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junho 22, 2019
Lorena D’arc no Palácio das Artes, Belo Horizonte
Professora de cerâmica da Escola Guignard-UEMG, Lorena D’Arc Oliveira, tem na pesquisa artística o ponto de partida para essa exposição. Retornando ao Palácio das Artes após 20 anos desde sua última exposição individual na instituição, a artista conta para o público uma história de inspiração que começou ainda em 2009, quando teve um sonho em que derramava leite sobre a terra. A partir daí a linha de estudos se voltou para dois elementos carregados de simbolismos e significâncias: o leite e a terra. Da fertilidade ao feminino, cada obra contida na exposição permite diferentes possibilidades interpretativas.
Em Leite Derramado, Lorena apresenta cerca de 19 trabalhos criados para abordar a materialidade do leite e do barro. Obras em diferentes suportes artísticos, como cerâmicas, desenhos, fotografias e instalações, estarão reunidas na Galeria Mari’Stella Tristão, em diferentes séries: Caminhos do Leite, 19, Derrame, Ocas e lácteas, Audumla, Leite para Gaia, Do lácteo à lama, Ártemis, Mamíferas, Manga com Leite, Árvore Láctea e Liames. Em todas as obras, há um intenso diálogo entre a poética da artista, ao escolher esses dois elementos como materiais de pesquisa, e todos os desdobramentos que acarretam no uso dessas matérias na produção dos trabalhos.
“O leite e o barro estão diretamente ligados à nutrição, à fartura, ao conhecimento, como também aos princípios da vida e da morte. Ao compreender a materialidade do leite e do barro, exploro suas características ambíguas, por considerá-los ao mesmo tempo matéria-prima e de natureza simbólica. Deste entendimento que norteia a minha poética nos últimos dez anos, exploro as características específicas, comportamentos e reações do leite e do barro em seus estados crus e cozidos, desenvolvendo trabalhos plásticos que transitam entre diversas mídias como o desenho, a fotografia, objetos cerâmicos e pequenas instalações”, comenta a artista.
Nessa mostra, o público irá se deparar com diferentes possibilidades criativas a partir da união desses dois elementos. Na série Caminhos do Leite, por exemplo, Lorena apresenta um estudo com leite de vaca puro sobre papel em que o calor do ferro é empregado para dar visibilidade a seu desenho de formas arredondadas que aludem a seios, caminhos, cachos ou pencas volumosas, propulsoras de fartura e abundância, como é a essência láctea.
Saindo dos mitos e ancestralidades, a artista reúne duas séries com significados baseados na cultura popular. Manga com Leite é uma instalação de parede e chão que trata da crença criada no período colonial brasileiro, em que os donos de engenho diziam que comer manga com leite fazia mal, com o intuito de que os escravos não consumissem leite. Na parede da galeria, estarão expostas peças de cerâmica de tamanhos variados, remetendo às palmas barrocas. À frente da composição da parede, estará uma mesa composta de um forro de veludo vermelho em contraste a uma leiteira de ferro que emite sons de gotejamento, além de algumas mangas em cerâmica. Neste trabalho, entre o contraste de materiais luxuosos e precários, a artista recorre ao passado, para reafirmar que ainda são notórias as diferenças sociais. Com esta visão, a proposta da artista é de aumentar a quantidade das mangas no decorrer da exposição, em alusão à crescente desigualdade social no Brasil e no planeta.
Outro acontecimento marcante na história do povo mineiro, também passa pelo trabalho de Lorena D’Arc. Na série 19, 19 objetos de porcelana relembram as 19 vítimas fatais do desastre ocorrido em 5 de novembro de 2015 na cidade de Mariana. Sobre as tigelas de porcelana branca, manchas e máculas da lama refinada da mineradora é utilizada como pigmento.
Para ela, o retorno ao Palácio das Artes é um momento gratificante em sua carreira. “Acho o Edital de Ocupação uma iniciativa importante para a divulgação da produção artística atual. Eu, por exemplo, estou de volta ao Palácio das Artes 20 anos depois da minha exposição em 1999 na Arlinda Corrêa. Expor junto a outros artistas simultaneamente e conhece-los, é uma condição interessante de criarmos novas ligações. Outra questão importante é apresentar ao público nesta exposição, o resultado de meu doutorado em Artes concluído recentemente pelo Instituto de Artes da UNESP”, finaliza.
Lorena D’Arc é mineira, artista multimídia, graduada em Artes Plásticas pela Escola Guignard-UEMG, mestra em Artes pela ECA-USP e doutora em Artes Visuais pelo IA-UNESP. Participou de diversas exposições coletivas nacionais e internacionais. Prêmio na 2nd Shanghai International Modern Pot Art Biennial Exibition, Shanghai, China (2010), Menção Honrosa no 2º Salão Nacional de Cerâmica de Curitiba/PR em 2008. Curadora convidada para o 5º Salão Nacional de Cerâmica no MAC Curitiba/PR em 2016. Seu trabalho relaciona-se a elementos naturais, à natureza, ao cotidiano doméstico, que de algum modo registram a passagem do tempo, assim como, aos princípios de vida e morte. Ao explorar características, comportamentos e reações de materiais em seus estados crus e processados, prioriza matérias que possuem a ambiguidade de serem ao mesmo tempo matéria-prima e símbolo. Sua produção suscita relações entre arquétipos ancestrais e contemporâneos.