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novembro 28, 2019
Ratos e Urubus no CCSP, São Paulo
Exposição com Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Barbara Wagner e Benjamin de Burca, Edu Marin, João Simões, Marcia X, Nuno Ramos, Raphael Escobar e Os Cupins das Artes e Valtemir Miranda reanima manifesto do carnavalesco Joãosinho Trinta no desfile “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia” (1989)
De 23 de novembro de 2019 a 1 de março de 2020, o Centro Cultural São Paulo exibe a exposição “Ratos e Urubus”. Nos 30 anos do desfile “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia” (1989) da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, concebido pelo artista carnavalesco Joãosinho Trinta, cujo carro abre-alas foi o Cristo Mendigo, esta exposição reaviva esse manifesto com a curadoria de Carlos Eduardo Riccioppo e Thais Rivitti, orientada pelos pontos de contato entre uma seleção de artistas e obras contemporâneas e o carro abre-alas do desfile.
A realização dessa exposição é fruto de um processo de discussão e pesquisa que envolve a colecionadora de arte do carnaval Alayde Alves. A visão crítica da arte contemporânea, e do carnaval como um acontecimento ímpar, momento privilegiado para se pensar a produção artística brasileira, orienta a escolha dos artistas, bem como de suas obras, para que essas discussões, por fim, cheguem a público sob a forma de uma exposição que instiga seus visitantes a pensarem, eles mesmos, os conceitos de arte contemporânea, modo de produção cultural brasileira e suas inter-relações desde meados do século 20 até os dias de hoje.
As obras são reunidas na Sala Tarsila do Amaral sob a égide de um pensamento tributário de Joãosinho Trinta a partir um dos desfiles mais paradigmáticos do carnaval carioca, que ficou em segundo lugar na apuração do ano de 1989. Segundo a curadoria, “antes de que uma simples (embora mais que nunca necessária) homenagem a Joãosinho Trinta, trata-se de reconhecer a atualidade dos problemas mobilizados por ele no desfile, problemas que extrapolam o imediatismo das questões sociais, políticas e econômicas da época, para se replicarem em todos aquelas questões de tomada de posição que constituem as próprias condições de surgimento de uma vida cultural e de uma experiência estética no país: a urgência inquietante dos temas da realidade social – o lixo, a presença cortante das marcas daquilo que “não foi”, que não se realizou, mas que insiste em se projetar para uma utopia nascida da própria adversidade -; a questão da marginalidade da e na cultura brasileira – os modos próprios de constituição de uma cultura urbana no país; a sobrevida dos mitos nacionais da tropicalidade e da sexualidade exuberantes e todas as ambiguidades que podem ainda produzir; a necessidade de se repensar formas de produção de uma sociabilidade coletiva, em face mesmo da dificuldade de constituição de uma tradição pública do debate cultural. Tais questões não são rebatidas pela arte contemporânea quando esta olha para o Carnaval; elas são o próprio nexo de toda produção de cultura no país”.
A mostra começa com a exibição do vídeo do desfile “Ratos e urubus larguem minha fantasia”, cujo carro abre-alas “Cristo Mendigo” fora censurado no primeiro desfile e coberto com sacos de lixo, além de trechos do desfile das campeãs da Beija-Flor, desta vez com o carro descoberto, e também desenhos preparatórios das alegorias, seguindo as ideias do artista e carnavalesco.
Nuno Ramos constrói uma obra in loco para a mostra coletiva, um atrator de urubus. Para tanto, instala no jardim contíguo à sala um mastro que avança a altura do prédio, e que, como um mastro de navio, possui, no alto, uma gávea – espécie de plataforma. Semanalmente, ao longo da exposição, esta gávea é guarnecida de pedaços de carne, à espera de que os urubus que circulam na região alimentem-se deles. Conjuntamente ao alimento, sobem à gávea também livros, textos, discos, que, remexidos pelos urubus enquanto se alimentam, são trazidos de tempos em tempos para a sala expositiva, permanecendo então numa vitrine. Também na gávea há um dispositivo de vídeo que exibe imagens de carnes e animais, como se oferecesse um menu aos bichos – e este mesmo vídeo é exibido na sala expositiva, próximo à vitrine destinada aos objetos recolhidos. Tudo o que acontece em cima do mastro é filmado e transmitido em tempo real na sala expositiva. Além desta obra inédita, o artista exibe uma pintura realizada no ano de 1991.
Arnaldo Antunes prepara para a mostra uma obra sonora cuja concepção parte do samba-enredo do desfile da Beija-Flor e do texto que a escola apresenta como um enredo em forma escrita do que é o desfile – espécie de manifesto que não costuma vir a público, e que é formado pela articulação das mais diferentes imagens e ideias que subjazem à elaboração daquilo que vai para a avenida, formando quase que um gênero literário próprio, entre uma narrativa e uma poesia com ares épicos.
Raphael Escobar e o coletivo Os Cupins das Artes, produzem uma versão própria do carro abre-alas do desfile da escola de samba “Cristo Mendigo”. Desde março de 2018, Escobar coordena um coletivo de marcenaria formado por moradores de rua como parte do Atende 5, equipamento de acolhida da Prefeitura de São Paulo. Na perspectiva da Economia Solidária e da Redução de Danos, o coletivo reutiliza madeira de caixas de fruta e pallets descartados junto ao CEASA, vizinho da instituição, para fabricar móveis e utensílios, a fim de gerar renda para o coletivo, além de indiretamente ajudar a diminuir o uso de álcool e outras drogas. A escolha desse trabalho, segundo Thais Rivitti, se relaciona com a possibilidade da arte contemporânea trabalhar com coletividades.
O trabalho de Edu Marin parte dos painéis e demais mobiliários e equipamentos expositivos disponíveis na Sala Tarsila do Amaral, alguns dos quais são retirados, outros, descascados, revelando suas estruturas internas, e outros, ainda, transformados em outros objetos – como uma arquibancada que, de dentro da sala, observa os passantes do CCSP. A obra do artista se mistura à expografia da mostra, ordenando, também, os demais trabalhos ali exibidos.
Da artista carioca Márcia X, a curadoria selecionou a instalação “Desenhando com terços”, que recobre parte do piso da sala com terços, que formam desenhos, e por fotogramas desses terços realizados em vida pela artista; além dessa obra, a mostra propõe uma maneira de exibir a performance “Pancake”, trazendo, para a exposição, um vídeo de uma de suas apresentações e os objetos que dela restaram junto ao Arquivo X, do MAM-RJ, bem como os demais materiais que a artista utilizava na performance trabalho: ponteira, martelo, sacos de confeitos colorido e latas de leite condensado.
Barbara Wagner e Benjamin de Burca trazem três dípticos fotográficos do trabalho “Swinguerra” (2019), conhecidos por pesquisarem as complexas relações entre manifestações culturais populares, identidade, corpo e gênero. Trata-se de parte do trabalho que ocupa o pavilhão brasileiro Bienal de Veneza, elaborando em vídeo e fotografias a constituição de uma cultura urbana nova, na qual música, dança, narrativa e estilo misturam-se.
Registros fotográficos do cotidiano do galpão da Beija-Flor, feitos pelo fotógrafo Valtemir Miranda, também acompanham as obras dos artistas contemporâneos nessa curadoria, mostrando fotografias suas relativas à preparação do desfile de 1989.
A curadoria selecionou, ainda, como um último núcleo de trabalhos pontuais, que costuram alguns sentidos da mostra, o poema visual “Lixo Luxo”, do poeta e artista visual Augusto de Campos, a obra “Bâtiment, de João Simões, e “ParaNelson (Sei que é doloroso um palhaço)”, de Nuno Ramos, de 2004.