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setembro 5, 2019
Fernando Diniz e Josef Hofer na Estação, São Paulo
Individuais de Fernando Diniz e Josef Hofer, artistas cujas divergências da mente e do corpo não encontram limites na arte
A duas mostras são desdobramentos do Seminário Internacional “A arte como construção de mundos", que acontece paralelamente à mostra “Bispo do Rosário: As coisas do mundo”, na Fundação Marcos Amaro, em Itu, dia 7 de setembro, evento apoiado pela galeria Estação que traz como uma das palestrantes a Dra. Elisabeth Telsnig, tutora da obra de Josef Hofer e curadora da exposição do artista em São Paulo.
Fernando Diniz (1918, Aratu, Bahia – 1999, Rio de Janeiro, RJ) está entre os artistas forjados no ambiente da Dra. Nise Da Silveira, hoje reunidos no Museu de Imagens do Inconsciente, instituição parceira da Galeria Estação na realização desta individual em sua homenagem. Com curadoria de Luiz Carlos Mello e Eurípedes Junior, a mostra institucional traz um recorte de pinturas da produção de Diniz estimada em cerca de 30 mil peças, entre telas, desenhos, tapetes e modelagens. Com sua obra tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2003, o reconhecimento do artista é ainda saudado pelas inúmeras exposições no Brasil e no exterior, prêmios, publicações, filmes e vídeos.
“Não sou eu, são as tintas”, esta era a sua resposta, quando frequentava, a partir de 1949, a Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, criado por Dra. Nise. Segundo os curadores, Diniz mescla o figurativo e o abstrato, abarcando das mais simples às mais complexas estruturas de composição. “Presença constante é o geometrismo, marcado muitas vezes pela imagem do círculo, que representa as forças ordenadoras, curativas, da psique”.
Além de ter produzido intensamente – de quatro a seis trabalhos por dia –, Fernando Diniz recolhia todo tipo de papel que encontrasse no hospital e em suas cercanias, levando-os para o seu quarto. Ali, utilizava esses materiais como suporte para suas criações, denominando-as “Reciclados”. Velhos lençóis lançados ao lixo pela administração hospitalar foram recuperados por ele: costurando-os, construiu suportes para as pinturas de grandes dimensões que denominou Tapetes digitais.
Os curadores destacam a ânsia por conhecimento do artista, que chegou a imaginar o hospital como uma universidade. “A sua paixão pelos livros fazia-o constantemente atualizado com os acontecimentos e descobertas científicas. Manifestava interesse por astronomia, química, física nuclear e informática, revelando-se um pesquisador incansável”. Sua curiosidade pelo conhecimento levou-o ao cinema. Foi a sua participação no filme Em busca do espaço cotidiano, de Leon Hirszman, que despertou seu interesse pelo movimento da imagem. Esse interesse resultou no premiado desenho animado Estrela de oito pontas, para o qual criou mais de 40 mil desenhos sob a orientação do cineasta Marcos Magalhães.
Em 1992 o Museu de Imagens do Inconsciente realizou uma grande retrospectiva de sua obra, O universo de Fernando Diniz, ocupando com mais de duas centenas de trabalhos os espaços do Paço Imperial da Praça XV, no Rio de Janeiro.
“Do espaço para o tempo, do inorgânico para o orgânico, do geométrico para o figurativo ou vice-versa, Fernando ia tecendo seu universo. Visitou os espaços interiores da casa sonhada, e as amplidões das paisagens; fragmentou ou reconstruiu o corpo humano, submetendo-o aos movimentos dos jogos, dos esportes; esquematizou objetos e seres, imaginou objetos científicos, executou verdadeiros tornados geométricos prenhes de formas cuja multiplicidade extrema por vezes levou-o ao caos, de onde sempre retornava trazendo novas e inesperadas imagens, como os seus últimos abstratos, onde logomarcas, fórmulas químicas, signos e símbolos se misturam para criar um luxuriante universo de coisas, um inventário do mundo”, concluem Luiz Carlos Mello e Eurípedes Junior.
Josef Hofer (1945, em Wegscheid, Bavária), hoje considerado um “clássico” da Art Brut, tem sua obra conhecida na Áustria, Alemanha, França, Mônaco, Holanda, Bélgica, Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Itália, Espanha, Portugal, Polônia, República Checa, Eslováquia, Estados Unidos, Japão e agora no Brasil. Difícil imaginar como artista chegou hoje aos seus 74 anos diante de tantas dificuldades. Começou com seu nascimento, em março de 1945, quando, até agosto do mesmo ano, esteve em vigência na Alemanha a Lei para Proteção da Saúde Genética do Povo Alemão, que exigia a médicos e parteiras o relato imediato do nascimento de uma criança com deficiência. As consequências eram a morte do recém-nascido e a esterilização pelo menos da mãe. Embora suas características físicas divergentes fossem visíveis desde o início, nada foi informado às autoridades de saúde.
Mais tarde, isolado com a família em uma fazenda, também com problemas de audição causados pelas inúmeras infeções de ouvido que acabaram afetando também a fala, não pode frequentar a escola, como seu irmão mais velho. Este, mesmo com deficiência intelectual, trazia para casa lápis e tocos de lápis de cor com os quais Hofer costumava desenhar sobre uma folha de jornal.
Com a morte do pai, Hofer foi levado pela mãe para Kirchschlag, perto de Linz, onde ficou sob a guarda de uma sobrinha. Desde 1992 vive em Lebenshilfe em Ried im Innkreis. Lebenshilfe,organização social para pessoas com deficiências físicas e intelectuais, onde conheceu a historiadora de arte Elisabeth Telsnig, em 1977. “Cerca de trinta pessoas participavam de meu ateliê, entre elas Josef, e notei de imediato seus desenhos. Eles eram diferentes de qualquer coisa que eu já tinha visto”, afirma Telsnig.
“Como não pode ouvir nem se fazer entender verbalmente, Josef Hofer se comunica com o mundo exterior por meio de sua arte. Está envolvido criativamente consigo mesmo e com seu corpo e, assim como no modo como está envolvido com seu reflexo no espelho, ele se envolve igualmente com as posturas e posições do corpo representado, e supera, ou até mesmo triunfa sobre sua deficiência através dos corpos que desenha”, completa.
Elisabeth Telsnig é curadora, doutora em história da arte e chefe do workshop de atividades criativas das instalações comunitárias de Lebenshilfe Oberösterreich em Ried (Áustria), onde Josef Hofer participa semanalmente. Ela é tutora do artista desde 1997.
Sobre Seminário Internacional: “A arte como construção de mundos".
Local: Fundação Marcos Amaro / Itu / 7 de setembro
O encontro – organização ARTE!Brasileiros – tem como objetivo apresentar para o público a enorme riqueza e diversidade de artistas portadores de sofrimento psíquico no Brasil e no mundo, ligados ao movimento inicialmente nomeado pelo pintor francês Jean Dubufett como Art Brut, e debater sobre a beleza e a força contida na produção das obras de artistas asilares.
Participam do evento Elisabeth Telsnig (representante do trabalho do artista austríaco Josef Hofer), Savine Faupin (curadora-chefe responsável por Arte Bruta no Museu de Arte Moderna, Contemporânea e Arte Bruta de Lille, França), Tânia Rivera (psicanalista, doutora em Psicologia e professora da Universidade Federal Fluminense) e Raquel Fernandes (diretora geral do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Rio de Janeiro). A conversa será mediada por Ricardo Resende (curador da Fundação Marcos Amaro e do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea).