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março 1, 2020
Estopim e Segredo na EAV Parque Lage, Rio de Janeiro
Esta exposição não conclui um curso: ela o integra e, mais além, o prorroga.
Concebida com e pelas pessoas artistas do programa de Formação e Deformação da Escola de Artes Visuais do Parque Lage – que ao longo de 2019 conviveram intensivamente e, juntas, vivenciaram um curso marcado menos pelo que se ensina e mais por saberes compartilhados num processo de mútua aprendizagem –, Estopim e segredo é uma exposição em cinco cortes.
Como uma anti-conclusão, a mostra não desfecha o curso, mas o mantém em aberto através da invenção de outras formas de habitá-lo. Com uma abertura e um encerramento coletivos entremeados por cinco cortes durante os quais as cavalariças do Parque Lage serão ocupadas por pequenos grupos das artistas do programa, Estopim e segredo estende-se até março de 2020 em estado de contínua criação: desta vez ampliando as escutas e as trocas que fundaram os aprendizados do curso ao convocar, para este espaço-tempo de interlocução, os outros públicos da Escola e do Parque. Estende, assim, aos visitantes e participantes da exposição, algumas das perguntas que a conformaram: o que podemos aprender no exercício de expor? Pode uma exposição ser uma escola?
Prorrogar o curso por meio de uma exposição em cinco cortes – e assim permanecer no Parque Lage – é um gesto político. Assentar, em um dos bairros de maior IDH (índice de desenvolvimento humano) do Rio de Janeiro, pessoas que historicamente apenas transitam por esse território é um desdobramento da campanha EAV para TODES. Organizada pelas integrantes dos cursos de formação de artistas ofertados gratuitamente pela Escola de Artes Visuais, o projeto mobilizou a própria instituição e a sociedade em prol do levantamento de fundos destinados à permanência dessas artistas em formação – ou seja, a garantir transporte e alimentação às participantes. Nesse esforço, endereçou publicamente a incontornável e inadiável necessidade de justiça social e de reparação histórica das assimetrias que constituem o Brasil e, como tal, a arte que aqui se faz e se legitima. Por isso, em seu processo de ocupação e de imantação do Parque Lage, Estopim e segredo reverbera algumas das nevrálgicas perguntas da EAV para TODES: como chegamos até aqui? E, fundamentalmente, como permanecemos neste lugar?
Se esta edição do curso de Formação e Deformação teve como pontos de partida os termos emergência e resistência – tomados de empréstimo da exposição Espaço de Emergência, Espaço de Resistência (EAV, 1978), que documentava os três anos iniciais de atuação da Escola –, decerto os processos experimentados pela coletividade que pedagógica e afetivamente o constituiu em 2019 são a evidência de que persistimos a despeito do período de retrocessos que a cultura e a educação têm enfrentado. Forças que eclodem em estado de urgência e de luta.
É pelo desejo de salvaguardar e estimular tais forças que esta exposição opera por cortes. Como na poda de uma árvore, num parto ou na edição de um filme, os cinco cortes que se seguirão darão a ver – e a brotar – existências prenhes de singularidades. Celebrando o estar e o aprender juntas, o que se forma e se deforma em coletividade, articulamos autorias individuais e coletivas num regime de respeito às diferenças, aos inegociáveis e, por vezes, aos segredos que nos tornam tão estranhas quanto cúmplices.
clarissa diniz, gleyce kelly heitor e ulisses carrilho
coordenadoras e interlocutoras do curso Formação e Deformação – Emergência e Resistência
PROGRAMAÇÃO
CORTE 1
18 a 30 de dezembro de 2019
aliança heterogênea formada numa espécie de bolha-tempo protegida. de quantos espaços-tempo somos feitos? corpo é território? quais estratos nos compõem? quando órbitas podem colidir? o que sobra da colisão? é possível escavar sem ferir? quantos universos cabem na ponta de uma agulha? quando um corte é soma? depois do corte, vem a cicatriz? por que se comprometer em lembrar? somos nossas memórias? como catalogar o olhar? a escuta constrói o tempo? qual o tamanho da voz? o que acrescentamos ao espaço? adições somam ou subtraem? é a rotina que nos constrói? como aprender sem destruir vestígios e esvaziar sentidos? qual é a cor do nada? o que cabe no centro? transbordar para dentro? quando a porta de acesso é um limite? e quando tudo era junto? o acaso liberta? quais movimentos nos fazem ausentes? como fisgar o invisível? arte é um risco? o perigo é iminente? por que pactuar com o impossível? a explosão não acontecerá? perguntas fissuram espaços? de tanto cavar, inventar a origem, raiz desse encontro.
ana carolina videira, arthur palhano, juan barbosa e michel masson
CORTE 2
03 a 13 de janeiro de 2020
Iniciamos aqui esse corte como também uma dobra do que podemos chamar de nós. O nós é um contexto a ser reencenado. Nada está fixo. Pedras que se movem. Rosto balaclava. Paredes perfuradas e chão cravado. Brotam chifres de onde não se via.
Interessa mais como incisão e força produzir outros modos de viver. E o que vemos neste lugar faz parte das evidências de um tempo incontornável. Partes do que foi criado espalhadas pelo chão e também suspensas no ar.
Fomos inventades pela ousadia das pessoas que vieram antes de nós, sucessivamente, desde o tempo da violenta Grande Travessia Atlântica. A partir disso, me dedico a criar tempos de vida, volátil, leve e misteriosa, como um reflexo ou energia que se desloca de um ponto a outro. Imaginando o que pode aparecer e o que desaparece. Cosmogonias que foram inicialmente desinventadas para que o Ocidente branco fosse forjado.
Portanto daqui chamamos de um tempo muito aleatório, com certas dificuldades em se fazer um chamado com uma língua límpida, clara e uníssona. Chamo meus grupos com sua língua manchada preta ou dourada. As galinhas estão soltas por aí também. Gente e bicho e terra tem as mesmas decomposições e suas semelhanças familiares.
A verdade como mito. O ponto final como menos importante, como o problema… o problema, a pergunta. Vírgula, reticências, interrogação… alguma exclamação aqui ou alí. Assim apresentamos esse corte, confusão no tempo, espaço para ampliação. Quantas camadas de quantas coisas cabem em uma imagem?
Uma reunião de trabalhos que consiste em trazer também o que foi produzido na Residência Raquel Trindade, a Kambinda, no MUHCAB (Museu Histórico da Cultura Afro Brasileira), entre novembro e dezembro de 2019, sobre um solo de ossos e memórias de pessoas negras na região portuária do Rio de Janeiro.
O que sentimos com os órgãos externos e o que sentimos com os órgãos internos. O material e a vontade. O que dobro com a mão e o que dobro com o fígado.
Visível e invisível ao mesmo tempo.
Desencadeia. Não conclui.
ana clara tito, gilson plano, pv dias e max wíllà morais
PERFORMANCES
SEX. 03 JAN. 14h – LÍNGUA PRETA
max wíllà morais
SÁB. 04 JAN. 15h – OS USOS DA RAIVA | MOMENTO 7
ana clara tito
SEG. 06 JAN. 14h – CORDA DOURADA
max wíllà morais
QUA. 08 JAN. 14h – AÇÃO DE JUSTIÇA OU ACORDAR OS QUE NÃO DORMEM⠀
gilson plano
SEX. 10 JAN. 13h – SUCO PRETO E CARNE DOURADA⠀
max wíllà morais
SEX. 10 JAN. 14h – GUARDA-VOLUMES
gilson plano
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SEX. 10 JAN. 16h – “OLHA O PASSARINHO!”
max wíllà morais
CORTE 3
15 a 27 de janeiro de 2020
acabou – não
Acabou. O mundo tem acabado com frequência. Imaginando sobreviver, nos recolhemos aos pedaços. Procuramos, em meio aos escombros, os cacos com os quais remontamos as formas que sinalizam esse fim. Algo está ruindo e a vibração nos desloca à perplexidade.
Há quem faça, apesar do prazo perdido. Há quem acumule dúvidas, há quem encontre o que fazer com a poeira que dorme na tampa do pote. Há quem guarde folhas mortas, há quem faça drenar desenhos de águas paradas. Há quem mate a sede decantando a umidade do ar em horas mortas. Há quem faça máquinas meditarem, há quem encontre poesia em trajetos redundantes. Há quem sonhe com os ouvidos. No silêncio da catástrofe, seres estranhos continuam aparecendo. Em desequilíbrio seguimos.
alexandre brasil, fernanda andrade, gabriel martinho, jonas esteves e nathalie nery
CORTE 4
29 de janeiro a 10 de fevereiro 2020
A travessia não é a mesma para todes e muito menos as estruturas que esbarramos. Estruturas que podemos desejar alcançar ou simplesmente destruir.
Não é fácil colocar as coisas em perspectiva. Nos agarramos ao que é mais confortável para nós e depois que tomamos partido, escolhemos lados, precisamos quebrar mil barreiras dentro de nós para conseguir enxergar uma situação por mais de um ponto de vista.
Pôr as coisas em perspectiva não é necessariamente abrir mão da nossa opinião. Problematizar não é sempre ter repulsa. Deboche não é sempre desrespeito. Bom que às vezes seja também, porque nem tudo é para ser respeitado.
Entendemos que para viver bem com a autonomia do outro, sem surtar, precisamos abraçar a complexidade dos seres e das situações. Quisemos nos perguntar aqui o que a autonomia no fazer artístico dos nossos pares tem a nos ensinar sobre a nossa própria prática. Nossas experiências artísticas estão dispostas a reavaliar e reinventar o comum a partir de aspectos e compromissos não hegemônicos, expandir a definição e alargar os limites das possibilidades de vida na arte.
Ser objetivo, subjetivo, direto, falar nas entrelinhas, criticar o sistema, criticar a obra, ver a cidade que é água, passar a mensagem, guardar o segredo, ouvir. Chegar em conclusões, consciente, atente, e com tranquilidade para colocar fogo em tudo, ou só observar o pavio apagado. Realizar a necessária ressignificação dos termos e também criar expressões novinhas em folha.
Sabemos onde queremos chegar, estamos pensando sobre como fazê-lo e quisemos deixar o caminho aberto para que você também pense sobre isso.
ana almeida, camilla braga, carla villa-lobos, matheus bastardo e mulambö
CORTE 5
12 de fevereiro a 02 de março 2020
Pro ritual ter força, precisa ser junte
Depois de inúmeras versões, etapas e processos: nosso quinto corte.
Surgimos fabulando uma gestação em espiral, proposta que remonta e acumula memórias que passaram. Um corte inconclusivo que vai ao ar e movimenta o tempo. Após três meses de segredo e estopim, o que é isso que se solta?
Aqui nos referimos ao aspecto ritual da vida. Tanto cotidiano, urbano, rotineiro, quanto natural, selvagem, diaspórico. O ritual se caracteriza por uma brecha espaço-temporal, onde através do corpo em relação às materialidades, se gesta um estado de presença. A presença é convocada, pela ação, pelo sentir.
Nossos trabalhos convocam corpos e corpas. Acionando outra temporalidade em nós, indócil e anti-civilizatória, em relação. Ressignificar ritos do dia-a-dia: dormir, sonhar, trabalhar, comer, descansar, observar, manifestar, respirar. O corte 5 é carne viva, lambe os fios, afia as fissuras, cria espaços. Convoca à ancestralidade cortante.
Os públicos são bem-vindos a colocar máscaras, deitar-se na tenda-mar, mirar através das pedras, pelas pedras e com as pedras, apoiar-se em travesseiros para escutar sons, adentrar espaços de (con)vivência. Encontramos aqui estratégias de cuidado que materializam, através de imagens, sons, elementos e movimentos, demandas individuais e coletivas.
daniel santiso, lorena pazzanese, sophia pinheiro e viviane laprovita
PERFORMANCES
QUA. 12 FEV. 16h – OS USOS DA RAIVA | MOMENTO 7
Daniel Santiso
DOM. 01 MAR. 15h às 17h – CARNALAGE
Sophia Pinheiro, Daniel Santiso, Lorena Pipa e Viviane Laprovita
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