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maio 8, 2019
Novas efervescências no Porto Seguro, São Paulo
Espaço Cultural Porto Seguro promove coletiva que levanta reflexões sobre o criar na arte contemporânea
Trabalhos de suportes distintos que sobrepõem e tencionam novas linguagens artísticas. Um conjunto de nove projetos executados por um corpo de dez artistas de diferentes gerações e linhas de pesquisa. Juntos convocam o público a refletir sobre uma pluralidade de questões: episódios da história do País, a relação do indivíduo com o meio ambiente, diálogos com a arquitetura do entorno, entre outros temas da contemporaneidade. Esse é o fio que conduz a mostra Novas Efervescências, coletiva que o Espaço Cultural Porto Seguro recebe a partir do dia 11 de maio, reunindo trabalhos inéditos de Angella Conte, Arnaldo Pappalardo, Daniel Frota de Abreu, Erica Ferrari, Erica Kaminishi, João Angelini, Laura Gorski e Renata Cruz, Pablo Lobato e Tiago Mestre.
Realizada pela instituição que a exibe e pelo Ministério da Cidadania, em parceria da Base7 Projetos Culturais, a exposição é resultado do edital lançado em dezembro de 2018. Formada pelos críticos e curadores Isabella Lenzi, Jacopo Crivelli Visconti e Ricardo Ribenboim, a comissão julgadora analisou projetos de 225 artistas de diversas regiões do Brasil. Inicialmente, o edital previa a seleção de até sete projetos, mas dado o volume de inscrições e a qualidade das propostas e portfólios apresentados, esse número foi ampliado para nove.
Com base nas premissas estipuladas pelo edital, o júri selecionou trabalhos inovadores – no âmbito das discussões e reflexões acerca das produções da arte contemporânea e, ainda, sob uma perspectiva individual fundamentada na trajetória de cada um dos artistas.
"Queremos oferecer ao público experiências de distintas naturezas artísticas e abrir a instituição para o país – daí a importância da chamada aberta. A proposta da exposição dialoga também com a missão do Espaço Cultural Porto Seguro, que é ser uma plataforma para o fazer e a reflexão de manifestações de arte, com ênfase nas relações com a imagem e o entorno", afirma Rodrigo Villela, diretor executivo.
O visitante é instigado a participar da mostra, estabelecendo relações com as obras, rompendo com linguagens ou métodos já pré-estabelecidos e refletindo sobre episódios que construíram a história do País.
A artista Erica Ferrari pesquisa a relação entre construções tridimensionais e a formação da identidade no espaço público. Na mostra, ela traz conceitos que ajudaram a moldar a história brasileira, como religiosidade, opressão, descaso, patrimônio e memória. São ideias que pairam em um dos símbolos mais icônicos de São Paulo: o Pátio do Colégio, marco da fundação da cidade pelos jesuítas. Com a obra De pedra, bronze e palavra (2019), instalação produzida a partir da coleta de vestígios históricos, Ferrari procura refletir sobre o quanto essa construção pode representar o processo de desenvolvimento brasileiro, de sua colonização até a atualidade.
Tomando a interdependência do artista com o entorno que o abriga, a exposição traz uma obra viva que será alimentada pelo público e pelos colaboradores do Espaço Cultural Porto Seguro. Uma metáfora para o modus operandi do circuito de arte contemporânea. Trata-se da escultura Metabolismo#3 (2019), trabalho inédito do artista Daniel Frota de Abreu, feita em concreto armado e pensado para funcionar como um sistema de compostagem. Ao longo do período expositivo, a obra transformará dejetos orgânicos em húmus para adubar o jardim da instituição.
Em meio a reflexões e questionamentos sobre a memória, Tiago Mestre traz um trabalho sobre o esquecimento. O artista propõe um olhar crítico sobre o processo de criação e a matéria utilizada na obra Smog (2019), conjunto de esculturas em argila que forma um mural no espaço expositivo. Mestre levanta problematizações sobre a cultura modernista brasileira, cuja referência é a arte pública monumental no contexto arquitetônico e urbano. Em linhas gerais, o artista traz um olhar turvo e desapaixonado sobre acontecimentos recentes e a construção da história.
Criar espaços partilhados de integração e silêncio é o foco da pesquisa das artistas Laura Gorski e Renata Cruz, que atuam em parceria desde 2015. Em O abismo não nos separa, ele nos cerca (2019), a dupla exibe uma instalação formada por uma coleção de livros que abordam temas clássicos da cultura universal, como a pintura, a escultura, a literatura, entre outros. Os objetos são atravessados por elementos naturais coletados pelas artistas durante uma experiência de imersão vivida na Floresta Amazônica, em julho de 2018.
O espectador é conduzido a produzir associações e criar sua própria história a partir de uma sequência de imagens apresentada de forma não narrativa ou linear, beirando o caótico. Trata-se da instalação Fotoreceptores: cones e bastonetes (2018), de Arnaldo Pappalardo. O artista introduz movimento às imagens estáticas e faz uso de duas operações distintas: o virar das páginas de um fotolivro e a sucessão de fotografias projetadas. Ele parte de dois tipos de células responsáveis pela visão humana: os bastonetes, que mesmo na penumbra captam a luz, mas não registram a cor; e os cones, que percebem as frequências luminosas do azul, verde e vermelho. E é entre as cores e o preto e branco, o livro e o vídeo, que nasce esta instalação.
Os vestígios deixados pelos visitantes devem se tornar parte da obra de Erica Kaminishi. Na obra Loop (2019), a artista exibe peças tridimensionais que, na medida em que são tocadas, mudam gradativamente de cor e absorvem fragmentos deixados pelos espectadores. A instalação é composta por um conjunto de cilindros e, com ela, Kaminishi evoca indagações sobre a compreensão do intocável e do sagrado, e discute a cultura do toque, habitual no Brasil.
O gesto manual de trabalhadores serviu como objeto de estudo para João Angelini. O artista apresenta em Laissez-faire Nº1 (2019) um vídeo e 1.920 desenhos feitos a mão em papel. Angelini decupou os gestos de um soldado da Polícia Militar de Planaltina (DF), sua cidade natal, que realiza a rotina de vistoria e manutenção de sua pistola antes de iniciar o serviço. A intenção do artista ao transpor os desenhos do vídeo para o espaço é revelar o processo laborioso e extremamente demorado que está por trás da produção de uma animação e transferir ao espectador a possibilidade de ordenar a sequência de imagens.
Os limites entre suportes, materiais e métodos distintos surge em A serpente e o castelo (2019), projeto do artista Pablo Lobato. Criada a partir de um arranjo entre as peças de diferentes naturezas, que apesar de autônomas, estabelecem entre si conexões espaciais e de escala com o espaço, determinando a experiência do espectador. Para sua construção, Lobato seguiu os estudos e ensinamentos da pediatra vienense Emmi Pikler, precursora de novas ideias sobre educação infantil. A primeira infância, na abordagem do artista, simboliza um lugar fértil para mudanças urgentes que a sociedade necessita.
Um conjunto de imagens aéreas, em sua maioria, em branco e preto, encerram a exposição levando o espectador à quietude e tranquilidade da obra de Angella Conte. Após uma temporada vivendo na Holanda, em meio a paisagens serenas, baixas temperaturas e a natureza, a artista traz ao público Um vazio e um silêncio (2018), composição de fotografias que abre precedentes para o pensamento sobre a inter-relação entre o indivíduo e seu meio, pautado por histórias, trocas e resquícios.
Sobre os artistas
Angella Conte (1955)
Natural de Jabotical, São Paulo, Angella Conte é uma artista que trabalha com desenhos, pinturas, esculturas, fotografias, instalações, vídeos e performances. O ponto de partida de sua obra é a inter-relação entre o indivíduo e o seu meio. Tem obras em acervos públicos e privados e já expôs em instituições brasileiras e internacionais, como Centro Cultural São Paulo (CCSP), Festival Internacional de Arte Eletrônica (FILE - 2016), SESI - SP, Centro Provincial de Artes Plásticas y Diseño La Habana Cuba e Museu de Arte Contemporânea (MAC - USP). Foi indicada para o 4º Prêmio CNI/SESI Marcoantonio Vilaça e fez residências artísticas em Portugal e Irlanda.
Arnaldo Pappalardo (1954)
Veterano na cena fotográfica brasileira, o paulistano Arnaldo Pappalardo experimenta com imagens díspares e utiliza técnicas diversas do universo fotográfico: dos primórdios da fotografia aos recursos das câmeras digitais. É autor do livro Tensão Calma (2008), que reúne registros da exposição individual apresentada no mesmo ano na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Daniel Frota de Abreu (1988)
O artista carioca combina escultura, vídeo e publicação em instalações que estabelecem relações estéticas e políticas com seu contexto. Já participou de residências artísticas no Pivô (2019), em São Paulo; no FLACC (2019), em Genk, na Bélgica e no 3 Package Deal (2014-2015), em Amsterdam. Seu trabalho já foi apresentado em instituições como Fundação Iberê Camargo, Paço das Artes e Fundação Sandretto Re Rebaudengo, na Itália.
Erica Ferrari (1981)
Com uma formação que vai das artes visuais à arquitetura e o urbanismo, a paulistana Erica Ferrari busca escavar e analisar as diversas camadas históricas e sociais do tecido urbano. Fez residência artística na Casa Tomada (São Paulo), no Sculpture Space (Nova York) e no Rampa (Madrid). Exibiu individuais em instituições como Pivô, no Paço das Artes, Sesc Vila Mariana na 32ª Bienal de Artes Gráficas, em Liubliana, Eslovênia.
Erica Kaminishi (1979)
Nascida em Rondonópolis, no Mato Grosso, Erica Kaminishi é nipo-brasileira e já viveu entre o Brasil, o Japão e a França. O período no exterior se tornou a base de sua produção visual e de seus questionamentos. Aspectos da arte e cultura tradicional japonesa são centrais em sua obra. A artista parte do desenho, da palavra e de tudo o que envolve esse universo: a palavra escrita, oral, pictórica, literária e os símbolos. Já expôs seu trabalho em instituições como Funarte (São Paulo), Tokyo Opera City Art Gallery (Japão), Aichi Arts Center (Japão), e Museu de Arte Contemporânea do Paraná (Curitiba) e foi reconhecida com os prêmios Mostra de Artistas no Exterior (Fundação Bienal de São Paulo) e Bolsa Produção em Artes Visuais 2011 (Fundação Nomura, Japão).
João Angelini (1980)
O artista nasceu e reside em Planaltina, na periferia rural de Brasília. Seu trabalho tem como enfoque as questões processuais, as reflexões dos modos de fazer, os limites e as convergências de linguagens e técnicas artísticas. Suas pesquisas se desdobram em diversos meios como gravura, pintura, teatro, fotografia, vídeo, música, animação e performance. Seu trabalho já foi exibido em instituições como Museu de Arte do Rio (MAR) e Museu Nacional de Brasília. Acumula premiações como a 5ª edição do Prêmio Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas, pelo grupo EmpreZa (2015) e o Novo RUMOS Itaú Cultural (2014). Sua obra está em coleções do Acervo Banco Itaú, MAR, MAB e Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Laura Gorski (1982) e Renata Cruz (1964)
As artistas Laura Gorski e Renata Cruz trabalham em parceria desde 2015, participando desde então de projetos e exposições. O foco de pesquisa da dupla é a criação de espaços partilhados de integração e silêncio, que normalmente são habitados de maneira individual. A possibilidade do encontro consigo mesmo, de forma acompanhada, as move a criar imagens nas quais está presente a ideia de partilha do tempo e da intimidade. Em 2017, participaram da residência LABVERDE na Reserva Adolpho Ducke, em Manaus, para onde retornaram em 2018.
Pablo Lobato (1976)
Natural de Bom Despacho, Minas Gerais, Pablo Lobato procura atenuar os limites entre distintos suportes, materiais e métodos. Começou no cinema, exibindo seus trabalhos em festivais do mundo todo e, aos poucos, ingressou no circuito das artes visuais. O artista experimenta, sobrepõe e converge diversas linguagens – vídeos, fotografias e assemblages - sem que haja uma linha divisória entre elas ou uma preponderância de uma sobre a outra. Foi um dos criadores da Teia – Centro de Pesquisa Audiovisual, com sede em Belo Horizonte, e indicado ao Prêmio PIPA em 2012.
Tiago Mestre (1978)
O português Tiago Mestre nasceu no Alentejo e desde 2010 vive em São Paulo. Arquiteto de formação, sua pesquisa artística se materializa em diferentes meios e suportes, entre a escultura de cerâmica, o gesso e o bronze, a pintura e o vídeo, os murais e as instalações. É autor de uma produção diretamente ligada às distintas matérias que utiliza e confronta e aos espaços que ocupa. Já realizou exposições em espaços como Real Colégio das Artes e Humanidades, Coimbra, Portugal (2018); Galeria Millan, São Paulo, (2017); Paço das Artes, São Paulo, e Centro Cultural São Paulo (2016); Kunsthalle, São Paulo, SP (2014); e Wiels Residency Projects, Bruxelas, Bélgica (2009), Instituto Tomie Ohtake (2015) e esteve entre os participantes da XV Bienal de Cerveira, em Portugal.
Comissão julgadora
Isabella Lenzi
De nacionalidade portuguesa, é curadora, pesquisadora e editora. É mestre em fotografia pela Universitat Pompeu Fabra e Elisava (Barcelona, Espanha) e em estudos museológicos pela Universidade College London (Reino Unido). Desde 2013, é curadora e consultora cultural do Consulado Geral de Portugal, em São Paulo; foi pesquisadora na Whitechapel Gallery, em 2017, em Londres, e integrou o núcleo de programação da Associação Cultural Videobrasil, em São Paulo, entre 2013 e 2015.
Jacopo Crivelli Visconti
Nascido em Nápoles, Itália, Jacopo Crivelli Visconti vive em São Paulo. É crítico e curador independente. Doutor em Arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP), é curador da 34ª Bienal de São Paulo (2020). Entre seus trabalhos recentes mais representativos estão: Untimely, Again, Pavilhão da República de Chipre na 58ª Biennale di Venezia, Itália (2019); Brasile – Il coltello nella carne, PAC – Padiglione d'arte contemporanea, Milão, Itália (2018); Matriz do tempo real, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (2018); Héctor Zamora – Dinâmica não linear, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo (2016); e Ir para volver, 12ª Bienal de Cuenca, Equador (2014). É colaborador regular de revistas de arte contemporânea, arquitetura e design, além de escrever para catálogos de exposições e monografias de artistas.
Ricardo Ribenboim
Artista plástico, designer gráfico e produtor cultural. Desde 2002, o paulistano é diretor da Base7, produtora especializada em gestão de projetos culturais. Foi diretor do Itaú Cultural entre 1997 e 2002, do Paço das Artes em 1996 e 1997, e do Gema Design entre 1986 e 1995. Como artista, explora os limites entre o design gráfico e as artes visuais, o que se reflete na utilização de diferentes materiais e suportes, tanto físicos quanto eletrônicos. Participou da Bienal Nacional de São Paulo (1974), da 7ª Bienal de Havana (2000), do Open Air Veneza (2001), além de diversas exposições, como City Canibal, Paço das Artes, São Paulo (1998); Ares e Pensares, SESC, São Paulo (2002), entre outras.