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maio 31, 2019
Miguel Rio Branco na Luisa Strina, São Paulo
“Como uma constelação de flagrantes da entropia da urbanidade em metrópoles distribuídas em latitudes e longitudes variadas, ainda que o olho-razão não resista a procurar pistas de quais cidades e países produziram os espaços retratados, diante de Maldicidade é importante o momento em que o olho-pele assume a impossibilidade da tarefa e percebe que a cidade é uma só, afinal: Qual grande metrópole, se pensada em sua história recente e em sua extensão territorial, pode dizer que desconhece essas imagens?
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(…) ‘Murió El Cuerpo’, estampa o jornal na mão do menino recostado à margem de um assentamento precário. É difícil entender a quem a manchete originalmente se referia, mas, nesse contexto, é o corpo da chamada civilização ocidental que, tendo alcançado escala e poder inéditos na história do planeta, colapsa esmagada sob o próprio peso dos ideais que alimentou”, escreve o curador Paulo Miyada em ensaio inédito, por ocasião da individual de Miguel Rio Branco no Oi Futuro, Rio de Janeiro, em 2017.
Maldicidade, série em andamento de Miguel Rio Branco, existia, até então, como fotolivro, publicado em 2014 pela CosacNaify, e como obras únicas ou conjuntos narrativos (polípticos) de fotografias feitas, ao longo da trajetória do artista, em diferentes cidades às quais sua carreira internacional o levou. Primeiro como filho de diplomata, começando com pintura, até o final dos anos 1960, depois como diretor de fotografia em documentários do cinema nacional e, em seguida, como correspondente da agência Magnum, nos anos 1980. Finalmente, como artista multidisciplinar, expôs em instituições como The Art Institute of Boston; Foto Forum, Frankfurt; Aperture’s Burden Gallery, NY; Maison Européenne de La Photographie, Paris; Rencontres d’Arles; Museu de Arte Contemporânea de Tóquio; Casa América, Madri; Kulturhuset, Estocolmo; e MASP; além de ser um dos contemplados com um pavilhão no Instituto Inhotim. Em junho de 2019, a Galeria Luisa Strina tem o prazer de apresentar a exposição individual Maldicidade, com cerca de 20 obras. Na abertura, o artista lança o livro homônimo, em nova edição, pela editora alemã Taschen.
Ainda que haja novidades na série Maldicidade, o ensaio de Miyada segue atual e preciso. A cidade é uma só. Todas as obras selecionadas por Rio Branco para a individual na galeria mostram a metrópole pulsante, entre exuberância e miséria, entre cores vibrantes e vapores noturnos, entre abstrações poéticas e denúncias francas. Qual grande cidade pode dizer que desconhece esses contrastes? Mesclando fotos publicadas em 2014 a outras, novas, que serão conhecidas apenas no livro da Taschen e na exposição, o artista não considera relevante pensar a imagem nestes termos – “novo”, “inédito” etc. – pois, segundo ele, “o inédito é a construção e a intenção”, ou seja, a edição de um livro ou de um grupo de fotografias para serem ampliadas, a sequência em que são apresentadas as imagens, o contexto em que cada instantâneo é colocado para dialogar com os demais – por aproximação ou repulsa –, formal, narrativo, de cores e assim por diante, cria sempre uma experiência inédita.
“A versão da Taschen tem uma nova dinâmica, talvez um pouco menos melancólica, mas dando importância, além da construção, também à leitura completa de cada imagem. Entramos em detalhes que no formato pequeno não conseguimos ver. Acaba se transformando em outro livro. Um pouco como interpretações musicais jazzísticas. Meu trabalho, em uma exposição na galeria da Magnum, em Paris (1985) foi definido, meio como crítica, por um fotógrafo, Denis Stock, como se eu tentasse criar música com fotografias: talvez o maior elogio que já fizeram sobre a obra”, afirma Miguel Rio Branco sobre o livro.
Desde 1977, com “strangler in a strangled land” e com a exposição Negativo Sujo (1978), vindo da pintura e do cinema, o artista começou a criar narrativas poéticas com montagens feitas com grupos de fotografias; já naquele momento, a ideia de foto única, “instante decisivo”, não lhe bastava, o campo da imagem, para ele, precisava de um contexto narrativo visual. “Um conjunto de peças consegue ganhar um formato final no diálogo entre elas, da mesma maneira que outras, por força individual, não precisam nem conseguem entrar em conjuntos, são mesmo completas individualmente. O cimento que as une em diversas construções é o que cria o ritmo e os conceitos que finalizam, mesmo que provisoriamente, as obras”, explica.
Seguindo esta lógica, na exposição Maldicidade o visitante depara, por exemplo, com o díptico Preto e Rosa com Bandeira, espécie de encontro perfeito entre padronagens geométricas – uma em ambiente interno, outra flagrada na rua – que apresentam, ambas, um elemento em estado de suspensão, o “punctum” de ambas, para falar com Roland Barthes, que as une, ou que cimenta, ainda que provisoriamente, a construção do díptico. Entretanto, próxima ao conjunto, o espectador pode contemplar Sapatos Azul e Vermelho, mostrada como peça individual, com toda a sua força narrativa, sem a necessidade de outra imagem que a complemente, ainda que, na mais recente edição da Bienal de São Paulo, a mesma obra tenha sido vista dentro de um políptico, intitulado Geometria do Desejo.
“O meu trabalho é como uma maré de imagens que podem tomar direções diversas, como um mar de imagens que criam discursos poéticos que desmancham, muitas vezes, sua capacidade apenas documental, criando outros significados. Criam ritmos e sentidos que desmancham uma proposta apenas de retrato da realidade.”
Depois de Negativo Sujo, Rio Branco mostrou, na Bienal de São Paulo de 1983, uma peça audiovisual chamada Diálogos com Amaú, composta de cinco telas translúcidas sobre as quais era projetada uma sequência de imagens de um menino surdo-mudo kayapó dialogando com imagens de sua vida e da civilização branca que cercava sua aldeia. “As conexões tinham um ritmo próprio, mas criavam relações aleatórias, porém significantes pela escolha das imagens; a obra se situa na área do que Hélio Oiticica definia como Quase cinema”, conta o artista. Este trabalho está permanentemente exposto no pavilhão dedicado à obra de Rio Branco em Inhotim, e é considerado uma das obras mais icônicas da fotografia expandida brasileira.
Ainda sobre o livro e a sua relação com as grandes metrópoles, Rio Branco afirma que “as mudanças foram mais por questões relacionadas ao novo tamanho e à cidade que me atrai, claro que nem todas, muito menos as nossas que ficam cada vez mais estruturalmente precárias, mas MALDICIDADE veio de uma mistura do francês “mal d’amour’, dor de amor, e maldita cidade: às vezes sinto repulsa e, outras, atração. Mas continuo achando que as cidades estão em um caminho irreversível de terror depois de um certo tamanho, depois de um exagero de milhões de pessoas. Não acho saudáveis as grandes concentrações de gente; hoje, me parecem grande atrativos para o desastre”.
SOBRE O ARTISTA
Nascido em 1946, em Las Palmas de Gran Canaria, Espanha, Miguel Rio Branco vive e trabalha em Araras, Rio de Janeiro. Formado no New York Institute of Photography e na Escola Superior de Desenho Industrial, Rio de Janeiro, começou a expor fotografias e filmes em 1972, desenvolvendo um trabalho documental de forte carga poética. Nos anos 1980, foi aclamado internacionalmente por seus filmes e fotografias na forma de prêmios, publicações e exposições, como o Grande Prêmio da Primeira Trienal de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Prêmio Kodak de la Critique Photographique, de 1982, na França.
Exposições individuais recentes incluem: Nada levarei qundo morrer, MASP – Museu de Arte de São Paulo (2017); Wishful Thinking, Oi Futuro, Rio de Janeiro (2017); De Tóquio para Out of Nowhere, Galeria Filomena Soares, Portugal (2016); Nova York Sketches, Magnum Photo Gallery, Paris (2016); e Teoria da Cor, Pinacoteca de São Paulo (2014).
Exposições coletivas recentes incluem: Southern Geometries, from Mexico to Patagonia, Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris (2018); 33ª Bienal de São Paulo (2018); Door into Darkness, Galerija Kula, Institute Haru – Milesi Palace e The Institute for Scientific and Artistic Work, Croatian Academy of Sciences and Arts, Split, Croácia (2018); 11ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2018).
Possui obras no acervo de instituições como Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museu de Arte de São Paulo; Centro George Pompidou, Paris; San Francisco Museum of Modern Art; Stedelijk Museum, Amsterdã; Museum of Photographic Arts of San Diego e Metropolitan Museum, Nova York.
“As a constellation of blatant urbanity entropy in cities distributed on varied latitudes and longitudes, even though the eye-conciousness does not resist looking for clues to which cities and countries the portrayed spaces were produced in, it is important that, in the face of Maldicidade, the moment in which the eye-skin assumes the impossibility of the task and realizes that the city is only one, after all: about what great cities, if its recent history and territorial extension are taken into consideration, could it be said that it does not know these images?
(…) ‘Murió El Cuerpo’, says the headline on the newspaper held by a boy leaning against the side of a precarious settlement. It is difficult to understand who the original headline was referring to, but in this context, it is the body of the so-called Western civilization which, having achieved unprecedented scale and power in the planet’s history, caves in crushed under the very weight of the ideals it has nurtured”, curator Paulo Miyada writes in an unpublished essay, on the occasion of Miguel Rio Branco’s solo show in Oi Futuro, Rio de Janeiro, in 2017.
Maldicidade, a work in progress by Miguel Rio Branco, only existed until now in photobook format, published by CosacNaify in 2014, and as stand-alone works or sets of photographs in narrative (polyptych) made during the artist’s stay in different cities where his international career took him to. Firstly, as a diplomat´s child, beginning with painting, until the end of the 1960s, later as a photography director in Brazilian film documentaries and then as a correspondent of the Magnum agency in the 1980s. Finally, as a multidisciplinary artist, he exhibited in institutions such as The Art Institute of Boston; Photo Forum, Frankfurt; Aperture’s Burden Gallery, NY; Maison Européenne de La Photographie, Paris; Rencontres d’Arles; Museum of Contemporary Art of Tokyo; Casa América, Madrid; Kulturhuset, Stockholm; and MASP; besides being one of the artists honored with a pavilion at the Inhotim Institute. In June 2019, Luisa Strina Gallery is pleased to present Maldicidade, a solo exhibition, showing about 20 works. At the opening, the artist launches a so titled book, in a new edition, by the German publisher Taschen.
Although there are new developments in the Maldicidade series, the text by Miyada continues to be current and precise. The city is one. All the works selected by Rio Branco for the solo show in the gallery picture the pulsating metropolis, between exuberance and misery, vibrant colors and nocturnal vapors, poetic abstractions and honest denouncements. About what big city could it be said that these contrasts are not known? Merging photos published in 2014 with new ones, which will only be revealed in the Taschen’s book and in the exhibition, the artist does not consider it relevant to think the image on these terms – “new”, “unpublished” etc. – because, according to him, “what the unprecedented amounts to is the construction and the intention”, that is, the edition of a book or a group of photographs to be enlarged, the sequence in which the images are presented, the context in which each snapshot is placed in relation to others – by approach or repulsion -, formal, narrative, color and so on, it always creates an unprecedented experience.
“The Taschen version has a new dynamic, possibly a little less melancholy, but placing importance, in addition to the construction, to the complete reading of each image. We see the details otherwise not perceivable in the small format. It ends up becoming a different book. A bit like some jazzy musical performances. As my work was being shown at the Magnum gallery in Paris (1985), it was critically defined by the photographer Denis Stock as if I had tried to create music with photographs: perhaps the greatest praise they have ever been given”, says Miguel Rio Branco about the book, which opens with an essay by art critic and curator Paulo Herkenhoff.
Since 1977, with “Strangler in a strangled land” and also the exhibition Negativo Sujo (1978), coming from painting and cinema, the artist has begun to create poetic narratives with assemblages made with groups of photographs; already then at that moment, the idea of a single photo, “a decisive moment”, has not been enough for him; the field of the image, according to him, needed a visual narrative context. “A set of pieces can reach a final format in the dialogue among them, just as others, by individual force, do not need or cannot be in sets, they are fully complete individually. The cement that unites them in different constructions is what creates the rhythm and the concepts that complete the works, even provisionally”, he explains.
Following this logic, at the exhibition Maldicidade, the visitor is faced, for example, with the Black and Rose with Flag diptych, a nearly perfect meeting between geometric patterns – one in an inside environment, another one caught on the street – where both depict na element in a state of suspension, the “punctum” of both, to connect with Roland Barthes, that unites them, or that cements, although provisionally, the construction of the diptych. Near this set of pictures, however, the spectator can contemplate Blue and Red Shoes, shown as a single piece in all its narrative force, without the need of another image to complement it, even though, in the most recent edition of the São Paulo Biennial, the same work was seen in a polyptych, entitled Geometry of Desire.
“My work is like a tide of images that can take different directions, as in a sea of images that create poetic discourses that often unravel their documentary capacity, generating more meaning. They create rhythms and meaning that obliterate a simple proposal of reality. ”
After Negativo Sujo, Rio Branco showed, at the 1983 São Paulo Biennial, an audiovisual piece called Dialogues with Amaú, composed of five translucent screens on which a sequence of images of a deaf-mute kayapó boy was projected in connection to other images of his life and images of the white civilization that surrounded his village. “The connections had a rhythm of their own, but they generated random, but significant relationships in the images choice; the work falls in the area defined by Hélio Oiticica as Almost Cinema”, tells us the artist. This work is permanently exhibited in the pavilion dedicated to the work of Rio Branco in Inhotim, and is considered one of the most iconic works of expanded photography by a Brazilian artist.
Still on the subject of the book and its relation with great cities, Rio Branco alleges that “the changes were provoked specially by issues related to the new size and by the city that attracts me, clearly not all, even less by ours that become more and more precarious structurally, but MALDICIDADE came from a mixture of the French expression. ‘mal d’amour’, love pain, and a damned city: sometimes I feel revulsion and, sometimes, attraction. But, I still think cities are on an irreversible path to terror after they reach a certain size, after an exaggeration made of millions of people. I do not think large concentrations of people are healthy; today, they seem to me a great attraction to disaster”.
ABOUT THE ARTIST
Born in 1946, Las Palmas de Gran Canaria, Spain, Miguel Rio Branco lives and works in Araras, Rio de Janeiro, Brazil. Graduated in the New York Institute of Photography and at the Superior School of Industrial Design, Rio de Janeiro, he began to show photographs and films in 1972, developing a documentary work with a strong poetic load. In the 1980s, he was acclaimed internationally for his films and photographs in the form of prizes, publications and exhibitions, such as the Grand Prize of the First Triennial of Photography of the Museum of Modern Art, São Paulo, and the prize Kodak de la Critique Photographique, 1982, in France.
Recent solo shows include: Nada levarei qundo morrer, MASP – Museu de Arte de São Paulo (2017); Wishful Thinking, Oi Futuro, Rio de Janeiro (2017); From Tokyo to Out of Nowhere, Galeria Filomena Soares, Portugal (2016); New York Sketches, Magnum Photo Gallery, Paris (2016); and Color Theory, Pinacoteca de São Paulo (2014).
Recent group shows include: Southern Geometries, from Mexico to Patagonia, Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris (2018); 33th São Paulo Biennial (2018); Door into Darkness, Galerija Kula, Institute Haru – Milesi Palace and The Institute for Scientific and Artistic Work, Croatian Academy of Sciences and Arts, Split, Crotia (2018); 11th Mercosur Biennial, Porto Alegre (2018).
The artist has works in the collection of important institutions such as Museum of Modern Art Rio de Janeiro; Museum of Modern Art São Paulo; MASP – Museum of Art of São Paulo; George Pompidou Center, Paris; San Francisco Museum of Modern Art; Stedelijk Museum, Amsterdam; Museum of Photographic Arts of San Diego; and Metropolitan Museum, New York.