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setembro 7, 2020
Mateu Velasco na Movimento, Rio de Janeiro
Exposição de Mateu Velasco explora as diversas dimensões do tempo em exposição que celebra novo espaço da Galeria Movimento
“A narrativa através da imagem é a semente do meu trabalho.” A afirmação é do artista visual Mateu Velasco, que encerra a individual Infinitivo no dia 12 de setembro, na Galeria Movimento, em Copacabana. Mas o que pauta a curadoria de Sonia Salcedo del Castillo é, na verdade, um questionamento existencial do artista, que exige desacelerar o pensamento e as mãos, rumo ao infinito das coisas, dos acontecimentos, da criação: “De que imagens consigo me lembrar?”.
A exposição reúne cerca de 15 trabalhos produzidos desde o ano passado, a partir de diferentes meios e suportes, como pintura, desenho, fotografia e bordado sobre madeira, tecido ou cerâmica, além de recortes manipuláveis. A mostra celebra o novo espaço ocupado pela galeria de Ricardo Kimaid, no Shopping Cassino Atlântico. A visitação pode ser presencial, sob agendamento prévio, ou através de tour virtual 360º, que permite interatividade e gera informações detalhadas sobre as obras.
A pesquisa artística recente de Velasco gira em torno da retratação do tempo. Não o passado, nem o futuro, mas o mais inconstante dos tempos: o presente. Como retratar o que escapa? Obras como Transitório, Certezas efêmeras, Tempo em trânsito e A espera de um dia que não chega, produzidas em 2020, deixam clara a tensão entre as diversas camadas que permeiam um tempo composto por rupturas e impermanências.
A partir da pandemia, Velasco expandiu seu campo de investigação para a questão da memória. E na escavação de suas lembranças mais primárias, descobriu que são todas essencialmente imprecisas: “é sempre uma narrativa construída, relativa aos afetos despertados”, analisa. O artista encontrou arrimo valioso na obra do poeta Manoel de Barros, que diz que “quem descreve não é dono do assunto, quem inventa é”. A partir desta chancela libertadora, Mateu passou a inventar suas memórias.
Mas um paradoxo científico também o mobilizou: “descobri que o campo onde a memória é armazenada em nosso cérebro é o mesmo que projeta o futuro. Essa capacidade humana de imaginar coisas que ainda não aconteceram, de planejar, criar objetivos e ir em direção a eles é o que nos move. Se você não consegue projetar um futuro, perde expectativa de vida. É interessante pensar que o mecanismo de imprecisão - que pode trair o passado - é o mesmo que nos impulsiona na criação de um por vir”, reflete.
Para Sonia Salcedo, que assina a curadoria com a assistência de Rafael Peixoto, na produção recente de Mateu há uma vontade poética tão intensa, que parece almejar o infinitivo. “À maneira de quem reflete sobre questões filosóficas fundamentais, como a de ser e de estar no mundo, seus trabalhos sugerem driblar a duração sequencial peculiar a Chronos, em favor da indeterminação temporal de Kairós. Em lugar da finitude do tempo entrópico e linear, Velasco indica desejar, portanto, a infinita experiência do momento oportuno”, comenta.
Desenhista nato, Mateu arriscou seus primeiros traços ainda na infância e, desde então, o desenho permeia sua obra. Aliás, é da infância que surgem as memórias das situações mais banais - como ele define - que hoje habitam seu acervo imagético íntimo. Os almoços de sábado na casa dos avós, no Leme, zona sul do Rio, são um disparador frequente da memória de um Mateu menino, que preferia estar na praia. As telas “Sábado em família” (2020) e “Para ver com os olhos” (2020) evocam essa arquitetura afetiva em que a matéria poética é tentativa de elaboração de um tempo passado.
Colecionador de imagens cotidianas, Velasco transforma seu mapa mental em mapa visual e registra quase tudo que vê. Seus desenhos podem partir das curvas do rio que margeia seu ateliê, na Gávea, onde objetos descartados (como bolas de futebol, garrafas vazias e até um volante de fusca) se acumulam aleatoriamente. Sob a perspectiva do artista, até o lixo dos vizinhos é fonte de inspiração: compactado, para caber num saco, cria formas escultóricas e conta histórias sobre consumos, avessos e humanidades.
Na série “Pequenos Achados” (2020), ao adotar a cerâmica como suporte, o artista revela os diferentes estratos do tempo que compõem a matéria. Já na série “Gavetas” (2020), que articula recortes de papel, fotografias, fios de algodão e gelatina, Mateu mistura e reaproveita objetos acumulados pelo exercício coletor que é base de sua poética, para criar uma obra autoral. As “gavetas” manipuláveis lidam com o imprevisível e, a qualquer movimento do espectador, revelam composições infinitas e imprecisas. Assim como as memórias. São as múltiplas camadas e permanências de passados que conferem espessura ao presente do artista.
Velasco iniciou a trajetória artística como ilustrador e muralista, em 1999. Já expôs seus trabalhos em São Paulo, Rio de Janeiro, Los Angeles, Nova York, Seattle, Paris, Milão e Budapeste, entre outras cidades do mundo.
Mais sobre o artista
Mateu Velasco nasceu em Nova York, em 1980, e mudou-se para o Rio com apenas um ano de idade. Formou-se em Desenho Industrial pela PUC-Rio em 2003 e é mestre em Design Gráfico pela mesma universidade. Começou a trabalhar profissionalmente como ilustrador em 1999. Expandiu sua atuação pintando murais públicos no início dos anos 2000, desenvolvendo uma linguagem própria como artista visual, que pode ser encontrada em muros e galerias de São Paulo, Rio, Los Angeles, Nova York, Paris e Milão. É professor no departamento de Artes e Design da PUC-Rio e representado pela Galeria Movimento Arte Contemporânea desde 2008.
Os murais pintados pelo artista tiveram importância fundamental para evolução da arte urbana carioca, pois traziam um estilo próprio de ilustração que incluía uma boa dose de design gráfico, - em cores, estilo e acabamento - evidenciando seu trabalho como um diálogo aberto entre rua e academia.
Artista em deslocamento, Mateu passou nos últimos anos por diferentes cidades e países, incorporando a cada viagem novos elementos ao seu universo imagético. Ao longo dessa jornada vem colecionando imagens do seu cotidiano, transformando-as em desenhos, rabiscos, esboços e grafismos diversos. A junção de cada fragmento constitui o fio condutor do seu processo criativo, convidando o espectador para novas possibilidades de narrativas visuais e poéticas.
Material de imprensa realizado por Mônica Villela Companhia de Imprensa