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novembro 14, 2019
Cruz-Diez no Porto Seguro, São Paulo
Com curadoria de Rodrigo Villela, exposição faz percurso imersivo em diferentes fases do artista e traz obras inéditas no Brasil
Figura de singular trajetória na arte contemporânea, o franco-venezuelano Carlos Cruz-Diez (1923 - 2019) dedicou sua vida ao estudo da cor nas artes contemporâneas. Artista profícuo, autor de pinturas, fotografias e instalações, foi aos poucos afastando suas criações das formas, anedotas, símbolos e até mesmo signos, num radical mergulho na cor em si - liberta ao máximo do aspecto decorativo ou secundário na representação artística. Sua extensa obra é agora celebrada na mostra Cruz-Diez: a liberdade da cor, exposição em cartaz de 9 de novembro a 2 de fevereiro, no Espaço Cultural Porto Seguro, com curadoria de Rodrigo Villela.
Nascido em Caracas, na Venezuela, Cruz-Diez interessou-se pela cor ainda criança, ao admirar a dança luminosa das garrafas que seu pai fabricava artesanalmente. Manteve a paixão pelas cores e pela potência expressiva dos fenômenos luminosos por toda a vida. Em meados de 1950, iniciou suas experimentações artísticas com a cor, o movimento e a luz e, na década seguinte, mudou-se para França, onde residiu e produziu incessantemente até seu recente falecimento, em julho deste ano.
Com um conjunto de 8 obras, além de 20 fotos, a exposição faz um percurso imersivo em diferentes fases do trabalho do artista, apresentando sua pesquisa e pensamento para além da arte cinética, movimento no qual é reconhecido como expoente pela crítica mundial.
No espaço térreo da instituição, quatro obras emblemáticas da trajetória de Cruz-Diez, três fisicromias e uma transcromia, abrem a mostra.Oriundos de coleções brasileiras, são trabalhos que introduzem o público a alguns dos fenômenos perceptivos e procedimentos fundamentais na pesquisa cromática de Cruz-Diez.
Inédita no Brasil, Labirinto Transcromia (1965/ 2017), instalação exibida no mezanino, é um convite à interação dos visitantes, que se tornam agentes criativos na mostra. Estruturas com tiras coloridas translúcidas presas ao teto, organizadas em distâncias variadas e em uma ordem específica, envolvem o espectador. Ao caminhar entre elas, surgem as mais variadas combinações e efeitos, frutos do fenômeno físico conhecido como síntese subtrativa, em que diferentes pigmentos coloridos sobrepostos produzem novas cores e, eventualmente, chegam ao preto.
Nas palavras de Rodrigo Villela, curador da exposição: "Cruz-Diez fez um percurso bastante tocante em busca da cor como potência singular. A questão é que, normalmente, nossa experiência das cores se liga a algum suporte, ou seja, a cor é percebida como um aspecto de algo, o que muitas vezes pode tender ao decorativo. Um exemplo é quando colorimos uma forma qualquer desenhada, uma flor, por exemplo, como se a cor fosse um recurso que dá mais beleza e graça. Mas o desenho da flor poderia existir sem a cor e continuaríamos entendendo o que é", explica. "É nesse sentido que Cruz-Diez se afasta gradualmente das formas e procura um contato direto com a vibração da cor e seus efeitos, algo que não depende necessariamente de uma forma. Os ambientes de cromossaturação, presentes na mostra, são um bom exemplo. E é em homenagem a esse belo mergulho, fundamental também para a arte contemporânea e a chamada pintura abstrata, que escolhemos ‘A Liberdade da Cor’ como título da exposição", completa.
No subsolo da instituição, um ambiente cromointerferente alude à transfiguração do espaço por meio da cor. Nele, quatro objetos - um cilindro, uma esfera e dois pedestais cúbicos - tem sua percepção transformada pela projeção cruzada de quatro feixes luminosos, cada um com uma cor diferente, formando uma trama de luz colorida. Em um percurso cada vez mais imersivo, ao sair desse primeiro espaço o espectador encontra a obra Cromossaturação (1965/2015), instalação composta por três salas contíguas mas com cores diferentes - vermelho, verde e azul. Não por acaso essas cores correspondem às frequências do espectro luminoso que estimulam os três tipos cones em nossa retina, células responsáveis por nossa percepção cromática. A experiência cria diferentes efeitos em nosso sistema perceptivo, habituado a receber uma ampla gama de cores simultaneamente.
Também no subsolo, uma seleção de fotografias em preto-e-branco clicadas por Cruz-Diez ao longo de sua vida, especialmente na Venezuela , nunca exibidas no Brasil. "A seção das fotografias mostra a humanidade do olhar de Cruz-Diez para com o mundo ao seu redor, e ao mesmo tempo já evidenciam seu gosto pela geometria e pelas composições equilibradas de luz e sombra - elementos clássicos da fotografia que em si tendem à abstração", reflete Rodrigo Villela. Ainda no subsolo, duas projeções: a primeira apresenta fotos de trabalhos do artista em arquitetura, como praças, prédios e monumentos ao redor do mundo. A segunda traz vídeos com depoimentos do próprio Cruz-Diez falando sobre alguns aspectos de sua trajetória e pesquisa.
A mostra ultrapassa a área expositiva da instituição com uma obra inédita, agregada à arquitetura externa do prédio, podendo ser vista tanto da rua quanto da praça do Espaço Cultural Porto Seguro. "O trabalho que eu realizo em áreas e edifícios urbanos faz parte de um discurso gerado no tempo e no espaço que cria situações e eventos cromáticos, e muda a dialética entre o espectador e o trabalho", afirmava o artista.
Sobre Carlos Cruz-Diez
Cruz-Diez (Caracas, 1923 - Paris, 2019) é considerado um dos principais expoentes da arte contemporânea. Iniciou sua pesquisa sobre a cor junto ao movimento cinético dos anos 1950-60. O desenvolvimento de sua reflexão plástica ampliou nosso entendimento sobre a cor, demonstrando que a percepção do fenômeno cromático não está associada à forma. Cruz-Diez concebeu essa proposição no que ele qualifica como estruturas espaciais, "cromoestruturas" ou suportes para eventos cromáticos, dando origem ao que conhecemos como "Fisicromia", "Transcromia", "Indução Cromática", "Cor Aditiva" e "Cromosaturação". Em suas obras, demonstra que a cor, ao interagir com o espectador, converte-se em um acontecimento autônomo capaz de invadir o espaço sem o recurso da forma, sem anedotas, desprovida de símbolos.
Foi premiado na França, na Argentina e na Venezuela, e suas obras estão em diversos acervos: Archer M. Huntington Art Gallery, University of Texas (Austin); Casa de las Américas (Havana); Collection of Latin American Art, University of Essex (Colchester); Daros Latinamerican Collection (Zurique); Museum of Modern Art (Nova York); Irish Museum of Modern Art (Dublin); Josef Albers Museum Quadrat Bottrop; Musée d’Art Contemporain de Montréal; Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris; Musée national d’art moderne - Centre Georges Pompidou (Paris); Museo de Arte Contemporáneo (Bogotá); Museo de Arte Contemporáneo de Caracas Sofía Imber; Museo de la Solidaridad Salvador Allende (Santiago); Museum of Contemporary Art (Sydney); Museum of Fine Arts, Houston; Museum of Modern Art (Sydney); Muzeum Sztuki (Lodz); National Taiwan Museum of Fine Arts (Taichung); Neue Pinakotheke (Munique); Palais de l’Unesco (Paris); Sonja-Henie Museum of Modern Art (Hovikodden); Tate Gallery (Londres); The Blanton Museum of Art (Austin).
No Brasil, suas obras estão no acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Suas mais recentes exposições no país são: Cruz-Diez - A Cor no Espaço (Pinacoteca, 2012) e Cruz-Diez: circunstância e ambiguidade da cor (Galeria Raquel Arnauld, 2012).