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outubro 23, 2019

Adrià Julià na Pinacoteca, São Paulo

Pinacoteca apresenta primeira exposição individual do artista Adrià Julià no Brasil

Conjunto de obras coloca em questão o modo como dispositivos técnicos modelaram a organização dos fluxos de imagem e de valor econômico no mundo contemporâneo

A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo apresenta, de 26 de outubro de 2019 a 16 de fevereiro de 2020, a exposição Adrià Julià: Nem mesmo os mortos sobreviverão, primeira exposição individual no Brasil do artista nascido em Barcelona, em 1974. Com curadoria de Fernanda Pitta, curadora do museu, a mostra apresenta trabalhos que ocupam o pátio e duas salas contíguas à exposição de longa duração do acervo da Pinacoteca, no segundo andar. As obras colocam em questão as implicações das técnicas de reprodução, impressão e autenticação que pautaram a organização do fluxo das imagens nos primórdios da fotografia, a partir das experiências do inventor Hercule Florence que se estabeleceu no Brasil no século 19.

Por meio de instalações, cinema, vídeo, fotografia e publicações, Adrià Julià parte de uma suposta objetividade documental da imagem para construir ficções que desvelam aspectos esquecidos ou ocultados da história. Seu trabalho volta-se para a investigação de uma suposta obsessão, nos dias de hoje, pela precisão da imagem, a documentação e a cópia perfeita, bem como os usos desses elementos como instrumentos de controle dos corpos, das relações e da natureza.

Para a mostra na Pinacoteca — que conta com apoio de Acción Cultural Española (AC/E), através de seu Programa para Internacionalização da Cultura Espanhola (PICE), na modalidade de “Mobilidade”; do Instituto Hercule Florence e da Coleção Cyrillo Hercules Florence —, o artista apresenta desdobramentos do projeto Copy Money Copy, que vem sendo realizado desde 2016, no Brasil, para pesquisar sobre o fotógrafo, desenhista, tipógrafo e inventor Hercule Florence (Nice, 1804 – Campinas, 1879).

O intuito de Adrià tem sido investigar a utopia e o malogro dos experimentos com a imagem reprodutível realizados por um dos mais interessantes e notáveis inventores estrangeiros que se estabeleceram no Brasil no século 19. Menos conhecido dos muitos inventores de processos fotográficos no início da década de 1830, Florence foi o primeiro a cunhar o termo “fotografia” para designar a tecnologia de impressão com luz.

Durante o período em que o francês se estabeleceu no Brasil, entre 1824 e 1879, conseguiu, entre outros feitos, aprimorar o controle do desbotamento gradual causado pelo sol à imagem, ao utilizar o ouro – e não somente a prata como outros inventores – para suas primeiras experimentações. Em função dos recursos escassos, teve de recorrer também ao uso da própria urina como substância fixadora da imagem.

Seguindo procedimentos similares, Julià concebeu, para a sala A, a obra Exercise for an Overexposed Landscape (#2) [Exercício para paisagem superexposta (#2)]. Nela, uma máquina faz girar uma fotografia em grande formato cujo papel – impregnado de ouro e urina humana como substância fixadora, tal como Florence havia executado – foi submetido a uma superexposição à luz ambiente durante três dias. Na peça, um sistema cíclico de engrenagens rotaciona a imagem em um ciclo que se completa em exatamente um dia.

Aludindo aos primórdios da fotografia e da imagem animada, o artista reflete sobre o lugar da repetição, do automatismo e da reprodução na compreensão do universo imagético. “Apresentando a obra na sala adjunta àquela dedicada às obras dos viajantes, o artista rememora o lugar de Florence nas narrativas da construção do imaginário sobre o Brasil, empreendido por estrangeiros durante o século 19, referindo-se também às implicações do olhar colonizador”, explica a curadora Fernanda Pitta.

Na sala B, é apresentada a videoinstalação The Exceeding Image [A imagem excedente], que aborda a história de uma fotografia perdida realizada por Florence. Tomada a partir de sua casa em direção à praça da cidade e à cadeia pública da então Vila de São Carlos (atual Campinas), a imagem – segundo as descrições do inventor – reproduziria a vista da cadeia, cuidada por seu vigilante e ocupada por prisioneiros. A possibilidade de uma das primeiras fotos da história ter capturado a imagem de uma cadeia confere a ela um valor simbólico e acaba por se tornar, para Adrià, ponto de partida para uma ficção em torno desse evento do qual não se tem mais o registro imagético, só podendo ser reconstruída por meio da imaginação.

Entre as duas salas, no pátio, um mecanismo imprime folhas de papel estampadas com a imagem do beija-flor, retirada da extinta nota de 1 Real. A obra comenta a tentativa frustrada de Florence, com seu papel inimitável, de encontrar uma técnica que pudesse prevenir a falsificação de papel-moeda, problema que afligiu todas as economias que, ao longo do século 19, passaram a adotar essa forma de sistema monetário, incluindo o Brasil.

As duas salas, concebidas como o espaço do inventor (a máquina na sala A) e o espaço da imagem (a prisão na sala B), e o acontecimento de “distribuição” do pátio colocam em questão o modo como dispositivos técnicos modelam a organização dos fluxos de imagem e de valor no mundo contemporâneo. “Não por acaso, esses fluxos parecem coincidir com os primeiros desenvolvimentos de uma economia em que o lastro de valor vem se tornando cada vez mais imaterial”, finaliza a curadora.

A realização desta exposição só foi possível graças ao apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Adrià Julià nasceu em 1974, em Barcelona, Espanha, e atualmente vive e trabalha entre Los Angeles, EUA, e Bergen, Noruega, onde é professor da Universidade de Bergen, no KMD. Suas exposições individuais mais recentes aconteceram em instituições como a Fundação Miró, Barcelona; Tabakalera, San Sebastian; Project Art Center, Dublin; Museo Tamayo, Cidade do México; Orange County Museum of Art, Newport Beach; LAXART, Los Angeles; Artists Space, Nova York; Insa Art Space, Seul; e Galeria Soledad Lorenzo, Madri. Integrou mostras coletivas em instituições como Metropolitan Museum, Nova York; Museo Reina Sofía, Madri; Witte de With, Roterdã; Seoul Museum of Art, Seul, Coreia; Lyon Biennale, Lyon; Generali Foundation, Viena; 7ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre; Akademie der Künste, Berlim, além de performances para a 29ª Bienal de São Paulo. O artista também foi agraciado pela American Academy (Berlim), pela Botín Foundation, California Community Foundation Fellowship for Visual Artists, Art Matters, American Center Foundation, “La Caixa” Fellowship Program e, em 2002, foi vencedor do Altadis Prize.

Posted by Patricia Canetti at 10:10 AM