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agosto 7, 2019
Walter Goldfarb no Midrash, Rio de Janeiro
Walter Goldfarb abrirá individual que marca sua trajetória de 25 anos e celebra uma década de atividades do Midrash Centro Cultural, no Rio
Por ocasião da celebração dos 10 anos do Midrash, o artista Walter Goldfarb foi convidado a expor seu trabalho numa individual, que será aberta no dia 12 de agosto, às 19h. Voltado ao debate e ao ensino de temas relacionados às tradições judaicas, o centro cultural reformista, fundado e dirigido pelo rabino Nilton Bonder, prima pela busca por significados e referências, a partir da literatura, da arte, história, psicologia e política.
Com curadoria de Vanda Klabin, a exposição A menina, a chuva de amoras e outras h(H)istórias ocupará os quatro andares do arrojado edifício no Leblon, que tem projeto premiado do arquiteto Isay Weinfeld. Na fachada do prédio, uma trama composta por letras em hebraico se sobrepõe à alvenaria, formando sempre a palavra “Midrash”, que significa “extrair sentido”.
A exposição
Um rosto alusivo à figura materna é esboçado na lona crua, ao lado de uma mulher e um jovem (apropriado da pintura de Rembrandt) transformados em imagens rendilhadas que remetem a uma certa melancolia. “A menina, a chuva de amoras e outras h(H)istórias” - pintura que dá título à exposição e que levou um ano para ser produzida - homenageia as filhas (Lia e Manuela) e a mãe do artista, Judith Goldfarb, sobrevivente do Holocausto, nascida na Lituânia e transportada aos nove anos de idade com toda a família para o campo de concentração de Stutthof.
As amoras - construídas com botões de galalite vintage sobre um fundo pictórico impressionista, que evoca Monet - aparecem quase despercebidas, como chagas que brotam da epiderme sangrada da figura materna. Um suposto jardim desencarnado que desabrocha em meio à devastação, preso à fibra dos bordados, trazendo à superfície a vibração de um crepúsculo esmaecido e remoto.
Ao formar uma imagem concreta de sua mitologia pessoal e uma ordem constitutiva de sua realidade, Walter Goldfarb nos transmite um fervilhar de imagens em narrativa figurada, que vasculham as profundezas de seu inconsciente. Ele nos confronta com uma familiaridade nada confortável, que traz a turbulência do seu mundo pessoal.
Essas temáticas vieram à tona a partir de interesses específicos que o artista já manifestava em sua pintura e se apresentam como uma extensão natural de sua atuação, complementando e rebatendo as inquietações geradas no embate cotidiano com a tela. Seu trabalho carrega alguns fundamentos da historiografia judaica num diálogo intermitente com o cristianismo e sua atuação circunscreve-se na escritura hebraica e na transmissão da história de seus pais.
Com curadoria de Vanda Klabin, a exposição que seguirá em cartaz até 30 de setembro apresenta 24 obras de diferentes fases, entre pinturas, esculturas, assemblages, serigrafias e uma instalação, que revelam um diálogo constante com a literatura, a música, o teatro e a pintura da Renascença ao Modernismo.
A produção do artista carioca é marcada pelas telas de grandes dimensões e pelas técnicas incomuns. Suas pinturas são construídas a partir de lavagens e raspagens químicas de centenas de bastões de carvão e densas camadas de laca aplicadas na tela através de seringas. As tintas são produzidas no ateliê e diversas técnicas de bordado fazem parte do exercício laborioso de Goldfarb. O repertório de matérias vai desde fragmentos de lápide a miniaturas em ferro de confinadores de gado provenientes de circuitos de trens elétricos.
“A pintura de Walter Goldfarb transformou-se em um campo fértil de pesquisa e inovações, ao instrumentalizar o discurso religioso e os heróis míticos do legado da cultura semita, singularizando as suas experiências biográficas e espaços pessoais transpostos para infinitas estruturas e métricas visuais. Ao adentrar no núcleo de sua poética, percebemos que ela incide no seu caráter híbrido e numa pluralidade de linguagens”, comenta a curadora Vanda Klabin.
“A grandeza e profundidade do trabalho de Walter Goldfarb bastaria, mas somos brindados com uma temática que costura passado e futuro, particular e universal, através da peça matriz que dá título e tom à mostra. Essa chuva de vida a lavar e renovar a História de seus horrores, hoje em tempos intolerantes e sectários, retrata em Holocausto e Holograma os potenciais de nossa natureza. Enfim um evento especial, já que nada é mais celebrativo do que o encontro entre qualidade e sentido”, comenta Bonder.
O artista
Atualmente Walter Goldfarb desenvolve a série “Vamos Todos Cirandar”, que tem por referência as experiências estéticas brasileiras e a relação antropofágica das criações dentro da arte contemporânea, incorporando-as em um campo híbrido que vai além da linguagem particular da música de Heitor Villa Lobos, da literatura de Monteiro Lobato e do teatro de Maria Clara Machado, propondo-se a uma linguagem mais universalizada na arte.
A obra de WG integra importantes acervos institucionais e grandes coleções do Brasil (MAM-RJ e Museu Nacional de Belas Artes) e do mundo (Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Lisboa / Coleção Berardo – Museu de Arte Moderna de Miami / PAMM, Perez Art Miami Museum). O artista participou de coletivas e individuais em diversas países, como Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, México, Chile e EUA (Nova York, Los Angeles, Miami). Foi nomeado em 2010, pela The Latin Recording Academy®, o Artista Visual do 11th Annual Latin GRAMMY® Awards.
Mais sobre o artista (por Lisette Lagnado, Paulo Herkenhoff e Reynaldo Roels)
>> Trecho do texto ‘Pintura e Ética’, da crítica e curadora Lisette Lagnado:
“Abordar o trabalho de Walter Goldfarb exige de imediato que o comentário se situe num jogo intermitente entre a santidade da criação e a reflexão crítica. Como pintar hoje, sobretudo telas dedicadas à vida religiosa como premissa para valores humanistas?... Walter Goldfarb torna atuais a tradição da pintura e a memória da Shoah (Holocausto Judeu) – ambas heranças incontroversas – na tentativa de inscrever uma consciência existencial e política dentro da linguagem. Somente assim, o depoimento pessoal transpõe os limites do sujeito e torna-se elemento estrutural do trabalho.”
>> Trecho do texto “O Decálogo”, de Paulo Herkenhoff, para a individual D+Lirium Camaleônico, de Walter Goldfarb, no Museu Nacional de Belas Artes | RJ, em abril 2010:
“Para indicar um modo de pensar a pintura de Walter Goldfarb levantou-se um decálogo... Toda a arte é um significante à espera da projeção do significado pelo sujeito do olhar (G. C. Argan).
1. Arderás; 2. Não dirás - Calar-te-ás; 3. Desejarás; 4. Errarás; 5. Não morrerás; 6. Verás; 7. Escutarás; 8. Despenderás e economizarás; 9. Não esquecerás 10. MANDAMENTO ÑAO REVELADO”
>> Trecho de textos selecionados de Reynaldo Roels, editados pelo MAM-RJ:
“Os trabalhos de Goldfarb estabelecem uma relação complexa entre modos esperados e inesperados de construir a pintura. Todos os meios materiais para se executar uma pintura são na realidade um modo de contar uma história, e um modo muito pessoal, em que a tapeçaria adquire um pouco o mesmo papel que teve no passado. Começando com sua própria história (incluindo meios-tons psicanalíticos), ele tece seus comentários sobre a história de arte em um jogo sofisticado entre subjetivo e objetivo, seus próprios fantasmas e o peso de uma tradição que repousa nos ombros de todo artista.“