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outubro 23, 2019
Miguel Bakun na Simões de Assis, São Paulo
A Galeria Simões de Assis traz em sua sede paulistana um recorte da produção de Miguel Bakun. A exposição, assim como as últimas do pintor, especialmente a realizada no Instituto Tomie Ohtake no primeiro semestre de 2019, cumpre a tarefa de não só resgatar uma obra excepcional como de conferir a Bakun o reconhecimento merecido, ainda que tardiamente e muito depois de sua morte.
A mostra reúne cerca de 40 pinturas, entre as quais as suas paisagens praianas que não fizeram parte da última mostra em São Paulo. Assim como Pancettti, Bakun foi marinheiro no Rio de Janeiro até 1930, quando volta para Curitiba. Para Ronaldo Brito, em um dos textos feitos especialmente para exposição, as extraordinárias marinhas ostentam um pronunciado acento mineral enquanto os céus não exalam nada de aéreo, são quase metálicos. “Trata-se sempre, porém, da mesma ânsia tátil que desobedece à vontade a regra acadêmica da textura, a correta imitação visual da sensação tátil. A matéria da pintura é o espírito do pintor”, escreve o crítico.
Já o texto de Paulo Pasta ressalta como as paisagens do artista são quase sempre cenas de seu lugar de origem, tornadas interessantes pela sua capacidade em apreender o que elas têm de distantes e perdidas; ambientes ermos e desamparados que sempre serviram de motor à poesia de pintores e muitas vezes respondem pelo melhor de suas produções. “...a forma com que Bakun construiu e revelou esses sítios à margem, essas paisagens olhadas de maneira comum, acentua esse estado de espírito da, e na, paisagem, dotando-as de uma grandeza humilde”, conclui.
Ronaldo Brito sugere que, de alguma maneira, por meios e modos difusos, Miguel Bakun fez-se contemporâneo de Cézanne e Van Gogh. “Ele não passava os olhos sobre as reproduções de suas telas, a essa altura, já emblemáticas; à sua medida, ele as introjetava, examinava a fundo, até as últimas partículas de seu ser”.
Bakun, afirma ainda Pasta, é um dos artistas que melhor souberam dar potência ao esquecimento e equilibrar verdes, azuis e amarelos, um pouco travosos e sem brilho, cores quase desbotadas, com uma noção muito moderna do não acabado. “As melhores, para mim, parecem fundos de quintal, um lugar comumente caseiro, reservado, escondido e Bakun é um dos melhores intérpretes desse espaço incerto e paradoxalmente cheio de memórias”. Segundo Pasta ainda, essa materialidade precária assumiria e ajudaria a compor a forma magistral de sua lírica. “Forma e conteúdo dando as mãos, identificando-se, para formarem o sentido pleno dessa obra tão peculiar”, completa.
Miguel Bakun (Marechal Mallet, PR 1909 – Curitiba, PR, 1963) é considerado um dos principais artistas modernos do Paraná. Autodidata, sua incursão nas artes plásticas se dá no final dos anos 1920 por influência do pintor José Pancetti, ambos marinheiros no Rio de Janeiro. Em 1930 é desligado da Marinha e volta para Curitiba, onde trabalha em diversas frentes para manter o próprio sustento e inicia uma obra pictórica intensa. No início dos anos 1940 instala ateliê em prédio cedido pela prefeitura a vários artistas, momento em que estabelece maior convívio com o meio cultural da cidade, que nunca o integrou plenamente. É o período mais produtivo do artista: dedica-se à pintura de retratos, naturezas-mortas, marinhas, e, sobretudo, à pintura de paisagem. A liberdade com a qual apreendeu a paisagem fez com que fosse superada sua complexa condição de trabalho, que incluía desde barreiras técnicas à precariedade dos materiais utilizados, como a paleta reduzida de cores e a tela preparada com estopa. A combinação ousada de amarelos, azuis e verdes, bem como as pinceladas energéticas de densas massas de tinta, fizeram de Bakun um pioneiro da arte moderna no Paraná, ainda que tal reconhecimento tenha se dado postumamente. A difícil situação econômica do artista, assim como a pouca penetrabilidade de sua produção no sistema de artes local, levou ao seu suicídio em 1963, aos 54 anos.