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junho 25, 2019
Djanira na Roberto Marinho, Rio de Janeiro
Sucesso de público em SP, exposição monográfica em torno da obra de uma das mais importantes artistas brasileiras chega à Casa Roberto Marinho em junho
A Casa Roberto Marinho abrirá, em 27 de junho de 2019, a exposição Djanira: a memória de seu povo, que reafirma o compromisso do instituto cultural no Cosme Velho com a arte moderna. Em parceria com o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), a mostra reposiciona a obra de uma figura central em nossa cena artística do século 20. A curadoria é de Rodrigo Moura, curador adjunto de arte brasileira, e Isabella Rjeille, curadora assistente, ambos do MASP. Organizada cronologicamente e em torno de eixos temáticos que surgiram ao longo dos seus anos de viagens e pesquisas, a exposição abrange quatro décadas da produção de Djanira da Motta e Silva (1914-1979).
O recorte curatorial enfoca a busca da artista por uma pintura nativista e os temas da cultura popular, aos quais se dedicou ao longo de toda a carreira, e onde reside sua contribuição mais original para o modernismo brasileiro. Desde sua morte, há 40 anos, esta é a primeira exposição monográfica dedicada a ela.
“A complexidade da obra de Djanira e a singularidade de sua recepção no marco do modernismo brasileiro ainda residem em seu caráter autodidata. Sua pintura se filia a uma linhagem artística que busca nas manifestações da cultura popular não simplesmente um tema, mas uma maneira de produzir arte com ideais de autenticidade”, afirma o curador Rodrigo Moura.
Nascida em Avaré (SP), de origem modesta, Djanira trabalhou desde cedo na lavoura de café. De ascendência austríaca por parte de mãe e indígena por parte de pai, foi abandonada ainda menina por sua família de origem e adotada por um casal de Santa Catarina, que nunca a reconheceu afetivamente. A artista começou a fazer seus primeiros desenhos ainda em São Paulo.
Nos anos 1940, mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a pintar a partir da convivência com um grupo de modernistas, que incluía Jose Pancetti (1902-1958) e Milton Dacosta (1915-1988), quando o diálogo com as vanguardas europeias já não era tão importante. Foi nessa época que teve aulas com Emeric Marcier (1916-1990), a quem alugou um quarto na pequena pensão que manteve em Santa Teresa, a Pensão Mauá, onde também ganhava a vida como costureira.
A identidade étnica mestiça e o autodidatismo artístico chamaram a atenção da crítica que, equivocadamente, a classificou como primitiva e ingênua. O interesse surgiu desde a primeira apresentação pública, no 48º Salão Nacional de Belas Artes, em 1942. Djanira retratou suas vivências e seu entorno social, pintando amigos, vizinhos, operários e trabalhadores rurais, paisagens do interior do país e manifestações sociais, culturais e espirituais, com destaque para os ritos afro-brasileiros.
“Sou autodidata, minhas telas são desenvolvimento de meu próprio caminho, meu ponto de partida fui eu mesma. Considero de importância os cuidados formalistas na obra de arte. É necessário realizar plasticamente o assunto com o máximo de critério de desenho, composição e cores.” (Texto da artista, sem data, que integra o arquivo do Museu Nacional de Belas Artes do RJ, reproduzido no catálogo da exposição).
A trajetória itinerante de Djanira, que chegou a viver em Salvador e Nova York (1945), é determinante na formação da artista e inseparável do seu método de trabalho. Apesar da pouca visibilidade após sua morte, em 1979, a paulista teve ao longo dos 35 anos de carreira inúmeras exposições individuais. E participou de uma série de coletivas no Brasil e em países da América Latina, Europa e Estados Unidos, onde expos quadros como Lapa (1944) e O Circo (1944). De acordo com o crítico Frederico de Morais, “a novidade da pintura de Djanira foi justamente fundir tema e forma, sendo ao mesmo tempo brasileira pela temática e universal pela forma”.
Em 1976, o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro realizou uma grande exposição em torno da obra da artista, considerada hoje um dos pilares do modernismo brasileiro tardio. E é no acervo deste museu que se encontra boa parte do trabalho dela, doado por seu viúvo José Shaw da Motta e Silva.
“A trajetória de Djanira começou mais tarde, com muita determinação e esforço. Nenhum artista brasileiro retratou com tamanha atenção a luta pelo sustento das camadas mais desfavorecidas, através do trabalho cotidiano. A origem humilde deu-lhe sensibilidade aguda para captar essas epopeias anônimas. A economia de sua linguagem, o uso de poucos planos concisos e as cores vibrantes cuidadosamente escolhidas apontam para uma sofisticação esperada numa artista de seu tempo. Não à toa, alguns neoconcretos chegaram a buscar uma aproximação com a sua obra”, observa Lauro Cavalcanti, diretor da Casa Roberto Marinho.
A organização geométrica das figuras, o arranjo dos quadros como colagens, por zonas de cor, e o preenchimento de todo espaço com algum elemento são aspectos ressaltados em pinturas como Parque de Diversões (1944) e Vendedora de Flores (1947), que integram Djanira: a memória de seu povo, uma oportunidade de relacionar a obra da artista ao melhor da arte moderna brasileira. Da coleção Roberto Marinho, serão exibidas as telas Casa de Farinha (1956), Mercado da Bahia (1959) e Serradores (1959), que abordam a recorrente do temática do trabalho.
“A geometria em Djanira nunca foi forma pura e livre de relações figurativas, sempre esteve associada a algum aspecto da vida humana, ou a algum elemento da classe trabalhadora que a cercava”, pontua a curadora assistente Isabella Rjeille.
Por fim, Lauro Cavalcanti ressalta que a pintura moderna brasileira é um território pouco explorado pelas novas gerações: “Djanira possui um valor quase oculto nas últimas décadas. Um dos encantos de uma exposição é tornar presente, sem intermediações, obras criadas há longos anos. Íntegras e atemporais, as telas chegam novas aos olhos de hoje”, conclui.