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novembro 28, 2019
Tinho no Paço Imperial, Rio de Janeiro
Paço Imperial exibe 16 obras do paulistano Tinho, um dos precursores da street art na América Latina, que projetou para o mundo o grafite brasileiro
Um dos precursores do grafite no Brasil e um dos principais nomes da arte urbana na América Latina, o paulistano Walter Tada Nomura, o Tinho, abrirá exposição no Paço Imperial, no próximo dia 28 de novembro, às 18h. Com curadoria de Saulo Di Tarso, a individual “Os 7 Mares” reunirá 16 trabalhos (15 pinturas e uma instalação) de duas séries complementares do artista, que tem obras espalhadas por muros e paredes de inúmeras cidades mundo afora. A mostra, que ficará em cartaz no Rio até fevereiro de 2020, reafirma o salto formal do grafite na cena da arte contemporânea.
Descendente de japoneses, Tinho vive e produz em São Paulo, apontada como a capital mundial do grafite. Foi aos 12 anos de idade, quando já trabalhava como office-boy no centro da cidade, que o artista visual escreveu pela primeira vez seu nome na rua. É aí que também se inscreve a relação precoce com temáticas urbanas, como a violência e o abandono. O cotidiano vivido nas ruas da maior metrópole do país despertou a percepção do menino para a crueldade e a beleza, e revelou para o mundo o artista que elegeu a street art como poética de resistência.
A partir da década de 80, sua trajetória percorre alguns dos principais movimentos urbanos no Brasil, como o skate, a pichação, o punk e o hip hop. Essa vivência norteia a identidade artística de Tinho e segue presente ainda hoje em sua obra.
Com formação em Artes Visuais pela FAAP, o paulistano da Zona Norte já expôs em países como França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Espanha, Rússia, China, Austrália, Tunísia, EUA e Cuba. Através do projeto ‘Reflexo on Urban Art’, foi convidado a pintar murais em Amsterdã e, em 2006, criou um painel preparativo de grandes dimensões para a Copa do Mundo na Alemanha. Em 2012, conquistou o 2º lugar do prêmio PIPA e hoje integra a Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo.
“Tinho rompeu com regras e influências do grafite americano e passou a pintar mais livremente, experimentando novas técnicas, materiais e suportes; buscando uma estética autoral nas ruas de São Paulo. Por isso, passou a ser considerado o pai do freestyle no Brasil e um dos pioneiros da street art. Durante sua formação, aprendeu a conceituar seu trabalho, buscando um elo entre o que acontecia nas ruas e o que ocupava os espaços formais, os chamados cubos brancos”, afirma o curador Saulo Di Tarso. (ler texto curatorial)
Ao migrar sua poética para paredes institucionais, Tinho se mantém fiel às questões sociais e políticas fundantes de sua obra, sem perder de vista o reconhecido domínio cromático. Seu trabalho indoor ganha nova dimensão, não menos arrebatadora, e suas narrativas seguem pautadas pelo acúmulo de informações urbanas. As imagens registradas como diários visuais por onde o artista circula resultam em pinturas, colagens e instalações que estabelecem um diálogo instigante com o espectador.
A série que dá título à exposição teve início em 2012 e é composta por sete pinturas (em torno de 200 x 150cm, cada), que retratam o vasto repertório imagético do artista. As referências dos “Sete Mares” vão de livros, filmes e discos a shapes de skates e brinquedos, passando pela moda. São as profundezas por onde o inconsciente navega e, possivelmente, também naufraga diante dos excessos. Um oceano que evoca tudo aquilo a que Tinho recorreu como fonte. A série - que flui da figuração à abstração - convoca o espectador a se deixar levar pela correnteza e a identificar-se com ela.
“O processo de criação dos sete mares foi um mergulho intenso, uma visita às subjetividades que me constituíram, um processo de pesquisa racional e calculado a partir dos meus acervos íntimos e também de referências externas. Cada tela levou, em média, um ano pra ser produzida. Quando terminei, veio um sentimento de orfandade, uma experiência de abandono... A partir dessa vivência, surgiu a série complementar ‘Desdobramentos’ em que a abstração assume o espaço pictórico com maior protagonismo”, relata o artista.
Dois bonecos de pano, com três metros de altura cada, criados a partir de refugo de tecidos, também integram a mostra. Marca da obra de Tinho, os bonecos são como uma expansão do estilo gráfico do artista para o espaço tridimensional.
A ideia de pintar figuras infantis surgiu da necessidade de criar um personagem para ilustrar as ruas. Tinho começou pintando fotos de crianças desaparecidas, que logo ganharam a companhia dos bonecos de pano icônicos em sua obra, como forma de aplacar o desamparo. São artesanais e únicos, em oposição aos brinquedos industrializados. São frutos analógicos do início desse milênio, que ruma para uma vida cada vez mais digital, impessoal e urgente.
A obra de Tinho é um chamado para ver e ouvir a cidade. Um grito contra tudo aquilo que nos cega no meio do caos urbano e nos embota os sentidos: impossível não se afetar diante de tamanha visualidade.
Tinho por Carlos Vergara, OsGemeos e Xico Chaves
“Nós conhecemos o Tinho em 1989, na zona norte, onde estávamos pintando um graffiti e ele chegou e se apresentou. Informação naquele tempo era muito escassa, então com essa amizade trocamos o pouco de conhecimento que tínhamos. Tinho sempre foi um visionário, um artista único que retrata o cotidiano e sua vivência nas grandes cidades, questionando diferenças sociais, filtrando esse acúmulo de informações que faz parte de uma cidade fora do controle, como São Paulo.” (OsGemeos)
“Sobre o Tinho só posso falar bem. Além de ter uma pintura dele na minha coleção, com força de pintura pensada, participei a convite dele de um evento de pintura de rua onde aprendi muito e pude ver de perto a incrível aventura de pintar montado em guindastes e transformar o espaço urbano numa coisa, às vezes lúdica e às vezes grave, como um susto de ver imagens em lugares impensados. E como diz o poeta Manoel de Barros: Imagens são palavras que nos faltaram." (Carlos Vergara)
“Tinho consegue ultrapassar os limites de sua origem pictórica no muralismo urbano contemporâneo para o universo da pluralidade dos suportes da pintura e do objeto. Sem perder o domínio harmônico da vibração cromática, seduz e expressa sua origem sensível às questões sociais por meio de uma linguagem universal. Sua obra, coerente com sua própria história, reúne ainda a simplicidade da expressão popular e a complexidade singular de uma ampla abordagem poética.” (Xico Chaves)