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julho 8, 2019
Bruno Vilela na Anita Schwartz, Rio de Janeiro
O artista pernambucano mostra obras inéditas – pinturas, desenhos, fotografias e objetos numa instalação – produzidas a partir de sua viagem de 40 dias à Índia, onde fez uma imersão na religião e na cultura daquele país.
Anita Schwartz Galeria de Arte inaugura no próximo dia 10 de julho a exposição Shiva, com obras inéditas do artista Bruno Vilela. Nascido em 1977, em Recife, onde vive e trabalha, Bruno produziu as pinturas, desenhos e fotografias para a instalação que dá nome à exposição a partir de sua viagem à Índia no início do ano, onde percorreu onze cidades em 40 dias, visitou mais de 80 templos, além de “pequenos santuários e altares escondidos, e incontáveis rituais pelas ruas”, fazendo uma intensa imersão na religião e na cultura daquele país.
Conhecido por sua técnica refinada e o universo mitológico que cria em suas pinturas e desenhos, Bruno Vilela fez seu novo trabalho dedicado à trilogia sagrada da religião hindu: Shiva (destruição e transformação), Brahma (criação) e Vishnu (manutenção). Em seus desenhos, com imagens impressionantemente detalhadas, o artista cobre o papel com uma camada de tinta, colocando por cima outras com diferentes tipos de carvão – vegetal, mineral –, e pastel seco, para então intervir na superfície com vários tipos de borrachas, criando formas e perspectivas. Em alguns desenhos aplica folhas de ouro e prata. A maioria dos desenhos apresentados foi criada a partir de fotografias feitas pelo próprio artista, na Índia. Como é característico de seu processo, ele registrou em um caderno suas impressões, colagens, desenhos e frotagens de baixos-relevos feitas com grafite em vários locais. As 28 folhas deste caderno estão condicionadas uma a uma em acrílico e colocadas perpendicularmente à parede de modo a serem vistas frente e verso pelo público, compondo a obra “Brahma”, em uma extensão de dez metros.
O motivo principal da viagem iniciada em fevereiro foi registrar o Maha Shivaratri, o grande festival anual de Shiva, o mais importante para os hindus, dia em que se acredita que o deus “toca a terra”. Das três cidades sagradas da Índia o artista escolheu Haridwar.
O foco da pesquisa do artista são os mitos, rituais, iconografia e “tudo o que se relacione às religiões ancestrais”. “No caso do hinduísmo, o primeiro contato foi através da prática Sudrashan Kriya, uma técnica de respiração que leva a mente ao estado meditativo e à expansão da consciência. Aprendi a técnica em um curso da instituição Arte de Viver, que tem sede na Índia”.
A montagem da exposição obedece ao critério da trindade divina Hindu.
PAREDE CENTRAL – SHIVA
Na parede central, de frente para a entrada do público, estarão as três obras dedicadas ao deus Shiva, “a principal deidade do hinduísmo, a representação do Trimurti, a base da filosofia hindu e do conhecimento védico”. “A união e o equilíbrio entre Vishnu (manutenção) e Brahma (criação). Shiva é esse equilíbrio entre ideia e ação. Entre Vishnu e Brahma. É o terceiro elemento. O contraste. E arte é contraste! Tudo é Shiva. Ele é a cabeça e o rabo da serpente. Destruição e criação. A poesia e o poeta. Ele é o Brâhman, o indizível, o incognoscível, o Todo. O Mahadev, o grande Deus. Ele é o transformador, o que destrói para reconstruir. O universo é sua dança”, explica o artista.
• O Buscador | acrílica, carvão e folha de ouro sobre papel | 129 x 151 cm
O desenho “O Buscador” foi criado a partir de uma fotografia feita pelo artista no templo Neelkanth, incrustado na rocha, construído no século III em honra a Shiva, dentro do Kalinjar Fort, uma fortaleza dedicada à deusa Kali. Neste mesmo templo, o artista fez com grafite em seu caderno várias frotagens de inscrições em sânscrito, incluindo a do cultuado mantra Om Namah Shivaya.
• O Fogo Sagrado | óleo, folha de prata e ouro sobre tela | 150 x 200 cm
A pintura “O Fogo Sagrado” retrata uma pira de fogo que é um altar para a transmutação das oferendas, “oblação”. “Construído em formato quadrado, este altar de fogo está presente em diversos templos e se chama Yagna. Ao redor dele foi amarrada uma corda para sacralizar o lugar. Minha corda é de ouro. O prato com as oferendas é de prata”, conta o artista. A pintura também teve como base uma fotografia feita pelo artista em Haridwar, dentro das escadarias sagradas que dão acesso ao Ganges, chamadas de Hari Ki Pauri, no dia do Maha Shivaratri. “Har é Lord Shiva, Ki é ‘de’, e Pauri quer dizer ‘passos’. Acredita-se que o Senhor Shiva e o Senhor Vishnu estiveram no Har Ki Pauri nos tempos védicos”.
• O Transformador | fotografia aplicada em metacrilato | 150 x 108 cm
Para Bruno Vilela, a fotografia “O Transformador” é a obra central da exposição. Aplicado em metacrilato, o registro foi feito em Haridwar, também no dia do festival Maha Shivaratri. No evento, ao mesmo tempo em que é feito um banho coletivo no Ganges, dentro “de um clima sagrado de profundo respeito”, “no lado de fora do templo acontece uma festa profana de proporções enormes, uma espécie de mistura entre carnaval e procissão”. “No meio disso tudo vi um homem shivaísta (devoto a Shiva) maquiado dos pés à cabeça de um negro profundo. Ele estava em cima de um búfalo, virado de costas, e carregava uma bacia de metal na mão de onde emanava fumaça branca. As pessoas depositavam dinheiro, flores e todo tipo de oferendas no recipiente circular. Quando mudei a posição do ângulo da lente da minha câmera, vi a cena contra a luz, e vislumbrei Shiva, por trás da fumaça. Era a confirmação da presença do divino naquela terra sagrada”, lembra Bruno.
PAREDE ESQUERDA – VISHNU
“Deus hindu da manutenção, Vishnu representa o sono profundo. O vazio. O silêncio e o inconsciente. Vishnu dorme no mar primordial e guarda toda a essência da criação. O Deus então cria histórias para nos mostrar o que é o universo, e de seu umbigo nasce Brahma em cima de uma flor de lótus. Brahma é um agente de Vishnu”, explica o artista.
• Govinda | fotografias | 50 x 150 cm – tríptico
Govinda é a forma primordial de Krishna, um avatar (forma terrena) de Vishnu. As fotos mostram o teto do Taj Mahal, com sua mandala feita de padrões geométricos islâmicos, onde as abelhas instalaram várias colmeias. “Na foto central pode se ver que as abelhas escolheram o centro do padrão geométrico para construir a colmeia, e a partir dali as linhas entram em expansão, representando claramente o sol”, observa Bruno. Ele relata que nos textos védicos “Vishnu e Krishna nasceram do néctar, do mel das abelhas”. “Para os egípcios e hindus o mel é o sol líquido. Essas estruturas são colmeias de abelhas cheias de mel presas no teto”, diz. “As três fotos criam uma obra única, que mesmo fixa gira como uma mandala a partir do olho da colmeia central. Uma linha circular de ouro na parede une o tríptico e representa o brilho dourado do sol e a eterna mutação circular do universo”.
• Krishna | pastel seco | 190 x 152 cm
Krishna é o avatar de Vishnu. “É como Jesus para o Espírito Santo”, explica o artista. “Um dos deuses mais cultuados na Índia, nasceu em Vrindavan há cinco mil anos, é o todo atrativo, aquele que atrai a mente e o coração”. A palavra em sânscrito kṛṣṇa é essencialmente um adjetivo que significa "azul-escuro”. Neste pastel, Bruno Vilela usou o azul-ultramar profundo para dar vida ao deus. “De um enorme bloco azul surgem os olhos do deus. Não se pode ver o deus, ele está em outra dimensão, só vemos seus olhos e um colar/guirlanda de flores. É o desapego da imagem, da matéria, em nome da experiência da cor. Na Índia eu vi em alguns templos os Brâmanes fixando os olhos na estátua do deus apenas na hora da cerimônia. Plasticamente é uma referência ao YKB – Yves Klein Blue.”
• Vishnu Matsya | acrílica, carvão e pastel seco sobre papel | 129 x 151 cm
É um desenho feito a carvão sobre um papel tingido de turquesa, criado a partir de uma fotografia que o artista fez de um barco em Varanasi, no Ganges. Essa obra trata da luz da lua. O barco e o rio são iluminados pela luz azulada lunar. Uma relação com o inconsciente, com o escuro, a sombra, o mágico mundo da maya (ilusão) de Vishnu. Matsya é o peixe na proa do barco. A primeira encarnação de Vishnu.
PAREDE DIREITA – BRAHMA
Brahma representa o sonho. Do umbigo de Vishnu (o sono profundo, o vazio silencioso) nasce Brahma, a ação da criação no nosso mundo. Ele é o deus hindu da criação. Brahma, que dá título à instalação que está na parede, é a primeira encarnação do ser universal Vishnu. Sempre é representado por um homem de barbas brancas com um livro na mão. São os vedas resgatados por Vishnu do fundo do mar primordial. “Em toda a minha aventura pela Índia eu levei um caderno comigo. Era meu amigo, terapeuta e registro físico das presenças nessa jornada. Contém desde colagens de caixas de incenso, fósforos, bilhetes de museus, até inscrições feitas a grafite em baixos relevos de um templo do séc. III em Khajuraho, ou de um forte do séc. XVII, em Jaipur. O caderno foi desmembrado e suas páginas foram instaladas na parede, perpendicularmente, em finíssimas molduras de acrílico. As 56 páginas do caderno formam 28 folhas, frente e verso, dispostas perpendicularmente na parede”.
• Brahma | 28 folhas de caderno instaladas em displays de acrílico I 10 m x 0,7 m x 0,14 m
Parte de seu processo criativo, Bruno Vilela faz um caderno para cada série de trabalhos.
“É nele que exponho de maneira totalmente livre meu pensamento e pesquisa sobre o tema”. Durante suas viagens, entretanto, são raros os cadernos. Só fez três até hoje: quando esteve em uma residência em Lisboa; em uma viagem a Londres; e este da Índia, que ele diz ser “o mais especial”. Ele explica o motivo: “Cheio de colagens, desenhos, referências, imagens encontradas na rua e nos templos, contém minhas impressões da Índia registradas de maneira inconsciente. Algumas páginas contêm frotagens, gravações feitas em grafite sobre baixos-relevos, de templos seculares como Ambar Fort, em Jaipur, Beatles Ashram, em Rishikesh, e Kalinjer Fort, a três horas de Kahjuraho. Pela primeira vez eu desmembro todo o caderno e o transformo em uma obra única. Ele representa Brahma. De Brahma sai a criação do universo através do Vedas (livros sagrados), que são representados aqui pelo caderno aberto. Essa obra fecha a trindade Hindu.”
SOBRE BRUNO VILELA
Bruno Vilela diz ter sonhos e pesadelos fantásticos, e que gostaria de fotografar esses eventos que saltam do inconsciente na hora do sono. Na impossibilidade de fazê-lo, transforma-os em pinturas. Vilela trabalha com a desconstrução e realocação dos mitos ancestrais, das liturgias e do imaginário das religiões, o pensamento primitivo e a obsessão por tornar "visível" as imagens do inconsciente. Desenvolve uma pesquisa na tríplice fronteira entre a fotografia, o desenho e a pintura e atualmente busca também uma relação entre literatura e artes plásticas. Seu processo de trabalho está muito próximo do cinema: preparar uma locação com atriz, figurino, luz específica, e fotografar a cena. Então escolhe a melhor imagem para pintar. “O óleo vai onde a lente não pode alcançar”, diz.
Bruno Vilela nasceu em Recife, 1977, onde vive e trabalha. O artista participa de mostras individuais e coletivas no Brasil e no exterior deste 2001. Seu trabalho integra coleções como a do Centro Cultural São Paulo, Banco Mundial, em Washington, Centro Dragão do Mar, e Centro Cultural do Banco do Nordeste, em Fortaleza, Museu Nacional de Brasília, Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães (MAMAM), Fundação Joaquim Nabuco e Museu do Estado de Pernambuco, em Recife. Em 2014 os cineastas Beto Brant e Cláudio Assis produziram um documentário sobre a obra do artista. Em 2018 o videomaker Markus Avaloni produziu um outro documentário para canal Arte 1 sobre seu trabalho. Fez mostras individuais em instituições como: Paço das Artes em São Paulo (“Dia de festa é véspera de dia de luto”, em 2013); BNB, em Fortaleza (“Bibbdi Bobbdi Boo”, em 2010); Galeria Anita Schwartz, no Rio de janeiro (“O Livro de São Sebastião”, em 2016), e Galeria Oscar Cruz, em São Paulo (“Textos Bárbaros”, em 2016). Em 2013 ganhou o Prêmio de Direção de Arte de Curta-Metragem do Festival Internacional de Cinema de Triunfo. Em 2015 fez a individual “A Sala Verde”, no Palácio do Marquês de Pombal, em Lisboa, onde lançou um livro de mesmo nome.