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novembro 14, 2019

Chiharu Shiota no CCBB, São Paulo

Com curadoria de Tereza de Arruda, Linhas da Vida reúne trabalhos que datam do início da carreira de Shiota, em 1994, até instalações inéditas inspiradas no Brasil

A transitoriedade dos ciclos da vida, a memória e a própria experiência pessoal inspiram a obra da japonesa Chiharu Shiota. Conhecida principalmente por seus trabalhos site specific em grande escala, frequentemente compostos por emaranhados de linhas, Shiota é autora de uma obra multidisciplinar, desdobrada em suportes diversos: são instalações, performances, fotografias e pinturas. A artista terá sua extensa obra celebrada na mostra retrospectiva Linhas da Vida, a partir de 13 de novembro, no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (CCBB SP). Com curadoria de Tereza de Arruda e produção da Base7 Projetos Culturais, a exposição também será exibida nas unidades do CCBB em Brasília (03 de março a 10 de maio de 2020) e no Rio de Janeiro (10 de junho 06 a 31 de agosto 08 de 2020).

Nascida em Osaka e radicada há 23 anos em Berlim, Shiota iniciou sua carreira artística em 1994, tomando a pintura como principal suporte. Todavia, logo descobriu que o espaço bidimensional era limitado para seu processo criativo e expandiu para as outras linguagens. Linhas da Vida reúne cerca de 70 obras que datam desde o início de sua produção artística aos dias atuais.

“Há certos motivos que acompanham Chiharu Shiota por toda sua carreira e surgem paralelamente em sua produção, a exemplo de objetos pessoais como chaves, vestuário, cartas, mobiliário e, ainda, elementos ícones da transitoriedade, como barcos”, explica a curadora. “Fotografias, vídeos, desenhos, gravuras e objetos foram selecionados meticulosamente para uma imersão no universo de Chiharu Shiota”, completa.

Organizada em cinco núcleos, a exposição é um convite de Shiota para que o visitante faça reflexões sobre a vida, seu propósito, conexões e memória. “Quero unir as pessoas no Brasil, não importando sua origem, status social, formação educacional, nacionalidade ou qualquer outro fator divisor. Como humanos, devemos vir juntos e questionar o nosso propósito na vida e por que aqui estamos”, afirma a artista.

Já no térreo, o público vai se deparar com a grande instalação Além da Memória (2019), obra inédita, que poderá ser vista a partir de todos os andares. A inspiração vem da diversidade do povo brasileiro e de um diálogo com a arquitetura monumental e histórica do CCBB-SP. Suspensa, com 13m de altura e em forma de uma espécie de nuvem, a instalação é composta por mais de mil folhas de papel em branco. É um convite para que o público idealize sua própria história e resguarde sua memória.

Os destinos da vida são questões recorrentes no processo de criação de Shiota e nas obras que ocupam o subsolo do CCBB-SP. Ela tece as linhas de sua vida e convida o público a fazer o mesmo. Essa é a ideia presente em Linha Vermelha (2018), obra que lança luz à produção manual da artista, uma de suas principais características. Em outro momento, dois barcos escuros surgem em meio a emaranhados de cordas vermelhas como alusão aos caminhos da vida. Trata-se de Dois barcos, um destino (2019), uma metáfora da artista sobre as formas de avançar, viajar, sem necessariamente saber qual é o ponto final, tal qual o percurso da vida. “Os barcos simbolizam os portadores de nossos sonhos e esperanças, levando-nos através de uma jornada de incerteza e admiração”, diz Arruda.

Chiharu divaga sobre a ideia de uma conexão universal de todos os seres. Transforma sua história em uma linguagem artística de caráter singular, sublime e tomada de elementos triviais. É disto que nasce o conjunto de esculturas e edições organizados em Conectada com o universo (2016 - 2019), núcleo exibido no primeiro andar do CCBB-SP. As gravuras aqui expostas têm como ponto de partida um ser conectado ao universo por um fio, espécie de cordão umbilical simbolizando o início da vida antes mesmo do nascimento. Em outras obras, a artista sugere que este mesmo ser se vê imerso ou submerso em um buraco ou invólucro sem perspectiva de saída e, assim, sua conexão com o mundo externo passa a ser realizada por vias imaginárias ou mesmo espirituais.

A presença do hermetismo não é ao acaso. Em dado instante de sua trajetória, Shiota tomou uma decisão existencial e parou de pintar - na época, seu principal suporte - porque não sentia que sua vida e sua criação artística estavam conectadas, entrelaçadas. Sonhou que se via dentro de uma pintura e foi assim que concebeu a icônica performance Se transformando em pintura (1994), cujo registro é exibido no segundo andar.

A tinta usada por Shiota nesta performance era tóxica e a artista sentiu imediatamente sua pele queimar e o pigmento só desapareceu de sua pele depois de alguns meses. Passados cerca de 20 anos, a artista voltou a utilizar a tela, porém não como um suporte pictórico convencional, mas, sim, como suporte de sua assinatura pessoal, sobre a qual aplica a trama de lã originariamente utilizada em suas instalações.

Ainda no segundo andar, a artista exibe A chave na mão (2015), instalação que esteve na 56ª Bienal de Veneza, na qual Chiharu representou seu país no pavilhão do Japão. A obra é composta por dois barcos que lembram, segundo a artista, duas mãos receptoras prestes a agarrar ou deixar de lado uma oportunidade, postos em um emaranhado de 180 mil chaves.

“O montante foi coletado por Shiota em uma campanha internacional, ato que a comoveu porque as pessoas normalmente dão suas próprias chaves aos outros em quem confiam. E para artista, as chaves estão associadas a memórias pessoais que nos acompanham em nossas vidas cotidianas”, conta Tereza de Arruda. A lã vermelha usada para montar a trama que emaranha os barcos simboliza os vasos sanguíneos do corpo e conecta a multidão dos proprietários das chaves.

No último andar do CCBB-SP, um núcleo de trabalhos pautados no Corpo, tema que aparece desde os primórdios na criação de Shiota. São obras em que a artista investiga questões ligadas à identidade, memória, corpo, fragilidade e doenças.

“O trabalho de Shiota evolui a partir de uma dinâmica orgânica de fazer e criar. Nota-se aqui que dentro de uma mesma temática há uma abrangência de obras distintas, como filmes resultantes de performances intimistas, tendo a artista como única protagonista em um relato pessoal, objetos compostos de roupas, que na perspectiva de Shiota existem como uma segunda pele humana a carregar em si os traços e vestígios da experiência humana e memória aí vivenciada, ou ainda objetos de vidro representando órgãos do corpo humano sãos ou dilacerados. Estes gestos e objetos artísticos referem-se à vida humana de forma geral”, finaliza a curadora.

Simultaneamente à retrospectiva no CCBB-SP, Chiharu Shiota expõe na Japan House São Paulo a mostra Internal Line, composta por um site specific que representa a memória como tema central.

Nascida em Osaka, em 1972, atualmente vive em Berlim. A inspiração de Chiharu Shiota muitas vezes brota de uma emoção ou experiência pessoal, que ela então expande para questões humanas universais, como a vida, a morte e as relações entre os indivíduos. A artista redefine os conceitos de memória e consciência, reunindo objetos corriqueiros, como sapatos, chaves, camas, cadeiras e vestidos, e inserindo-os em enormes estruturas feitas de fios. Explora em suas instalações a sensação de uma “presença na ausência”, mas também apresenta emoções intangíveis em suas esculturas, em seus desenhos, vídeos de performances, nas telas e fotografias. Em 2008, recebeu o Prêmio de Incentivo aos Novos Artistas, do Ministério de Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão. Seus trabalhos têm sido expostos em mostras individuais em instituições de todo o mundo, como: Museu de Arte Mori, Tóquio (2019); Gropius Bau, Berlim (2019); Galeria de Arte do Sul da Austrália (2018); Parque de Esculturas de Yorkshire, Reino Unido (2018); Usina de Arte, Xangai (2017); K21 Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf (2015); Galeria Arthur M. Sackler da Smithsonian Institution, Washington DC (2014); Museu de Arte de Kochi (2013); Museu Nacional de Arte, Osaka (2008), entre outros. Também participou de várias exposições internacionais, como o Festival Internacional de Arte de Oku-Noto (2017); a Bienal de Sydney (2016); a Trienal de Arte de Echigo-Tsumari (2009) e a Trienal de Yokohama (2001). Em 2015, Shiota foi escolhida para representar o Japão na 56a Bienal de Veneza.

Tereza de Arruda é mestre em História da Arte, formada pela Universidade Livre de Berlim. Vive desde 1989 entre São Paulo e Berlim. Como resultado de um acompanhamento contínuo da produção de Chiharu Shiota nos últimos anos, foi curadora de diversas exposições da artista, entre elas a sua primeira mostra retrospectiva realizada na Alemanha, Under the Skin, na Kunsthalle Rostock (2017), acompanhada da monografia publicada pela editora Hatje Cantz; a mostra coletiva In your Heart/In your City, com a participação de Chiharu Shiota, Takafumi Hara, Tatsumi Orimoto e Yukihiro Taguchi, no Køs Museum of Art in Public Spaces, na Dinamarca (2016), assim como a primeira mostra individual de Chiharu Shiota na América Latina, realizada no Sesc Pinheiros, em São Paulo (2015). Foi curadora da mostra 50 Anos de realismo -- do fotorrealismo à realidade virtual, realizada no CCBB São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro (2018/2019), além da mostra Índia -- Lado a lado, no CCBB Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília (2011/2012). Como curadora independente, colabora internacionalmente com diversas instituições e museus na realização de mostras coletivas ou monográficas, como Ilya e Emilia Kabakov: Two Times, no Kunsthalle Rostock (2018) ou Sigmar Polke -- The Editions, no Me Collectors Room Berlin (2017) e no Museu de Arte Assis Chateaubriand de São Paulo (MASP) (2011). Desde 2016 é curadora associada da Kunsthalle Rostock. Em 2018, tornou-se conselheira do programa de residência da Fundação Reinbeckhallen em Berlim. É curadora convidada e conselheira da Bienal de Havana desde 1997 e cocuradora da Bienal Internacional de Curitiba desde 2009. (www.p-arte.com)

Posted by Patricia Canetti at 1:45 PM