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novembro 27, 2019

O ovo e a galinha na Simone Cadinelli, Rio de Janeiro

A partir do conto de Clarice Lispector, o curador Ulisses Carrilho reuniu obras históricas para abrir as comemorações do centenário de Clarisse Lispector (1920-1977)

Simone Cadinelli Arte Contemporânea inaugura a partir de 29 de novembro de 2019, às 19h, a exposição “O Ovo e a Galinha”, que abre as comemorações do centenário de Clarisse Lispector (1920-1977), com obras dos artistas Claudio Tobinaga, Gabriela Noujaim, Jeane Terra, Jimson Vilela, Leandra Espírito Santo, Roberta Carvalho e Ursula Tautz formando pares com trabalhos emblemáticos de Anna Bella Geiger, Claudia Andujar, Cildo Meireles, Ivens Machado, Leticia Parente, Rubens Gerchman e Waltercio Caldas. O curador Ulisses Carrilho partiu da metafísica do conto “O Ovo e a Galinha” (1964), de Clarice Lispector, para “investigar uma hipótese: a ideia de desejo não é um privilégio humano, opera também entre os objetos”. “Como num duplo fantasmático, trabalhos apresentam-se aos pares. Reflexos e distorções sublinham semelhanças num regime de coincidências, concomitâncias”, comenta Ulisses Carrilho. (ler texto curatorial)

As obras em vídeos, videoinstalações, áudios, pintura, escultura, vinil, matrizes gráficas, pertencem a acervos dos próprios artistas e a coleções públicas e privadas. As duplas de artistas que terão suas obras aproximadas são: Claudio Tobinaga/Rubens Gerchman, Gabriela Noujaim/Anna Bella Geiger, Jeane Terra/Ivens Machado, Jimson Vilela/Waltercio Caldas, Leandra Espírito Santo/Leticia Parente, Roberta Carvalho/Claudia Andujar, e UrsulaTautz/Cildo Meireles.

O curador ressalta que não buscou uma narrativa linear, e que a reunião dos trabalhos acabou por provocar uma atmosfera muito sutil, enevoada, “de uma espécie de descrença e ideia de fim de mundo”. A indefinição entre o que é realidade e absurdo também percorre a exposição. “Há uma impossibilidade de lidar com as coisas no sentido binário como sempre fizemos”, diz. Ele observa que alguns elementos se repetem, como no conto de Clarice, que menciona 148 vezes a palavra “ovo”. “Escombros, barcos, corpos, metafísica, nonsense, sombra”, cita Ulisses Carrilho. A fita de Moebius – criada pelo matemático e astrônomo alemão August Ferdinand Moebius, em 1858 – que passou a simbolizar a ideia de infinito, onde não há “dentro e fora”, também está presente em vários trabalhos. “O ovo é impossível. Resistente e frágil. Forte e fraco. Contém tudo e é contido pela galinha”, lembra.

Ulisses Carrilho observa também que em contraposição à explosão de luz e cores no primeiro andar, o segundo é marcado pela penumbra com luz localizada. “Nem todos diálogos são diretos”, ele ressalta.

OBRAS/ARTISTAS

Logo à entrada, no espaço térreo da galeria, duas pinturas se complementam e se refletem, em uma explosão de cores: a grande instalação pictórica “Banzai” (2019), de Claudio Tobinaga (1982), feita no local, em que os elementos geométricos da tela original de 2m x 1,5m se expandem para a parede e para o chão da galeria. Colocada em frente, está a icônica “Sentinela” (1980), de Rubens Gerchman (1942-2008), em tinta metalizada sobre ferro. As duas pinturas têm em comum, além das cores vibrantes, geometria e superposições, as referências militares. Claudio Tobinaga mescla paisagem urbana e ancestralidade nipônica, navios da Segunda Guerra, e figuras abrasileiradas de mangás, “como o bairro japonês da Liberdade, em São Paulo”, diz Ulisses Carrilho.

As serigrafias “Corpos, presente 2016” (2019), “Vale Sagrado” (2019) e “Corpos Tensionados 01” (2019), de Gabriela Noujaim (1983), que entre outros aspectos discutem sua ancestralidade indígena, apagamentos de memória e questões em torno da mulher, incluindo a violência, conversam com a gravura “Série Lunar I” (anos 1970), de Anna Bella Geiger (1933), que integra sua célebre pesquisa com imagens da NASA. Na exposição, esta gravura também reverbera a frase de Clarice Lispector: “A lua é habitada por ovos”. O estar dentro e fora – no espaço sideral – também é discutido na escultura “Superfície Circular” (2019), de Gabriela Noujaim, em que o gargalo se volta para dentro da garrafa de vidro. No início da escada que leva ao segundo andar da galeria estará um dos vídeos seminais de Anna Bella Geiger, “Passagens II” (1974), em que a artista sobe uma escada, infindavelmente. No alto da escada da galeria será projetado o vídeo “Obstáculos e medidas” (1975), 2'05", de Ivens Machado (1942-2015), em que o artista desenha uma escada.

Jeane Terra, que tem uma pesquisa voltada para a memória, e abrange escombros retirados de determinados locais, criou a escultura “O Voyeur do Cais” (2019) a partir de um pedaço de uma parede recolhido durante a desapropriação do Morro da Previdência, no processo de reurbanização da região portuária do Rio de Janeiro. No escombro, a artista escavou o mapa de onde foi retirado, e recobriu em ouro o que permaneceu intacto no Morro da Previdência. O trabalho discute a ocupação urbana e a história que vai sendo apagada, e se aproxima da escultura “Sem título” (2005), em rede, cordas, gesso e aros de ferro, de Ivens Machado, de sua série de trabalhos com materiais extraídos da construção civil. Na pintura “O Salto” (2017), que integra a coleção do Museu de Arte do Rio (MAR), Jeane Terra incorpora a histórica performance "Leap into the Void" (“Salto no vazio”,1960), de Yves Klein (1928-1962). A obra foi a primeira da artista em que usa a “pintura seca”, com a “pele de tinta” que desenvolveu, feita em vários tons, que depois é recortada em pequenos quadrados e aplicada sobre uma tela demarcada como um bastidor de bordado em ponto em cruz, que para a artista “é um pixel analógico”. O gestual da pintura está presente na construção da pele de tinta, e é desconstruído, ao ser recortado em quadrados.

A questão da fita de Moebius também está na obra “Infiltração II (2015), em papel e tecido, de Jimson Vilela (1987), um livro que cria uma grande curva e se acaba em si mesmo, que se relaciona com o objeto “Como imprimir sombras” (2012), de Waltercio Caldas (1946), um livro de acrílico transparente onde a frase-título está gravada e produz uma sombra. Nos dois livros, não há texto escrito, como um “apagamento”. “Espécie de ovo a ser quebrado”, observa Ulisses Carrilho. De Jimson Vilela também está a obra “Falsa Aparência” (2013), impressão jato de tinta sobre papel algodão.

A instalação “Série Gestos” (“OK”), 2019, de Leandra Espírito Santo (1983), composta por dez peças moldadas em resina transparente a partir das mãos da artista fazendo o gesto afirmativo, será disposta na parede, ocupando três metros de extensão. Ela dialoga com a escultura “Decanter” (2019), de Waltercio Caldas, em que a palavra “figura” está inscrita em um objeto de vidro contendo água. No vídeo “Making off” (2018) – https://vimeo.com/310986930 - Leandra Espírito Santo fez diversas máscaras a partir de moldes do próprio rosto, cada uma com uma expressão diferente. “A ideia é tratar o próprio rosto e suas expressões como máscaras. O vídeo vai mostrando um momento em que vou trocando essas máscaras e me preparando para colocar outras”, diz a artista. O trabalho faz par com o vídeo histórico “Preparação I” (1975), de Letícia Parente (1930-1991), em que a artista desenha seus olhos, boca e nariz em um papel colocado sobre seu rosto. “São dois vídeos de afirmação da subjetiva feminina, a mulher lidando com seu duplo, a imagem como fantasma”, comenta o curador. O link do vídeo é https://vimeo.com/119148500.

Os povos da Amazônia e as questões identitárias são os elementos comuns aos trabalhos da artista Roberta Carvalho (1980) e de Claudia Andujar (1931). Na obra “Ilha” (2019), de Roberta Carvalho, em pigmento mineral sobre papel de algodão, o público poderá ver, com auxílio do celular, a intervenção feita pela artista em Realidade Aumentada. De Claudia Andujar estarão duas fotografias: "Floresta Amazônica, Pará" (série “Sonho Yanomami”), de 1971, e “Desabamento do céu / fim do mundo” (série “Sonhos Yanomami”), de 1976.

VITRINE DA GALERIA, 24 HORAS POR DIA

Na vitrine da galeria, poderá ser vista dia e noite a videoinstalação “Sobre saudades (“Sem lembranças”) para televisores” ou “Saudações a Nam June Paik” (2014-2016), de Ursula Tautz (1968), que reúne vários monitores antigos de televisão. A artista, que tem uma pesquisa sobre sinos, fez a instalação sonora “Chegamos na hora certa” (2019), em que trocou o som da campainha da galeria, de modo a que o visitante ouvirá sons de sinos, ao invés do toque tradicional. A obra se aproxima do trabalho “Mebs/Caraxia” (1970/1971), de Cildo Meirelles (1948), um disco compacto em vinil. A capa do disco será exibida no térreo da galeria, e no segundo andar será ouvido seu áudio, que remete ao espaço sideral. Também no segundo andar estará de Ursula Tautz o vídeo “22.9053° S, 43.2340° W; 22.981043º S, 43.194080º W; 22.58551º S, 43.12408º W” (2016), em que se vê um fantasmagórico cobertor dourado esvoaçando no espaço, e “nos qui nos Credimus uiuos esse?” (2008), a maquete de uma intervenção não realizada em que uma peça de madeira branca de 25 metros de extensão atravessaria o portão de Brandemburgo, em Berlim, coberta por uma monotipia em carvão com imagens de corpos. O curador observa que também Cildo Meireles em sua obra “Arte Física: Cordões/30 Km De Linha Estendidos” (1969) imaginou uma intervenção geográfica nunca realizada.

Posted by Patricia Canetti at 10:35 AM