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dezembro 8, 2019
Adalberto Mecarelli na Mercedes Viegas, Rio de Janeiro
O artista ítalo-francês que se notabilizou por seu trabalho com luz e sombra, e as intervenções públicas se valendo dos raios solares, faz sua primeira mostra no Brasil
Mercedes Viegas Arte Contemporânea inaugura no próximo dia 12 de dezembro de 2019, às 19h, para convidados, e no dia seguinte para o público, a exposição Adalberto Mecarelli – Luz +, com obras do artista nascido em Terni, Itália, em 1946, e radicado há 50 anos em Paris. Esta é a primeira exposição no Brasil do escultor de matriz construtiva abstrata que se notabilizou por seu trabalho de pesquisa de luz e sombra, registros da luz solar, e está presente em vários espaços públicos em diversos países europeus, como França, Itália e Alemanha. “A exposição traz sobretudo esculturas de luz que dialogam com o espaço da galeria, formas geométricas esculpidas pela sombra”, observa a curadora Elisa Byington, que selecionou obras do artista em diferentes técnicas e materiais.
Além das esculturas de luz, – que ocuparão grande espaço na galeria – estarão na mostra a obra “Jai Prakash, cr2075”, (2000), conjunto de cinco trabalhos em nitrato de prata sobre papel de algodão, feitas em Jaipur, na Índia, cidade muito frequentada por Mecarelli, desde a residência artística que fez entre 1992 e 1993, para pesquisar os notáveis observatórios solares do país; e a série “Hamlet” (1985), conjunto de nove impressões em água-tinta sobre papel de algodão, baseadas na cenografia que criou para a montagem de “Hamlet”, em 1985, no Théâtre des Quartiers d'Ivry, em Paris, com direção de Catherine Dasté, e excursionou por vários teatros franceses e europeus. A exposição terá ainda obras de 2010, em nitrato de prata sobre papel de arrozde registros solares feitos no Templo Haeinsa, na Coreia do Sul, e as obras inéditas “Demoiselles de Malakoff” (2019), desdobramentos da imagem de poliedros, impressas em nitrato de prata sobre tela crua. Malakoff é o bairro parisiense onde está o ateliê do artista, e as imagens surpreendentes que surgem do “embrulho” diferente de um mesmo poliedro, que, de modo não proposital e aleatório, remetem a imagens cubistas-futuristas, suprematistas, da abstração geométrica do início do século.
Elisa Byington explica que as obras em nitrato de prata são "fotografias no sentido etimológico do termo”. “É uma impressão de manchas de sol fixadas com nitrato de prata, formas resultantes de angulações diferentes da luz solar, escolhidas de forma aleatória – cada série obedece a um determinado princípio –, em diferentes momentos do dia”. “A parte pincelada de nitrato de prata – sobre tela, tecido ou papel – equivalente àquele volume desenhado pela luz solar, é imediatamente protegida da luz, mantida no escuro. Uma vez exposto à luz, o nitrato de prata escurece e adquire várias tonalidades, do marrom ao cinza chumbo, e consome lentamente aquela marca, a memória da presença, a marca deixada pelo sol naquele instante”, diz.
O título das cinco obras em nitrato de prata sobre papel de algodão, “Jai Prakash, cr7520” (2000), se refere a um dos instrumentos astronômicos arquitetônicos em Jaipur, na Índia.
CONTRASTES LUZ E SOMBRA
“Desde o início, a obra de escultor de Adalberto Mecarelli se constrói sobre questionamentos da visibilidade e a conceituação do não-visível. A experiência com o núcleo primordial da escultura na Escola de Belas Artes de Terni, o fogo, a transformação da matéria, e a ideia do vazio que se cria no processo da fundição com a técnica de cera perdida, um vazio perfeito, é decisiva para sua trajetória, distante da figuração. Ele vai trabalhar os opostos vazio/cheio, as relações entre o dentro e o fora, interior e exterior, contrastes entre luz /sombra, visível e invisível, os extremos luminosos do preto e do branco, recolocando-os como partes de um todo, no espaço”, comenta Elisa Byington.
INTERVENÇÕES EM ESPAÇOS PÚBLICOS
Uma característica presente em grandes esculturas de Adalberto Mecarelli é que se realizam plenamente em um único dia do ano, de acordo com cálculos precisos da inclinação do sol. Dentre as muitas intervenções em espaços públicos realizadas por Adalberto Mecarelli, está “Stomachion Solis”(harmonia infinita do sol), uma grande estrutura em aço cortén, que inicia o percurso no Parque das Esculturas, em Siracusa, Itália. Instalada no topo de uma falésia, em frente à Ilha de Ortígia, centro histórico da cidade, a obra é uma composição de quatorze peças que remetem ao Stomachion de Arquimedes (Siracusa, 287 a.C. – 212 a.C.), um dos mais antigos e fascinantes quebra-cabeças na história da humanidade. A partir de cálculos precisos, a escultura de Mecarelli, às 11h de cada dia 13 de dezembro, reflete os raios solares, que cruzam o mar e iluminam a Capela de Santa Luzia, em Ortígia, onde há a célebre tela do Caravaggio com o “Sepultamento de Santa Luzia” (1608). Uma hora mais tarde, às 12h, a mesma estrutura projeta a sua frente a sombra de um quadrado perfeito. No dia 13 de dezembro se festeja Santa Luzia (c.283 – c. 304), padroeira de Siracusa,e considerada protetora dos olhos. É o dia de seu martírio, quando arranca os olhos e os entrega ao carrasco para não renegar a própria fé, data próxima ao solstício de inverno. A obra faz alusão à luz (Lucia, em italiano), e a falta dela, a cegueira, uma passagem do caos ao cosmo. “Luz e sombra, caos e cosmo serão os quatro elementos em suspensão”, observa o artista.
Outras intervenções notáveis de Adalberto Mecarelli são “Eppur si muove” (1999), frase de Galileu, iluminada na fachada no Instituto Galileu, no campus da Universidade de Viltaneuse, em Paris, por meio de um complexo mecanismo de espelhos pela luz do sol no dia da sua condenação, 20 de junho;“Lux umbrae” (2011), nos Cryptoportiques, em Arles, França, e a escultura de luz, espécie de lua que surgia na fachada da Igreja de Sant'Eustache, durante a Nuitblanche, em Paris, em 2012. Em 2015, ele fez uma intervenção na abadia cisterciense de Sylvacane, na Provença, França. Em 2018, realizou “O Sol ao Sol”, uma grande escultura em pedra, de quase cinco metros de altura, instalada em um espelho d’agua junto a um poliedro irregular em aço, em Ibiúna, São Paulo. A cada dia 22 de setembro, data do equinócio de primavera, o sol, que passa no centro da fenda que divide em dois o “totem” de pedra, reflete na água sob o poliedro em aço, que devolve os raios refletidos na direção do sol.
SOBRE ADALBERTO MECARELLI
Adalberto Mecarelli nasceu em 1946, em Terni, região da Umbria, na Itália, e desde 1968 vive e trabalha em Paris.
Mecarelli se formou em fundição aos 19 anos na Escola de Belas Artes de Terni, onde aprendeu a técnica da cera perdida e se aproximou do núcleo primordial da escultura, o fogo, a energia, o vazio que se cria no processo. A experiência da técnica da cera perdida, o fogo, o molde, o vazio – que se cria depois de formada a “pele de bronze” da escultura –, abre um espaço mental insuspeitado que o fez abandonar muito cedo a figuração.
Nos anos seguintes – de 1966 a 1968 – cursou pintura na Escola de Belas Artes de Roma, período em que frequentou a vanguarda romana onde eram ativos artistas da Arte Povera como Jannis Kounellis (1936-2017), Pino Pascali (1935-1968), Eliseo Mattiacci (1940-2019), e outros que experimentavam a linguagem minimalista e conceitual como Maurizio Mochetti (1940) e Sergio Lombardo (1939). Alguns deles trabalhavam com a geometria analítica ou com leis da ótica para produzir obras de extrema pureza formal, outros assumiam a linguagem alegórica e a função provocatória de seus gestos e invenções, contra qualquer possibilidade abstrata.
Entre 1968 e 1970 cursa Sociologia da Arte na École Pratique des Hautes Études, em Paris. Realiza obras em ferro e aço, gesso e cera, madeira e cera. Volumes que quando seccionados revelavam outros dispositivos volumétricos que continha. É a série chamada “Volume réel” (volume real), que indaga as ambiguidades da representação, possibilidades do nome e a coisa coincidirem. Uma pesquisa que em 1969 o leva à realização dos “vide-noir” (vazio-negro), caixas brancas, negras na parte interna, que o recorte geométrico na superfície branca tornava visível, como se esta tivesse sido escavada, “criando a cor preta com o vazio”, diz.
Em 1973, realiza suas primeiras esculturas de luz. “Procurava um meio de mostrar um volume, um espaço, através da matéria que fosse a mais exemplar, a mais discreta. Encontrei somente a luz como resposta à minha busca. A claridade e o mistério que lhes são próprios me fascinavam. Me lembro do momento extraordinário quando comecei a decupar o espaço com formas reproduzidas nos slides que eu projetava. Eu esculpia a luz com a sombra que é também um estado da luz. Uma matéria cujo equilíbrio se situa entre a cegueira e o ofuscamento (‘enceguecimento’)”.
No final dos anos 1970, volta parcialmente a “materiais primitivos”. “Minha prática se articulava em torno do que eu chamo de “os limites de um tema plástico”. Noções que eram “reveladas por esculturas, relevos, onde o espaço, o signo, a escala, a transparência, a luz, postas no mesmo caldeirão, exprimiam um modo de ser da matéria no qual a imagem tinha sido excluída”. Este trabalho prossegue no período entre 1981/1982 em que vive e trabalha em Nova York.
Em 1984/1985, com bolsa do governo francês, trabalha no New York Institute of Technology e outros centros de pesquisa nos EUA e no Japão, para investigar a criação auxiliada por computador. Experimenta imagens sintéticas, mas os resultados não o satisfazem.
Inicia os trabalhos com a luz solar e as impressões de volumes de luz com a utilização do nitrato de prata, realizados principalmente na ilha de Stromboli, uma ilha vulcânica próxima à Sicília, onde costuma permanecer alguns meses durante o ano.
Em 1992/1993, a partir de uma bolsa de estudos, se dedica aos estudos dos observatórios solares na Índia. “Alguns dos observatórios mais antigos se encontram na Índia. O de Jaipur é o mais bem conservado. Trabalho durante um mês, das oito da manhã às quatro da tarde, em um espaço onde tudo indica a posição do sol em relação à Terra e às constelações. Você chega fisicamente a uma melhor apreensão da sua trajetória espacial”.
Realiza os trabalhos com projeções luminosas na França, Itália, Alemanha, em diferentes contextos arquitetônicos e urbanos como o Museu Arqueológico de Siena, ou o do antigo pórtico romano subterrâneo de Arles, o interior de abadias, antigas torres, fachadas de igrejas. São esculturas de luz que desenham formas geométricas, estabelecem volumes que ecoam, comentam, transformam ou atuam criticamente no lugar onde se instalam.
LINKS
Infos sobre o artista
Nuit Blanche 2012
Lugares Exquisitos - Nuit Blanche Paris
Lux Umbrae - Adalberto Mecarelli