|
março 9, 2020
Nuestra América na Luisa Strina, São Paulo
Para encerrar a trilogia de mostras em homenagem aos 45 anos da Galeria Luisa Strina, completados em dezembro de 2019, a galeria inaugura em março a exposição Nuestra América. Dedicada à história recente do espaço, cobre o período de meados dos 2000 até o fim da década de 2010, anos em que Luisa Strina se dedica a estreitar os laços entre o meio artístico brasileiro e aquele dos demais países latino-americanos. Em 2006, havia dois artistas latinos de fora do Brasil no time da galeria: o cubano Carlos Garaicoa e o argentino Jorge Macchi; em 2012, já eram 15 artistas representados.
A exposição toma emprestado o título de um ensaio do intelectual cubano José Martí, que continua atual 130 anos depois de sua publicação. Um dos textos fundantes do pensamento contra-hegemônico do Sul geopolítico, Nuestra América é considerado um paradigma teórico pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, que identifica nele o “potencial emancipatório da cultura social e política de grupos cuja vida cotidiana é intensificada pela necessidade de transformar estratégias de sobrevivência em fontes de inovação, de criatividade, de transgressão e de subversão”.
Os artistas de hoje da AL valem-se da transformação de materiais como uma ferramenta estratégica. Da adversidade vivemos, já afirmava Hélio Oiticica sobre a condição latina de resistência a partir da precariedade. Segundo Maria Quiroga, diretora da Luisa Strina: “A geração 2000 na Colômbia, por exemplo, é a primeira a não se sentir na obrigação de tematizar a violência; e um caminho que os artistas encontram é utilizar o papel como suporte para fazer desde desenhos até obras escultóricas; é um material acessível, prático, mas dele os artistas vão fazer usos muito originais”.
A percepção de que havia espaço para trabalhar a arte de argentinos, colombianos, venezuelanos, costa-riquenhos em São Paulo coincide com a emergência nestes países de uma geração que começa a explorar outros caminhos na produção contemporânea. A diretora destaca ainda a permeabilidade dos artistas de países vizinhos em relação à cultura e arte brasileiras: “Aconteceu por parte dos artistas com que viemos a trabalhar um grande fascínio com a arquitetura, o design e a paisagem daqui. E as coleções foram se abrindo para estabelecer diálogos entre as obras de brasileiros e a destes novos artistas que souberam ver e refletir de novas maneiras sobre o País.”
Nuestra América reúne obras dos artistas Alessandro Balteo-Yazbeck, Alfredo Jaar, Bernardo Ortiz, Beto Shwafaty, Carlos Garaicoa, Clarissa Tossin, Eduardo Basualdo, Federico Herrero, Gabriel Sierra, Jorge Macchi, Juan Araujo, Magdalena Jitrik, Marcellvs L., Mateo López, Matias Duville, Nicolás Paris, Pablo Accinelli, Pedro Motta, Pedro Reyes e Thiago Honório.
Artistas da galeria comentam a relação de sua pesquisa com o Brasil:
“Meu relacionamento com o Brasil começa em 2006 com a Bienal de São Paulo, Como Viver Juntos, da qual participei como membro da Taller Popular de Serigrafía, a convite de Lisette Lagnado e sua equipe, e esse foi realmente o começo do meu relacionamento com o Brasil, pois meu trabalho foi sempre muito bem recebido desde então. Assim, nas obras que mostramos ao longo das 4 exposições na galeria, o impacto do Brasil que conheci em 2006, tanto na Bienal quanto na exposição que aconteceu simultaneamente no Museu de Arte Moderna, a reconstrução da Iª Exposição Nacional de Arte Concreta em São Paulo, de 1956, tudo isso ficou implícito nos meus trabalhos seguintes, nos quais me reafirmei na abstração, deixando entrar o animismo, a mistura cultural que alimenta a cultura sul-americana e na qual desenvolvemos nossa identidade.” [Magdalena Jitrik]
“Em 2002, participei da Bienal da Fortaleza, com curadoria de Philippe Van Cauteren, que em 2011 organizou minha retrospectiva no SMAK, em Ghent, Bélgica. Em Fortaleza, conheci Rodrigo Moura e Carlos Garaicoa. Na bienal, mostrei uma obra chamada Fuegos de Artificio, uma instalação com lâmpadas e pregos. Moura gostou dessa peça porque, anos depois, foi adquirida por Inhotim. Essa história parece um jogo de espelhos, mas se você observar as pessoas e os países envolvidos, só poderá pensar na fluidez das relações humanas e artísticas. E isso continuará a acontecer apesar de tudo.” [Jorge Macchi]
“No meu caso, o papel da galeria foi fundamental. Graças à minha segunda exposição na galeria, surgiu o interesse de me convidarem para a Bienal de São Paulo de 2012. Em relação à influência da arte brasileira, no meu caso, novamente, acho que há dois momentos, o anterior à experiência de morar em São Paulo e o posterior. Antes de morar aqui, diria que a influência era atraente, algo difícil de se esquivar ou medir e, talvez, quando fui morar em SP, tive que lutar contra isso e ter outro tipo de influência, de convivência, alerta, de ir e vir pela cidade e pelo circuito artístico. Acho que a minha exposição em Inhotim encerrou um belo primeiro ciclo, para passar para outro. A terceira individual na galeria mostra essa transformação, me parece.” [Pablo Accinelli]
“Agradeço pelo convite para comentar a minha relação com o Brasil e o contexto político desses dois regimes que infelizmente hoje unem a Venezuela e o Brasil, resultado de negligência e corrupção da classe política em nossas histórias. Fiquei, portanto, muito empolgado mas neste momento não quero fazer um relato histórico que muitas pessoas já conhecem, nem me interessa falar de mim, mas sim aproveitar a oportunidade para demonstrar meu descontentamento e o amor que me une ao Brasil, à galeria, aos arquitetos e à liberdade que deve ser defendida sempre.” [Juan Araujo]
“A influência ou o conhecimento da arte brasileira no meu caso remonta há 20 anos, quando estudamos Tunga, Cildo, Oiticica e Lygia Clark na Universidade de Caracas. Até me lembro da visita de Paulo Herkenhoff, que nos contou sobre eles e o manifesto antropofágico. Voltei a encontrá-lo em Nova York, em uma exposição de que participei em 2000. Em 2009, Adriano Pedrosa me convidou para participar do Panorama e de uma residência na FAAP, e então Luisa decidiu me representar. Eu sempre tive em mente o contexto da exposição e a maneira como o meu trabalho pode ser recebido no Brasil.” [Alessandro Balteo-Yazbeck]
“Em 2009, estava trabalhando em uma série de grandes desenhos em carvão, e foi com ela que ocorreu a primeira ponte entre o meu estúdio em Buenos Aires e São Paulo, precisamente na galeria, que foi muito importante, pois minha pesquisa ganhou um novo ar. Em 2010, fiz uma exposição com esses desenhos em grande escala, chamada Este fue otro lugar, todos eram paisagens mentais influenciadas pelo mundo ao nosso redor, mas filtradas por um descampado mental. Lembro-me de chegar a SP várias vezes pela rodovia, desde o aeroporto, e ter a sensação de estar em uma lacuna entre realidade e ficção. Essas e outras impressões foram se acumulando no meu inconsciente e deram origem a obras esculturais nas quais acredito que há muito desse mood paulista.” [Matias Duville]