|
janeiro 19, 2020
Cities in Dust na Carpintaria, Rio de Janeiro
A Carpintaria tem o prazer de apresentar a coletiva de verão Cities in Dust, de 23 de janeiro até 4 de outubro. O título é aqui emprestado da música lançada em 1985 pela banda inglesa Siouxsie and the Banshees. A mostra inclui obras do acervo que compartilham um interesse na morfologia do urbano e seus fenômenos contemporâneos. São fotografias, pinturas e esculturas de 14 artistas representados pela Fortes D’Aloia & Gabriel.
[scroll down for English version]
Enquanto a canção descreve a destruição da cidade de Pompéia pelo vulcão do monte Vesúvio causada por fenômenos naturais em 79 a.C., nossa era é caracterizada pelo ser humano como principal fomentador de catástrofes. Acadêmicos como Eduardo Viveiros de Castro denominaram tal período como Antropoceno. Alguns milênios antes, em terras brasileiras, animais como preguiças gigantes escavavam paleotocas, túneis que serviam como abrigos subterrâneos; o termo titula a escultura de resina de Barrão com moldes recortados de papelão, madeira e uma possível caixa de ferramentas: abrigos temporários para utensílios rotineiros. Carlos Bevilacqua nos faz voltar ao presente. A tensão constante entre passado e futuro é o fio condutor de "Paletas e Fantasmas": objetos são ressignificados de seu uso comum, explicitando a fragilidade de um equilíbrio arquitetônico.
Iran do Espírito Santo, que há mais de vinte anos transforma objetos corriqueiros e industriais em totens contemplativos, participa com "Quatro lâmpadas”. A relação centra-se entre a trivialidade aparente destes objetos no uso comum e a aproximação visual aumentada e utópica que o artista insere em sua prática. Objetos cotidianos também servem como matéria prima para as fotografias abstratas da série "Mancha de Óleo", de Rivane Neuenschwander, produzida em 2012 a partir de imagens de satélites de derramamento de óleo. A obra remete imediatamente ao vazamento de petróleo ocorrido nas praias do Nordeste. Já o "Tríptico", de Luiz Zerbini, incorpora grids inspirados nas janelas do edifício Copan em São Paulo, que nos lembra de quando o projeto modernista de Niemeyer representava a utopia de um futuro otimista que nunca chegou. O antropólogo francês Lévi-Strauss sintetizou esta rápida decadência numa frase hoje mais reconhecida pela canção "Fora Da Ordem" de Caetano Veloso e apropriada na obra de Cerith Wyn Evans: “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína.” A consolidação da falha deste projeto brasileiro é ilustrada em "Perimetral" de Mauro Restiffe, que documenta a polêmica implosão do elevado carioca. "Planos de Fuga" são retratos dos centros paulistanos característicos de qualquer cidade do mundo: camisas sociais, gravatas, maletas, mochilas - impermanências constantes que se repetem de segunda à sexta. Da mesma forma, na série "New Ads for São Paulo", Franz Ackermann insere fachadas coloridas na cinzenta megalópole que poderia ser confundida com Xangai ou Nova Iorque. Tais fenômenos de fluxos contemporâneos geram consequências catastróficas sociais e ecológicas que hoje são amplamente questionados.
O excesso de informação e estímulo nos tornam condicionados à softwares que nos afastam da experiência do real. A escultura de Barrão "A+B" ilustra tal fenômeno: a organicidade dá lugar à rigidez das máquinas e telas que mediam cada vez mais nossas relações, e a cor cinza utilizada pelo artista pode ser interpretada como a monocromia usual dos materiais urbanos, como o concreto. "Forma" de Rodrigo Matheus e "Copa" de Leda Catunda usam a literalidade como ferramenta para explicitar os vícios de comunicação do mobiliário das cidades. "Epitácio Pessoa", de Damián Ortega, traz tridimensionalidade aos pixos observados pelo artista na avenida homônima - os tags no universo do grafite reivindicam individualidade e presença no espaço público.
Já Bárbara Wagner, em sua série "Mestre de Cerimônias" documenta a produção de clipes do Funk Ostentação paulista confundindo as noções de fantasia e realidade: seria essa uma metáfora de nossos tempos?
Carpintaria is pleased to present the summer group show Cities in Dust. The title is borrowed from British band Siouxsie and the Banshees’ song released in 1985. The exhibit is comprised of photos, paintings and sculptures by 15 of the artists represented by Fortes D’Aloia & Gabriel, which share a particular focus on urban morphology and its contemporary phenomena.
While the song describes the destruction of the city of Pompeii by Vesuvius, caused by natural phenomena in 79 B.C., our era is typified by human presence as the main enabler of disasters. Scholars like Eduardo Viveiros de Castro have named such period as Anthropocene. A few millennia earlier, in Brazilian territory, animals such as giant sloths dug paleoburrows, tunnels used as underground shelter; Barrão’s resin sculpture, entitled Paleotoca which borrows its title from the latter, is made with molds cutout from cardboard, wood and what seems to be a toolbox – temporary shelters for ordinary utensils. Carlos Bevilacqua brings us back to the present day. The constant tension between past and future works as a common thread in Paletas e Fantasmas [Palettes and Ghosts] – objects get new meanings that differ from their common usage, highlighting the fragility of architectural balance.
Iran do Espírito Santo, who’s been turning ordinary industrial objects into contemplative totems for over 20 years now, joins in with Quatro Lâmpadas [Four Light Bulbs]. The relationship stands between the apparent triviality of these objects with their common usage and the utopic enlarged visual approach the artist adds to his practice. Ordinary objects are also used as building materials in Rivane Neuenschwander’s series of abstract photos Oil Spills, made in 2012 from satellite images. The piece directly refers to the recent incident in Brazil’s northeast coast. Luiz Zerbini’s Tríptico [Triptych] integrates grids inspired by Copan building windows in São Paulo that remind us of times when modernist Oscar Niemeyer would stand for the utopia of an optimistic future that has never come into being. French anthropologist Lévi-Strauss summarized this rapid decay in a well-known sentence that was incorporated by Caetano Veloso in his song Fora da Ordem and later appropriated by Cerith Wyn Evans: Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína [Here Everything Seems Still Under Construction and Is Already a Ruin]. The consolidation of the failure of the Brazilian modernist project is illustrated in Perimetral, by Mauro Restiffe, which documents the controversial demolition of an overpass in Rio. Restiffe’s Planos de Fuga [Escape Plans] are portraits taken in downtown São Paulo, but also representative of any big metropolis: dress shirts, ties, briefcases, backpacks – continued fluctuations replayed Monday to Friday. Likewise, in the series New Ads for São Paulo, Franz Ackermann incorporates colorful façades onto the greyish megalopolis that could be mistaken for Shanghai or New York. Such contemporary influx phenomena create disastrous social and environmental consequences that are, nowadays, widely disputed.
The information and stimuli overload make us dependent on softwares that push us away from reality. Barrão’s sculpture A+B illustrates such phenomenon – organicity gives way to the rigidity of machinery and screens that increasingly mediate our relationships, and the grey color used by the artist may be interpreted as the customary monochrome scheme of urban materials, such as concrete. Rodrigo Matheus’ Forma [Shape] and Leda Catunda’s Copa use literality as a tool to highlight communication flaws on cities’ street furniture. Epitácio Pessoa, by Damián Ortega, brings three-dimensionality to the graffiti spotted by the artist in the namesake avenue – in the graffiti scene tags vindicate individuality and presence within public space.
As for Bárbara Wagner, she documents the production of funk ostentação music videos in São Paulo, blurring the lines between fantasy and reality in her series Masters of Ceremony: could it be a metaphor for nowadays?