|
março 13, 2020
Histórias da dança: Hélio Oiticica no Masp, São Paulo
Exposição abre o ciclo Histórias da Dança e apresenta relação entre a produção do artista carioca e a dança, a música, o ritmo e a cultura popular brasileira
No mês que marca quarenta anos da morte de Hélio Oiticica (1937-1980), um dos mais importantes nomes da arte brasileira, o Museu de Arte de São Paulo realiza, pela primeira vez, uma exposição individual do artista. Com curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP, e Tomás Toledo, curador-chefe, Hélio Oiticica: a dança na minha experiência fica em cartaz entre 20 de março e 7 de junho.
A exposição é uma parceria com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), que receberá a mostra entre 4 de julho e 4 de outubro, e inaugura o ciclo “Histórias da dança”, que norteia a programação do MASP em 2020. Simultaneamente, o museu abre também Trisha Brown: coreografar a vida, sobre uma das coreógrafas e bailarinas mais influentes do século 20.
Inspirada pela produção de caráter experimental e inovador de Oiticica, a mostra traça um panorama da trajetória do artista, reunindo 126 trabalhos relacionados ao ritmo, à música e à cultura popular. “Meu interesse pela dança, pelo ritmo, no meu caso particular pelo samba, me veio de uma necessidade vital de desintelectualização, de desinibição intelectual, da necessidade de uma livre expressão”, escreveu Oiticica no texto “A dança na minha experiência”, de 1965, que inspirou o nome da exposição.
Hélio Oiticica: a dança na minha experiência apresentará uma ampla seleção de Parangolés, incluindo cópias de exposições que poderão ser usadas pelo público. Além disso, outros trabalhos serão reunidos sob a perspectiva da dança e do ritmo, apresentando uma trajetória que culminará no Parangolé, compondo uma espécie de genealogia deste trabalho radical com a apresentação de obras das séries Metaesquemas, Relevos espaciais, Núcleos e Bólides.
Nesta mostra serão exibidos trabalhos dos períodos de investigações geométricas, rítmicas e cromáticas, cada núcleo da exposição representando uma série do artista. Metaesquemas contará com cerca de 60 trabalhos, ilustrações em guache sobre papel cartão, que exploram formas e cores e resultam de seu envolvimento com o concretismo; Relevos espaciais, que dão a impressão de serem dobraduras expandidas, tem a ver, entre outras questões, com a materialização da cor; Núcleos, esculturas de proporções maiores e interativas, Penetráveis, instalações manipuláveis, e Bólides, nos quais Oiticica explora questões como a cor, a solidez, o vazio, o peso e a transparência.
O foco principal da mostra será a seleção de Parangolés, obras de Oiticica que possuem maior conexão com a dança e que demonstram a estreita relação que ele desenvolveu com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira e com o samba durante sua vida. Os Parangolés são, segundo o artista, anti-obras de arte. Capas, faixas e bandeiras construídas com tecidos coloridos, às vezes com sentenças de natureza política ou poética, os Parangolés podem ser usados, transportados ou dançados pelo espectador que se torna participante, suporte e também intérprete do trabalho. Treze deles, aliás, serão reproduzidos para que os visitantes possam vesti-los, além de um Penetrável e três Bólides que também poderão ser experenciados.
Serão exibidos também três filmes de Ivan Cardoso: “H.O.”, “Heliorama” e “Helioframes”, este último produzido junto com Oiticica.
Nascido no Rio de Janeiro em 1937, Hélio Oiticica iniciou seus estudos no MAM Rio com Ivan Serpa, em 1954. A princípio, suas obras dialogavam com as experiências concretistas da época. O artista participou do Grupo Frente, entre 1955 e 1956, e foi um dos fundadores do Grupo Neoconcreto, em 1959. A partir daí, Oiticica estabeleceu o corpo como motor de sua obra, que se abriu também para o contexto da rua e do cotidiano, apontando para uma relação entre arte e vida. Para ele, o espectador era, na verdade, um participador colocado para circular e vivenciar o espaço, deixando de lado a postura contemplativa diante da obra de arte. Nesse período, o artista criou alguns de seus trabalhos mais importantes, como os Bilaterais, Relevos Espaciais, Núcleos, Penetráveis e Bólides.
Em 1964, Oiticica passou a frequentar a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro, onde se tornou passista – um divisor de águas na vida e na obra do artista. A atividade o fez aprofundar suas reflexões sobre experiências estéticas para além das artes visuais, bem como das artes plásticas tradicionais, incorporando relações corporais e sensíveis ao seu trabalho através da dança e do ritmo.
Em 1965, Oiticica participou da exposição Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, considerada um marco na história da arte brasileira. Foi a primeira vez que ele apresentou os Parangolés. As capas foram usadas pelo artista e por sambistas e instrumentistas da Mangueira, que chegaram ao MAM Rio em uma espécie de “procissão-festiva”. Impedidos de entrar, realizaram a “obra festa” na parte externa do museu. Dois anos depois, em 1967, Oiticica voltou ao MAM Rio na exposição “Nova Objetividade Brasileira” e apresentou o penetrável Tropicália cujo percurso, segundo o artista, lembrava muito as caminhadas pelo morro. Experimental e crítica, a obra inspirou o nome do disco de Caetano Veloso e Gilberto Gil de 1968 e do importante movimento artístico e cultural liderado pelos baianos.
Naquele mesmo ano, no período mais duro da ditadura militar no Brasil, Caetano exibiu a bandeira “Seja marginal seja herói”, de autoria de Oiticica, em um show na boate Sucata, no Rio de Janeiro. A bandeira foi apreendida e o espetáculo interditado pela Polícia Federal. Em 1969, o artista teve sua primeira inserção internacional: uma exposição individual Whitechapel experience na Galeria Whitechapel em Londres, com curadoria do crítico Guy Brett. Nos anos seguintes ele expôs também no Museu de Arte Moderna de Nova York, na Rhode Island University e no evento coletivo Latin American Fair of Opinion, na Saint Clement’s Church de Nova York.
Na década de 1970, Hélio Oiticica viveu a maior parte do tempo em Nova York, onde foi bolsista da Fundação Guggenheim. Nesse período, fez experiências com filmes em super-8 e dezenas de projetos ambientais, como as Cosmococas, em parceria com Neville D’Almeida. Essas criações faziam parte do que o artista chamou de “quasi-cinema”, levando o corpo a uma situação de imersão na imagem. Oiticica retornou ao Brasil em 1978, quando dedicou-se a alguns eventos coletivos e exposições. O artista morreu em março de 1980 após sofrer um acidente vascular cerebral.
Em 1992 foi realizada uma retrospectiva no Witte de With Center for Contemporary Art, em Rotterdã (Holanda), que itinerou por Paris, Barcelona, Lisboa, Mineápolis e Rio de Janeiro. A mostra foi um marco na consolidação do nome de Oiticica como um dos nomes brasileiros de maior projeção internacional nas artes visuais, tornando-se quase como uma chave obrigatória de leitura e legitimação da arte brasileira, pela crítica, o mercado e os artistas.
CATÁLOGO
Editado pelos curadores Adriano Pedrosa e Tomás Toledo, o catálogo ilustrado terá ensaios Adrian Anagnost, André Lepecki, Cristina Ricupero, Evan Moffitt, Fernanda Lopes, Fernando Cocchiarale, Sergio Delgado Moya, Tania Rivera e Vivian Crockett, além de Pedrosa e Toledo. A publicação inclui ainda nota biográfica de Fernanda Lopes e um extenso material documental, entre fotografias e escritos do artista, que tinha o hábito de registrar suas reflexões sobre a arte e sua produção.