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agosto 27, 2019
Wesley Duke Lee na Fundação Iberê, Porto Alegre
O pioneiro da linguagem contemporânea nas artes plásticas no Brasil vai ganhar exposição na Fundação Iberê, em parceria com o Instituto Wesley Duke Lee. Wesley Duke Lee - A Zona: A vida e A morte apresenta três fases que aconteceram simultaneamente para o artista, entre os anos 1962 e 1967. Ao todo, são 59 itens entre pinturas, desenhos e colagense, como os trabalhos de "Jean Harlow". Criada em 1967, a série reúne 30 desenhos que partiu do interesse de Wesley por relatos da sina trágica da atriz americana, conhecida como "vênus platinada" de Hollywood dos anos 1930. A abertura ocorre no dia 31 de agosto (sábado), às 14h, com visita guiada à exposição, às 15h, com o curador Ricardo Sardenberg e a historiadora de arte Cacilda Teixeira da Costa.
No dia 1º de setembro (domingo), o Cine Iberê faz sessão comentada de "A Última Viagem de Arkadin d'y Saint Amér", com Cacilda Teixeira da Costa (SP) e Sérgio Zeigler (SP) – diretores do documentário - e Eduardo Veras (RS). O curta-metragem é um retrato em três atos do artista Wesley Duke Lee, em que o poeta Zuca Sardan narra as aventuras de Arkadin D'Y Saint Amér, alter ego do pintor. Um documentário sobre as contradições e os conflitos de um artista cuja obra teve sua plenitude nos anos 1960 – eterno "enfant térrible".
Cacilda Teixeira da Costa é autora de "Wesley Duke Lee: Um Salmão na Corrente Taciturna", primeira monografia compreensiva sobre o artista paulistano, levantada durante mais de 20 anos de pesquisa. O livro, que estará à venda na loja da Fundação, traz uma análise detalhada sobre a vida e a obra de Duke Lee, que enfrentou tabus como a relação da arte com a sexualidade, a política das artes e os desafios do artista que critica o crítico.
Paulistano nascido no bairro de Santo Amaro, Wesley Duke Lee (1931-2010) estudou desenho no Museu de Arte de São Paulo (MASP), viveu em Nova York, cursou publicidade na Parsan School e trabalhou no Museu Metropolitan. Teve como mestres o pintor Karl Platnner e o cineasta Ingmar Bergman. Em sua obra, instalações e intervenções audiovisuais estão presentes desde a década de 60. Pintura, xerox, colagem, escultura, gravura, livro de artista, computação gráfica, quase nada escapou da criatividade de Wesley, pioneiro da linguagem pop no Brasil. A produção do artista é atemporal e transita entre a origem do homem, a sexualidade, a morte, o erotismo e tem a densidade tão forte quanto seu cosmopolitismo vivido entre Brasil, Estados Unidos, Europa e Japão.
Tantas referências mais atrapalharam do que ajudaram a carreira de Wesley. Para o marchand Ricardo Camargo, a discreta presença no mercado é consequência de um preconceito contra a sua independência ideológica e artística, para não falar de sua erudição, mal interpretada como pedantismo. “Ele era apolítico numa época em que todos os artistas eram de esquerda. Passou mais tempo fora do Brasil do que em sua terra e, para finalizar, não tinha pudor em produzir para publicidade”, diz.
Um artista revolucionário
As palavras eram firmes, os traços, disciplinados. Wesley Duke Lee só aceitava a pintura como um dom e a arte como um sistema de harmonia que necessitava de ordem. Foi a partir desses princípios que o artista conduziu seu trabalho até 2010, ano de seu falecimento.
Filho de norte-americanos protestantes e conservadores, Wesley sofreu forte influência da avó. Pintora acadêmica, ela nunca lhe deu um pincel para "brincar", mas a rigidez com que tratava a profissão foi para o neto uma inspiração.
Em 1951, Wesley Duke Lee iniciou os estudos no curso de Desenho Livre, do MASP. No ano seguinte, partiu para Nova York, onde acompanhou o início das manifestações da Pop Art, protagonizada por artistas como Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Cy Twombly. Nos EUA, estudou na Parson's School of Design (curso de Artes Gráficas) e no American Institute of Graphics Arts (curso de Tipografia).
De volta ao Brasil, em 1963, realizou o primeiro happening - evento espontâneo de improvisação das artes visuais - do país, que ganhou, à época, o título de O Grande Espetáculo das Artes. A ação teve origem na irritação do artista por não conseguir expor a série "Ligas", considerada excessivamente erótica e foi um manifesto contra a crítica.
Wesley não se censurava: foi adaptando sua arte até inventar um estilo particular. Para ele, a arte era um eterno processo de autoconhecimento. Não por acaso, se autodenominava um "artesão de ilusões". Utilizava o experimentalismo para abordar a origem do homem, a sexualidade, o erotismo, a morte, entre outros temas.
Experiência com LSD para criar
Com trabalhos expostos nas bienais de Veneza e de Tóquio, ele se dizia influenciado pelo movimento dadaísta, pela Pop Art e pela publicidade. Inquieto, ainda na década de 1960, foi um dos primeiros voluntários para testes sobre os efeitos do LSD, numa clínica em São Paulo. Tomava o ácido e se trancava numa sala para desenhar. Essa experiência resultou nas séries Lisérgica e Da Formação de um Povo, dotadas de forte carga política contra o regime militar.
Wesley foi professor de uma geração, que inclui Carlos Fajardo, José Resende e Luiz Paulo Baravelli, que, em 1970, fundaram a Escola Brasil, um projeto ancorado na ideia de que o aprendizado da arte passa, sobretudo, pela experiência no interior de ateliês, e não pelo ensino formalizado de história, técnicas e métodos, como prescrito pelas escolas de arte tradicionais.
Nos anos 1980, trabalhou no Centro de Reprodução Xerox, em Nova York, incorporando fotocópia, polaróide, vídeo e computação gráfica ao seu trabalho. Essa habilidade para transitar em diversos meios, do nanquim à pintura por computador, renderiam a ele a referência de pioneirismo na renovação da arte contemporânea nacional.
Em seus últimos anos, Wesley Duke Lee sofreu do Mal de Alzheimer. O artista faleceu em setembro de 2010, aos 78 anos de idade, vítima de complicações respiratórias decorrentes de sua doença. Sua arte, contudo, permanece viva.