|
dezembro 2, 2019
O Jardim na Casa Roberto Marinho, Rio de Janeiro
Poéticas diferentes se encontram na coletiva ‘O Jardim’, a ser inaugurada na Casa Roberto Marinho em 5 de dezembro de 2019, às 19h. Com projeto original de Roberto Burle Marx (1909-1994), os jardins da propriedade inspiram a temática que norteia a exposição. À convite do diretor do instituto, Lauro Cavalcanti, 11 artistas contemporâneos criaram múltiplos alinhados pela diversidade de suas linguagens: Angelo Venosa, Beatriz Milhazes, Carlito Carvalhosa, Hilal Sami Hilal, Iole de Freitas, Luciano Figueiredo, Maria Bonomi, Paulo Climachauska, Regina Silveira, Suzana Queiroga e Vania Mignone.
O projeto definitivo do jardim do Cosme Velho é de Roberto Burle Marx, numa das primeiras obras em terrenos particulares de sua autoria. A área verde, situada em franja da Floresta da Tijuca, funciona como transição da mata, sem pretensão de submetê-la a um ordenamento rígido. “É um jardim para ser vivenciado e não apenas olhado como ornamento. O paisagista usou ali espécies nativas que, até então, eram relegadas aos quintais nos fundos das residências. A casa do Cosme Velho é, nesse sentido, um exemplo precoce e bem sucedido do paisagismo tropical”, avalia Cavalcanti.
Em “O Jardim”, o público encontrará xilogravuras, objetos e serigrafias individualmente interferidas. A curadoria optou por incluir também as matrizes e registros dos processos de cada artista, revelando suas práticas no ateliê. “É um mergulho nos jardins concretos e imaginários de cada um”, comenta o diretor da Casa Roberto Marinho.
Os múltiplos, além de qualidade artística intrínseca, trazem o interesse das concepções específicas de cada artista sobre o tema jardim: lugar de memória, afirmação do homem sobre a natureza, referências literárias, local da infância, de afetos ou das representações da arte ao longo dos tempos.
A coletiva ficará em cartaz até 26 de abril de 2020, com visitação de terça a domingo, sempre das 12h às 18h.
Sobre os múltiplos
Angelo Venosa
Sem Título (impressão UV sobre compósito de alumínio e impressão 3D)
A Casa Roberto Marinho me rendeu recentemente a prazerosa experiência de rever um trabalho muito antigo (a escultura sem título, de 1986, em bandagem, gesso e piche/madeira, que integrou a exposição ‘Oito décadas de abstração informal’, em cartaz no instituto carioca de dezembro de 2018 a junho deste ano). Mais de três décadas depois, reencontrei naquele espaço um trabalho já adulto.
A convite do Lauro, retorno à Casa para a mostra “O Jardim”. Adotei uma solução simples, a partir de um trabalho que eu já vinha desenvolvendo com mapas de vegetação, e criei um objeto. Uma placa de compósito de alumínio, com imagem vegetal impressa em 3D. Não nomeei o trabalho, aliás, raramente dou título. Nomear é enquadrar e, em alguma medida, o verbo conduz o espectador. É tão mais interessante deixar em aberto...
Beatriz Milhazes
Flor de Margarida em vermelho, pink e lilás’ (serigrafia, 33,5 x 29,5 cm)
Me encantam os elementos que encontramos na natureza. E, como referência, as muitas maneiras de representação dela, seja na arte decorativa, arte popular, arte indígena – na intimidade imaginária. ‘Flor de Margarida em Vermelho, Pink e Lilás’ vive no jardim maravilhoso do universo cromático.
Carlito Carvalhosa
Sem Título (gravura em metal, 70 x 50 cm)
Um jardim é algo que se experimenta através do tempo. Não há uma visão única, infinitas configurações são possíveis para um jardim. Tenho muitos cadernos de desenhos de observação e lembranças, com incontáveis registros, que uso regularmente na minha prática. Foi a partir de uma seleção desses desenhos - com pequenos momentos distintos que compõem o todo - que criei a gravura para a mostra da Casa Roberto Marinho. É como uma história, uma narrativa que ganha um leve toque de humor no final. São pequenas imagens abstratas, que estão entre a representação e a própria ideia de traço: me interessa essa ambiguidade. Sobre os desenhos, há uma espécie de marcação que conduz o olhar, uma interferência em vermelho que convida ao “passeio” pelas subjetividades do jardim.
Hilal Sami Hilal
Viveiro (laminado de cobre corroído com ácido percloreto de ferro, 70 X 50 cm)
Acho a temática supergenerosa em diversos sentidos e, sem literalidades, muitas referências me vieram à cabeça. Pensei em Manoel de Barros, mas acabar em Burle Marx era inevitável. Sou capixaba e descobri que o paisagista brasileiro passou inúmeras vezes pelo Espírito Santo em busca de espécies da Mata Atlântica, nas quais o estado era riquíssimo. Muitas bromélias recorrentes em seus projetos eram originais do Espírito Santo. A partir deste dado histórico, me interessou relacionar as espécies com que Burle Marx trabalhava. Num gesto de subversão, incluí também algumas que eu gosto, sobretudo flores, como a margarida e as rosas. Fiz plaquinhas de identificação, dessas que encontramos em hortas e viveiros, que foram impressas (em UV) em laminados de cobre. Usei uma técnica que se aproxima da gravura em metal, sendo que faço da matriz o próprio trabalho. O percloreto de ferro, um ácido, resulta em corrosão delicadíssima agindo sobre o metal em que foram “plantados” filodendros, bromélias, palmeiras, bougainvilles, antúrios, lírios da paz...
Iole de Freitas
Fonte (policarbonato e metal, 33cm alt x 1.00m larg x 38cm prof)
Como trabalhar a ideia de ‘jardim’? Decidi partir de um repuxo d’água, uma fonte (termo que dá que título à obra) em que eu pudesse explorar a questão do movimento. Me lembrei de uma estrutura que sustenta barras rosqueadas, que desenvolvi no início dos anos 2000. Para os múltiplos da Casa Roberto Marinho - um trabalho de mesa - utilizei espessuras diversas de policarbonato, em busca de preservar a translucidez, criando lâminas que dialogam entre si, tendo a barra como elemento estruturador. Resultaram desta investigação duas peças distintas (com 20 múltiplos, cada), em que três curvas evocam o fluxo constante da água, que sobe em direção ao espaço e cai, num gesto leve.
Luciano Figueiredo
Jardim Goncharova (serigrafia, 76 x 56 cm)
Tomei a temática "jardim" como algo poético, e não como inspiração do mundo "natural", e pensei em evocar as criações brutalistas da artista russa Natalia Goncharova (1881-1962), que utilizou técnicas variadas nas capas de livros futuristas, na vanguarda russa, entre 1910 e 1934. Como costumo utilizar colagem com papel jornal e transparências, achei que seriam os elementos principais da minha criação, já que nunca pratiquei gravura fosse em qualquer técnica. Tive a importante contribuição do grande impressor Agustinho Coradello, que trouxe-me soluções exatas para o meu projeto, realizado em sofisticada técnica de serigrafia.
Maria Bonomi
‘O Jardim’ (xilografia impressa à mão em papel japonês, 3 matrizes e 4 cores, 50 x 70 cm)
A temática jardim bateu forte na minha imaginação: local para viver e para sonhar. Tudo escolhido, nada ao acaso, mas “deve parecer imprevisto”! Plantas e arbustos roubados do seu habitat e reordenados. Mato pasteurizado em oposição à invenção de um entorno mágico (Burle Marx). Escadas e passeios, degraus e calçadas. A cor fantasia de jardim para recordar, caminhando.
O processo xilográfico foi “plantado” em três matrizes, duas de madeira canjarana maciça e uma de cedrinho compensado. Gravei com goivas e burís, na placa em verde, o significado vegetal; e na outra, os caminhos dominados pelo andar entre “flores” em laranja-rosa (vermelho). Numa terceira matriz geometrizada, entalhei com faca e formão para somar transparências referentes às memórias estruturais, preparando um jardim. Tudo em conluio, pois também os perfumes do jardim estão presentes, na soma das transparências impressas a mão em papel japonês, com colher de bamboo.
Paulo Climachauska
Natureza Intocada (desenho pintado à mão com impressão das digitais do polegar do artista e de assistentes, 70 x 50 cm)
Parti de um trabalho antigo, uma série de desenhos improvisados criada há 10 anos para o MAM de São Paulo. Em Natureza Intocada, trabalhei a digital como matriz de impressão e criei as 40 gravuras, uma a uma. Todas são singulares e penso que, se não fossem assim, perderiam um certo erro que confere alma. Trabalhei com duas assistentes, que têm dedos menores, e a variação de tamanho das digitais sugere profundidade.
Sempre considerei Burle Marx um arquiteto das paisagens. Temos um sonho de natureza intocada, quase mítica, do Éden... Mas Burle Marx nos revela uma natureza construída, pensada racionalmente, que até parece algo tropical e nativo, no entanto, o Abricó de Macaco vem da Índia! Antes dos portugueses chegarem, as tribos nômades já realocavam mudas e transportavam plantas. A Mata Atlântica não é in natura, nunca foi original: são milênios de construção erguida pelas mãos do homem.
Regina Silveira
Insectarium (serigrafia impressa em duas cores, 70 x 50cm)
Integrar projetos sob a tutela de Lauro Cavalcanti para mim é um prazer – eles são sempre inteligentes, bem fundamentados e realizados. Entre os projetos com a Casa Roberto Marinho, este promete ser muito especial, dada a maravilha do jardim real, proposto como disparador da imaginação dos artistas. Escolhi o mundo dos insetos que se escondem nas árvores ou entre as folhas. Não o mundo dos insetos reais, mas o daqueles desenhados e registrados cuidadosamente em enciclopédias de História Natural. Para a impressão em serigrafia, foram realizadas duas matrizes: uma para o fundo preto esverdeado, em degradê, e outra para as figuras mais lineares dos insetos, em cor prateada.
Suzana Queiroga
Jardim Infinito (serigrafia)
Pensei em trabalhar de maneira mais abstrata, evocando minha experiência subjetiva com aquele jardim em especial, que considero uma pérola, de escala delicadíssima. Fez sentido valorizar aspectos que me marcam naquele espaço, em conexão direta com meu trabalho, que desenvolve tudo que se refere a organicidade, fluxos e ao infinito. Me interessam sempre as grades e sistemas urbanos, com seus mapeamentos.
Partindo do espaço proposto, me relacionei com o lago, que tem formas orgânicas e curvas contínuas, e contém água, fluido essencial que circula não só na cidade, mas nos corpos. A escala pequenina da ponte japonesa (instalada nos jardins da casa), quase cenográfica, também me encantou: é muito expressiva! Usei a cor da água, o verde da ponte e da natureza e, bem sutilmente, o tom dos flamingos, que antes habitavam aquela área. Me agradou essa solução abstrata que fala do jardim infinito, foi meu intuito criar uma imagem que sugerisse continuidade, um circuito. É quase uma meditação infinita, muito minimalista, inspirada na sensação extremamente agradável que tenho naquele jardim.
Vânia Mignone
Momentos (momento I, momento II, momento III e momento IV)
(Xilogravuras divididas em 4 grupos, 50 X 70 cm)
Fiquei muito contente com o convite do Lauro. Tanto por estar ao lado de artistas que admiro, como pela temática que dialoga com meu trabalho. Vi aqui, também, a cara possibilidade de retornar à prática da xilogravura, que aprendi ainda na faculdade, quando me foi apresentada a obra de Oswaldo Goeldi. Posso dizer que já fui apresentada a esta técnica pela via da subversão, com a interferência direta da mão do artista.
Montei a base do papel utilizando folhas impressas: tenho horror à superfície branca. Nunca compro papel, prefiro sempre produzir os meus artesanalmente, testando cor, espessuras, ondulações e deixando vazar registros anteriores. O papel é um agente do meu processo, que durou mais de dois meses, nesse caso. O resultado final se propõe a quase monotipias, com aspectos muito singulares. São quatro momentos palatáveis de alguém que poderia estar passeando num jardim.