|
março 13, 2020
Histórias da dança: Trisha Brown no Masp, São Paulo
Primeira mostra individual da coreógrafa e dançarina norte-americana no Brasil inaugura o ciclo Histórias da Dança e reunirá cerca de 160 trabalhos incluindo fotos, desenhos e vídeos
Uma das coreógrafas e dançarinas mais influentes do século 20, Trisha Brown (1936-2017) ganhará sua primeira exposição individual no Brasil entre 20 de março e 7 de junho. Trisha Brown: coreografar a vida inaugura o ciclo temático do Museu de Arte de São Paulo de 2020, que girará em torno das “Histórias da dança”. No mesmo dia, o museu abre Hélio Oiticica: a dança na minha experiência, que também fica em cartaz até 7 de junho. Com curadoria de André Mesquita, a mostra incluirá cerca de 160 trabalhos, entre desenhos, diagramas, fotos, vídeos e filmes no 1º andar do MASP.
“Dançar é sequenciar e expressar movimentos. Coreografar é projetar a dança, ou seja, organizar essa sequência. Trisha fazia anotações e inúmeros desenhos para sistematizar os gestos do corpo. Com o tempo, ela passou a aproximar a dança ao cotidiano incorporando movimentos corriqueiros, como andar e vestir, em seus trabalhos”, explica Mesquita – daí o título da exposição.
A mostra será dividida em oito núcleos pensados a partir do vocabulário e dos ciclos de trabalho de Trisha: Corpo democrático, Contra a gravidade, Transmitir os gestos, Acumulações, Diagrama em movimento, Impulso contraditório, Máquinas de dança, Desenhar, performar. Trisha Brown: coreografar a vida busca apontar as complexas relações entre dança e artes visuais, exibindo em simultâneo os desenhos com as imagens de suas coreografias. Estarão reunidos trabalhos fundamentais no percurso da artista e que enfatizam o aspecto inovador de sua produção.
Trisha é o nome artístico de Patricia Ann Brown, nascida em Aberdeen, nos Estados Unidos. O contato com a natureza permitiu que ela, na infância, explorasse florestas, praticasse esportes e pescasse com o pai (anos mais tarde, algumas de suas coreografias, como Falling Duet I, de 1968, e Spiral, de 1974, se assemelharão a jogos e brincadeiras).
Ainda em Aberdeen, nos anos 1940, começou a fazer aulas de balé, sapateado, jazz e danças acrobáticas e, em 1954, iniciou sua graduação em dança no Mills College em Oakland, Califórnia. Trisha teve aulas de dança africana com Ruth Beckford (1925-2019) na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e com Louis Horst (1884-1964) no Connecticut College, em New London, um dos principais nomes da composição coreográfica na dança moderna.
Recém-graduada, em 1958, mudou-se para Portland (Oregon) para dar aulas. Lá, fundou o departamento de dança no Reed College, no qual permaneceu até 1960. Já nos primeiros meses, o método convencional de ensino tinha se esgotado, e ela passou então a se dedicar ao ensino da improvisação. Um divisor de águas em sua carreira, a “improvisação memorizada” tornou-se uma de suas técnicas fundamentais e marca distintiva na década de 1970.
Brown fez parte de uma geração de artistas que, liderados por Anna Halprin (1920), contribuiu, por exemplo, para introdução de corpos não habituais na dança, criação de peças como manifestos políticos realizados nas ruas, utilização da improvisação como prática e ferramenta compositiva, utilização da fala e da voz como parte da dança e criação de peças para lugares não tradicionais.
Em 1961, ela mudou-se para Nova York e lá formou o Judson Dance Theater (1962-1964). Com os integrantes, compartilhava uma visão de dança expandida, na qual cabiam gestos cotidianos como andar, correr, cozinhar etc. Essa visão mais ampla possibilitou, ainda, a dança para além do teatro: ele foi substituído por ruas, telhados, fachadas de prédios, estacionamentos, parques e árvores.
Foi no cenário urbano de Nova York que Trisha apresentou uma de suas coreografias mais icônicas, Woman Walking Down a Ladder, em 1973, na qual desce verticalmente por uma escada no topo de um edifício. Já em Floor of the Forest, da mesma década, a dança consiste em vestir e desvestir roupas amarradas em uma grade a mais de um metro do chão –obra que será ativada semanalmente na exposição do MASP.
Outros trabalhos importantes como Acumulation (1971), em que, por meio da repetição, movimentos vão sendo adicionados até formarem uma coreografia completa, e Water Motor (1978), dança sem coreografia, baseada em memória e improviso, também estarão presentes na mostra.
Contrariando o esforço físico inerente a elas, as coreografias de Brown têm em comum transmitir sensações de naturalidade. Mesmo dentro do teatro, Trisha colocava os padrões em cheque. Em If you couldn’t see me (1994), por exemplo, a coreografia é dançada de costas para a plateia, fazendo com que a parede no fundo do palco desapareça ou se abra.
Seu processo de pesquisa criou também um método arquivístico em termos de organização, classificação e agrupamento –os detalhes das coreografias foram registrados em anotações, cadernos e diários durante anos, ou desenvolvidos como desenhos e diagramas.
“Com mais de uma centena de coreografias, diretora de óperas, como L’Orfeo, de Claudio Monteverdi [1567-1643], realizada em 1998, e uma obra visual que relaciona dança com desenhos de tamanhos variados, partituras, anotações e diagramas, o trabalho de Trisha Brown construiu uma narrativa única na maneira de organizar e representar os movimentos do corpo”, diz Mesquita.
Trisha aposentou-se em 2008, mas continuou a coreografar para a Trisha Brown Dance Company (TBDC) até 2011. A companhia continua atuante e foi essencial para a produção desta exposição.
Catálogo
Organizado por André Mesquita, a publicação (com versões em português e inglês) reúne dois textos inéditos, de David M. Sperling e Susan Rosenberg, que discutem as contribuições fundamentais de Brown para a dança e as artes visuais. Textos de Babette Mangolte, uma conversa entre Trisha Brown e Yvonne Rainer e nota biográfica de Adriana Banana também integram o catálogo.