|
julho 8, 2019
Narrativas em Processo – Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural no Palácio das Artes, Belo Horizonte
Mostra com 46 obras conta com artistas mineiros como Rosangela Rennó e Lais Myrrha, além de Tatiana Blass e Roberto Bethônico que são originalmente de outros estados, mas hoje residem e atuam em Minas Gerias
O Instituto Itaú Cultural, em parceria com a Fundação Clóvis Salgado, traz à capital mineira a exposição Narrativas em Processo – Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural. A mostra, que vai ocupar a Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard a partir de 10 de julho, apresenta um conjunto de 46 obras, que abarcam 84 anos de confecção deste tipo de livro por artistas brasileiros, na transição entre o moderno e o contemporâneo, e revelam como a participação e a invenção artística traçam fronteiras com a literatura e o design. A curadoria é de Felipe Scovino, com projeto expográfico de Marcus Vinícius Santos e idealização do núcleo de Artes Visuais do Itaú Cultural.
Narrativas em Processo já foi realizada em São Paulo, no Itaú Cultural; em Ribeirão Preto, no Instituto Figueiredo Ferraz; e em Curitiba, no Museu Oscar Niemeyer. Em cada cidade, a escolha e o recorte das obras e seções sofreu mudanças. No Palácio das Artes chega renovada, com foco nos artistas brasileiros que constam neste acervo e na transição entre o moderno e o contemporâneo, especialmente quando o formato do livro ultrapassa as fronteiras do seu formato físico e conceitual, expandindo o lugar da palavra para além da página.
Para Eliane Parreiras, presidente da Fundação Clóvis Salgado, o reencontro da FCS com o Instituto Itaú Cultural também ocorre em momento oportuno. A exposição celebra – e relembra – os 150 anos desse tipo de produção na trajetória da arte brasileira. Em um recorte que apresenta diversos itens, o visitante estará em contato com as diferentes etapas do processo de criação. “A parceria com o Instituto Itaú Cultural fortalece a missão da Fundação Clóvis Salgado, possibilitando o acesso à diversidade cultural, além de contribuir para a formação de novos públicos, uma diretriz permanente da Instituição”, pontua.
De acordo com Felipe Scovino, o recorte que chega ao Palácio das Artes apresenta diferentes possibilidades interpretativas para o visitante. “Acompanhando a criação de novos procedimentos para a concepção de livros de artista, a exposição constitui diversas relações para o leitor”, avalia Scovino. Uma delas é a pluralidade de ações não só com a literatura e as artes visuais, como também com o design, a política e em alguns momentos com a música. “Também se verifica uma leitura que não se esgota, que se desdobra redefinindo o papel do livro, do leitor e o do artista”, observa o curador.
Doze obras que estão nesta exposição são inéditas. Gravuras do Album Anamorfas (1980), de Regina Silveira; O Meu e o Seu – Impressões do nosso tempo (1967) e gravuras deste álbum, um duplo conjunto de Antonio Henrique Amaral. Novidades são, ainda, Caixa de Retratos (2010), de Marcelo Silveira; De Arte (2001) e A Simétrica (1995), de Waltercio Caldas. Encontra-se, também, de João Camara e Gastão de Holanda, Lito 70 (1969). Um grupo de artistas assina Gravuras Gaúchas (1952) – Ailema Bianchetti, Carlos Alberto Petrucci, Carlos Mancuso, Carlos Scliar, Danubio Villamil Gonçalves, Edgar Koetz Fortunato, Gastão Hofstetter, Glauco Rodrigues, Glenio Bianchetti, Plinio Bernhardt e Vasco Prado.
Ainda entre as obras apresentadas pela primeira vez, encontram-se Dossiê Cruzeiro do Sul – Southern Cross Dossier (2017), de Lais Myrrha, Escravos de Jó (2016), de Aline Motta, Fiação (2004), de Edith Derdyk, Das Baleias (1973), de Calasans Neto e Vinicius de Moraes e Gravuras do álbum das Baleias (1973) desta dupla e Caminhos (1984), livro com objetos e texto Alberon Soares e Otacílio Colares.
Para além dos livros – Em Belo Horizonte, Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural se desdobra em seis núcleos – Paisagens, Rasuras, Livros-objetos, Uma escrita em branco, Álbuns de gravura e Design gráfico: um breve panorama sobre ilustrações no Brasil. A proposta dessa divisão é ampliar a percepção do público sobre as múltiplas facetas do livro de artista. “Esta não é uma exposição apenas sobre livros-objetos como se poderia imaginar quando veem à mente a expressão ‘livro de artista’”, salienta o curador Felipe Scovino.
Cada núcleo envolve atributos que cercam este tipo de obra de arte, refletindo a produção de uma revista pelo próprio artista concebendo seu conteúdo e design gráfico; a manufatura de um livro ou a intervenção propondo uma ação conceitual ou física nesse suporte, ambos em caráter de tiragem limitada; a ilustração de uma publicação ou a produção de uma obra especialmente concebida para a sua capa; e a execução de um álbum de gravura.
O núcleo Paisagens exibe trabalhos que transportam o leitor a uma experiência sensorial por meio de efeitos de impressão. Os livros têm uma aspiração ao tátil e à textura na superfície ou nas imagens, dada a fusão de cores e formas utilizadas. Dão um panorama nesse sentido, obras como Paisagismo, de Roberto Bethônico, que acumula camadas, e sobreposições sobre o estado transitivo da natureza. Cria, assim, uma relação entre objeto e imagem. Situação semelhante ocorre em Memória Fotográfica, de Lucia Mindlin Loeb, onde o vazio – que também ocorre em Bethônico – incide na construção metafórica da imagem de uma câmara escura, já que o livro é atravessado em seu miolo por um “furo”. Entre outras obras exibidas neste núcleo, também são emblemáticas Páreo (2006), de Tatiana Blass, Partitura, de Sandra Cinto, e Buenos Aires Tour (2003), de Jorge Macchi.
O núcleo seguinte, Rasuras, apresenta livros que, ao receber intervenção plástica, têm a sua função semântica ampliada. As obras não respeitam o jogo de uma narrativa linear, a escrita não precisa ser compreendida e o que importa é a mensagem final, que tem até um certo grau de violência e gestualidade. Em Balada (1995) de Nuno Ramos, o livro espesso e de capa dura não contém palavras, mas sim uma perfuração profunda à bala transpassando-o brutalmente, do começo ao fim, servindo como o único signo de leitura da obra.
Ainda nesse núcleo, o trabalho de Rosângela Rennó com rasuras que não apagam as marcas indeléveis do roubo e memórias que retornam como apagamentos. A pesquisa de 2005 foi criada com reproduções de fotos furtadas e posteriormente encontradas e devolvidas à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (RJ), seu lugar de origem. As imagens, que retornaram em péssimo estado de conservação e sem o número de identificação, levaram a artista a outra criação poética, ressaltando a destruição ao reproduzir o verso das fotos com suas margens rasgadas e outros estragos provocados pelo furto e realizados de modo a apagar as marcas de registro de patrimônio da biblioteca.
Mais uma obra representativa neste núcleo, As potências do orgânico (1994/1995), de Fernanda Gomes, Claudia Bakker, Artur Barrio e Adriana Varejão. Nesta mostra, estão apenas as obras de Fernanda Gomes e Adriana Varejão. O surgimento da escrita visceral é o que marca este núcleo, testificado ainda por meio de três obras de Artur Barrio – Uma Extensão do Tempo (1996), Caderno Livro (1997) e O Sonho do Arqueólogo.
Desde meados dos anos 1950, no Brasil, os poetas concretos vinham problematizando as noções de livro, palavra e leitor e este é o teor do núcleo Livros-objetos. Obras nele exibidas, como Muda Luz (1970), projeto de Plaza e Augusto de Campos, e Notassons – Notações Musicais e Visuais Aleatórias (1970-1992), de Montez Magno, demonstram a ideia de escrita expandida e desdobrada em novas poéticas e (des)continuidades.
Uma escrita em branco é um núcleo contemporâneo e apresenta obras, que quebram as expectativas de um conceito fechado de livro ou leitura. Eles são oferecidos ao público como matéria, densa, compacta e sensorial. Por exemplo, Devaneios – Utopias, livros em pó de tijolo e resina produzidos por Brigida Baltar em 2005 e Blocado: a arte de projetar, obra de Debora Bolsoni, de 2016, composto de ferro, papel e cola.
Em Álbum de gravuras encontram-se obras de artistas plásticos que tiveram atuação determinante na passagem do moderno ao contemporâneo no Brasil. Entre elas, Gravuras Gaúchas (1952) em que o icônico Grupo de Bagé, tais como Carlos Scliar, Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti, defendiam a popularização da arte. Há obras emblemáticas desse período também de Arthur Luiz Piza e Sérvulo Esmeraldo, este último importante artista cearense e um dos pioneiros da arte cinética no Brasil.
Em uma de suas obras paradigmáticas, Variations sur une courbe, Esmeraldo apresenta uma poética incomum em seu trabalho. O mesmo acontece em Bernard Palissy, de Piza, cujas sete gravuras originais também estão em exposição. Sandra Cinto está presente com o livro objeto Partitura, inspirado em antigos cadernos de estudos musicais e reinventados com a técnica da litografia. De Antonio Dias, há um livro com imagens ampliadas de pele humana, Flesh Room with Anima.
Antonio Henrique Amaral e João Câmara, também presentes neste núcleo, exploraram, nos anos 1960, cada um a seu modo, percepções sobre o tema da identidade e, em especial, de uma linguagem popular extremamente vigorosa e crítica. Já a tônica na pesquisa de Regina Silveira é duvidar dos códigos de representação. Em Anamorfas (1980), presente na mostra, nota-se um registro significativo desse estudo que subverte os sistemas de perspectiva.
Finalizando o percurso, Design gráfico: um breve panorama sobre ilustrações no Brasil desenha um caráter historiográfico e narrativo ao exibir as capas e as mais diversas ilustrações para livros em tiragem limitada feitas por artistas plásticos. Este núcleo traz à tona a importância do design gráfico, até chegar a trabalhos contemporâneos mais recentes, que problematizam o chamado livro-objeto em obras de Augusto de Campos, Waltercio Caldas e Brígida Baltar. Inclui a poética da literatura de cordel em obras de Raimundo de Oliveira e de Calasans Neto – e aquarelas feitas à mão por Cicero Dias para Casa Grande & Senzala.
Sobre a Coleção Itaú Cultural – As peças desta exposição pertencem ao acervo do Banco Itaú, mantido e gerido pelo Itaú Cultural. Formado por recortes artísticos e culturais que abrangem da era pré-colombina à arte contemporânea, cobre a história da arte brasileira e importantes períodos da história de arte mundial. A coleção começou a ser criada na década de 1960, quando Olavo Egydio Setubal adquiriu a obra Povoado numa Planície Arborizada, do pintor holandês Frans Post – agora exposta no Espaço Olavo Setubal, que ocupa o 4º e 5º andares do Itaú Cultural, em São Paulo, na exposição permanente dos recortes Brasiliana e Numismática também pertencentes a este acervo.
Atualmente formada por mais de 13 mil itens, a coleção reúne pinturas, gravuras, esculturas, fotografias, filmes, vídeos, instalações, edições raras de obras literárias, moedas, medalhas e outras peças. Trata-se da oitava maior coleção corporativa do mundo e a primeira da América do Sul, segundo levantamento realizado pela instituição inglesa Wapping Arts Trust, em parceria com a organização Humanities Exchange e participação da International Association of Corporate Collections of Contemporary Art (IACCCA).
As obras ficam instaladas nos prédios administrativos e nas agências no Brasil e em escritórios no exterior. Recortes curatoriais são organizados pelo Itaú Cultural em exposições no instituto e exibidas em itinerâncias com instituições parcerias pelo Brasil e no exterior, de modo a que todo o público tenha acesso a elas.