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agosto 24, 2019
Renato Morcatti no Caixa Cultural, São Paulo
Ao todo são 796 objetos cerâmicos desenvolvidos com técnicas distintas e 13 desenhos. A exposição já esteve em Brasília, BH e Rio de Janeiro
A partir de 28 de agosto a Caixa Cultural SP receberá a mostra Pirajá, um conjunto de objetos cerâmicos de pequenos formatos realizados em três técnicas distintas – o entalhe, a modelagem e a fundição –, queimadas na técnica Bizen. Anteriormente a exposição passou pelo Museu Nacional da República, em Brasília, pelo CCBB BH e também pelo Paço Imperial no RJ.
Acostumado a criar com materiais diversos – madeira, argila, cimento, aço etc. –, Morcatti incluiu a cerâmica em seu repertório escultórico nos últimos três anos, um tanto instigado pelo desafio que surgiu de conversas com a ceramista Erli Fantini. Pirajá é justamente o resultado dessa incursão pela técnica da cerâmica. A mostra é composta por quatro séries: “Entre”, “Nós”, “Segredos” e “Guardiões”. Cada uma delas é feita de múltiplas pequenas peças que, dispostas em conjunto, alcançam a intenção do discurso do artista.
– Eu sou um artista escultor e desenhista, logo, quando vejo a escultura, enxergo também o desenho dela. Trabalhar com cerâmica em grandes formatos é um processo difícil, é preciso uma olaria como a de Brennand em Pernambuco. Então, fui produzindo pequenas peças e passei a enxergar o desenho das esculturas não na unidade, mas no conjunto –, explica Morcatti.
“Entre” conta com 290 peças; “Nós”, com 215; e “Segredos, com 270. O conceito de partes que formam o todo é fixado pelo título da mostra: Pirajá, do tupi, nasce da junção dos termos pira (peixes) e já (repleto), e é descrito como “lugar onde se coloca os peixes para serem tratados” ou “o que está repleto de peixes”. Segundo o dicionário Aurélio, seu significado vem da observação de um fenômeno telúrico: aguaceiro súbito e curto, violento e aluvial, acompanhando de ventania, comum nos trópicos, entre a costa da Bahia e os estados nordestinos. Pirajá, por fim, é ainda o nome do bairro, em Belo Horizonte, onde Renato Morcatti tem sua casa-ateliê e que é cenário das tantas vivências desde a infância que o formaram como artista. “O que me interessa neste trabalho é isso: quanto maior o conjunto, mais o desenho da obra se expande no meu pensamento escultórico”, afirma ele.
Nuno Ramos, que assina um dos textos críticos dessa mostra, destaca a força do todo em “Pirajá”: “a ideia de coleção aqui está atravessada pela de multidão – tudo é múltiplo. Não vemos tanto os objetos um a um, mas seu conjunto, a totalidade deles, que forma um desenho próprio. (...) Como se uma força anônima fosse arrastando e apagando o rosto, o nome, os traços de cada um de nós”.
AFETO E MEMÓRIA
O fio que une as três séries é feito de afeto e memória. Como na série Entre, um conjunto de pequenos totens “trancados” em gaiola de aço retangular, uma analogia a questões sobre liberdade, opinião e posicionamento. Em Nós, simulações de molhos de chaves, unidas por anel de couro, suspensas em um vergalho, tratam subjetivamente da instituição família e seu significado em mutação na sociedade. Em Segredos, aparecem objetos cerâmicos que são a representação da linha de encaixe dos segredos das chaves que fazem girar o tambor. Apresentados em agrupamento, provocam uma observação não plenamente identificável de suas formas, instigando impressões sobre o binômio masculino e feminino e os papéis que são atribuídos a cada qual.
Além das três séries, também será apresentada uma obra intitulada “O Guardião”, composta por 8 peças, que Morcatti gosta de definir como um anti pan-óptico, já que funciona como um espectador dos espectadores que trafegarem pelo universo escultórico concebido pelo artista. Paralelamente serão ainda apresentadas ao público as obras Escala Madre e Ostiário, compostas, consecutivamente, por oito e cinco desenhos.
Bacharel em artes plásticas pela Escola Guignard, da UEMG, Renato Morcatti nasceu e vive em Belo Horizonte, onde mantém ateliê no bairro Pirajá, região nordeste da capital. Seu envolvimento com as artes remonta desde a infância. Aos 10 anos, morando com a família na mesma casa onde trabalha hoje, fazia das paredes do quarto de dormir telas para os seus desenhos. Desde adolescente, se tornou habitué na Escola Guignard, então ainda instalada no Palácio das Artes, e lá passava horas observando o movimento de alunos, professores e desenhando livremente. Foi residente no ateliê dos artistas Marco Túlio Resende e Thaïs Helt, onde experimentou técnicas diversas, da gravura e da litografia à escultura. Seu trabalho já foi exposto em diversas mostras coletivas e integra coleções particulares.
A Caixa Cultural São Paulo oferece uma programação diversificada, com opções gratuitas, estimulando a inclusão e a cidadania. O espaço está situado em um prédio histórico na Praça da Sé, construído em estilo “Art déco” e inaugurado em 1939. Conta com quatro galerias, salão nobre, auditório e sala de oficinas. Em 2018, apresentou 40 projetos culturais e educativos tais como espetáculos de dança, teatro, shows, debates, leituras dramáticas, oficinas e palestras. O espaço também abriga o Museu da Caixa, uma exposição permanente que conta com instalações e inúmeros objetos originais, preservados desde a década de 40, mantendo vivas a história da instituição e de uma época da cidade de São Paulo e do Brasil.