre outras.
Galeria Luisa Strina is pleased to present a solo exhibition with drawings and sculpture never shown in Brazil by Lucia Nogueira (1950-1998), a Brazilian artist who lived in London from the 1970s until the end of her life. Throughout her brief but notable career, Nogueira created a powerful body of multidisciplinary work. Focused mainly on sculptures and installations that became famous for the use of banal materials combined in a unique and amazingly precise way, her trajectory is marked by the constant practice of drawing. According to the curator of the retrospective dedicated to the artist at the Serralves Museum, Adrian Searle, drawings and sculptures / installations are inseparable in Nogueira’s work, given the tactile nature and the bodily sense – “strong sense of self”, as Searle calls it – that define her artistic temperament.
Organized in collaboration with the Anthony Reynolds Gallery, London, this exhibition presents an important series that did not integrate the retrospectives taken after the artist’s premature death [Drawing Room, London, 2005; Serralves Museum, Porto, 2007; Kettle’s Yard, Cambridge, 2011]: Inferno – Divine Comedy (1983), composed of 14 drawings made with pencil, charcoal and watercolor, which portrays the author’s very particular vision on a theme that mobilized artists throughout history, from Botticelli, Michelangelo, Delacroix, William Blake and Gustave Doré, up to Rodin, Dalí, Robert Rauschenberg and Alfredo Jaar. In Nogueira’s version, we identify Fortuna spinning her wheel, the boat that leads Dante and Virgílio on the descent to Hell, so ethereal and self-contained, in opposition to the incarnated romanticism and shrouded in darkness of Delacroix’s The Barque of Dante (1822), we see the torments of the soul, and a cerberus dog more minimalist and ambiguous than the Cerberus (1824-1827) of William Blake’s illustration for the Divine Comedy.
According to Alberto Manguel, almost all of Dante’s books were written in exile, in houses that he could never consider his own because they were not in his Florence. “The incipit to his poem reveals the double bind: ‘Here begins the Commedia of Dante Alighieri, Florentine of nationality, not of morals.’ No doubt his hosts—Cangrande, Guido Novello, and the others—were kind to him and provided him with comfortable rooms and intelligent conversation, but home was always somewhere else, the place of absence. Banned from Florence, he must have felt that the city’s gate might have been a parody of the gate of Hell: its sign would be not ‘Abandon all hope you who enter’ but ‘Abandon all hope you who leave.’ And yet Dante was unable to give up all hope of returning home”, writes the Argentine author, an excellent reader of images and texts.
Perhaps Nogueira identified with Dante. She arrived in the United Kingdom from the United States in 1975, at the age of 25. A newcomer to the country, she found herself between two cultures. Regarding the gaps and displacement caused by the option to leave a place, the artist stated: “There is a connection there; not only with the place where you are, but also with the place where you come from – because if you left you didn’t solve things there, did you? So you’re in the middle. I think it’s very healthy to be like that ”. Considered a milestone in contemporary thinking about sculpture in the UK, referred to as an “artist of artists”, Lucia was friends with Tacita Dean, Liam Gillick, Rachel Whiteread and Damien Hirst. She studied at Chelsea College of Art and at the Central School of Art and Design and had a relevant participation in the London art scene of the 1990s.
According to Gabriel Pérez-Barreiro, who dedicated a special room to the artist at the 33rd Bienal de São Paulo (2018), arguing that from then on a new relationship with the history of recent Brazilian art could be created, “in her works, the artist uses everyday objects to create an unsettling sensation of suspension and strangeness. When combining and confronting furniture, crates, plastic tubes and glass, she evokes mysterious and engaging dialogues, which seem to offer more questions than answers. As a Brazilian living in London, she speaks of the notion of displacement and the questions that result from living in a different culture, a situation in which the everyday and the obvious can become disconcerting. Perhaps because it is a consequence of this displacement, language is a central reference in her works; English titles usually play with double meanings and the idiosyncrasies of the grammatical terms of the language”.
About the artist
Lucia Nogueira studied Journalism and Communication in Brasília and photography in Washington, D.C. In 1975 she visited London, where she would live and work for the rest of her life. She studied painting first at Chelsea College of Art (1976-1979) and then at the Central School of Art and Design (1979-1980). She received a residence grant from the Fondation Cartier in Versailles, in 1993, and won the Paul Hamlyn Foundation award in 1996. A retrospective exhibition of Nogueira’s work was presented at the Serralves Museum in Porto, Portugal, in 2007, and a special selection of her works was shown at the 33rd Bienal de São Paulo, in 2018. Nohueira’s works are in collections such as those of Tate, London, United Kingdom; Arts Council England, UK; Leeds City Art Gallery, UK; Henry Moore Foundation, United Kingdom; Serralves Museum, Portugal; Calouste Gulbenkian Museum, Portugal; Museum of Contemporary Art of Barcelona (MACBA), Spain, among others.