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março 15, 2019
No Papel na Mul.ti.plo, Rio de Janeiro
Quatro artistas resgatam o papel como protagonista de diversas técnicas em exposição na Mul.ti.plo, a partir de 19 de março
A arte de Célia Euvaldo, Elizabeth Jobim, Ester Grinspum e Renata Tassinari assinalam, cada uma a seu modo, a imensa relevância do papel para a arte contemporânea na exposição No papel, que a Mul.ti.plo Espaço Arte, no Leblon, abre no dia 19 de março. Não há uma temática que permeie a mostra: cerca de 20 obras ocupam as duas salas da galeria, tendo como único critério a diversidade e extensão do uso do papel. Para muito além do suporte, há em comum entre os trabalhos das quatro artistas apenas o fato de que, como num poema, existe uma densidade e uma economia de elementos.
“São obras que fazem da incompletude, da falta e do vazio, uma nova força. Que propõem uma indagação e fazem pensar”, afirma Maneco Müller, sócio da Mul.ti.plo.
A busca pela subjetividade e a relação entre espaços e vazios são questões importantes na produção artística de Ester Grinspum, que apresenta pinturas a óleo sobre papel recentes e inéditos, de 2017: “A Ester dá o tom dessa incompletude. São obras de uma única pincelada. É como se só o primeiro passo fosse desvelado”, destaca Maneco.
Ester define as obras como exercícios de desenho, pequenas formas construídas com pincéis usados para a caligrafia japonesa. “A forma circular está sempre muito presente no meu trabalho e esses desenhos também são círculos, ou quase círculos, que me remetem à perspectiva circular do tempo, cíclica”, diz ela.
Partindo da observação de pequenas pedras, os desenhos de Elizabeth Jobim apresentados na exposição foram produzidos em acrílica e nanquim sobre papel, entre 2000 e 2004. “Eles trazem minha percepção das formas, dos ângulos e do espaço e são feitos de várias partes que são colocadas justapostas. Eu desenhava na parede com uma técnica aguada, por isso têm escorridos”.
Para Maneco, a potência desses trabalhos da artista consiste justamente em, neste ambiente aguado que constrói e faz fluir, propor uma espécie de negociação, por vezes tensa, com o acaso. “Elizabeth tem um gesto muito vivo, muito presente, mas nestes trabalhos, ela incorpora o imprevisto. A tinta escorre pelo papel e se transforma em arte. As obras têm essa sabedoria”, comenta Maneco.
Com desenhos mostrados pela primeira vez, feitos com nanquim sobre papel chinês entre 1988 e 2011, Célia Euvaldo trabalha com superfícies mais opacas, monocromáticas, nas quais se vê a presença do corpo e da textura, com pinceladas largas ora na horizontal, ora na vertical, criando um padrão desconcertante.
“São pinceladas de cerca de 30 cm, às vezes bem cheias, outras com pouca tinta. São faixas em que sempre tive a ideia de passar a energia do gesto. O traço oscila, derrapa, a tinta respinga, e vou acatando o imprevisto, inclusive a reação do papel, que às vezes enruga, contrai, e assim não é só um fundo, mas um elemento com um papel ativo”, diz Célia. “São obras de pinceladas únicas e, portanto, de um risco imenso, especialmente porque são trabalhos de grandes entregas”, acrescenta Maneco.
Nos trabalhos de Renata Tassinari se veem planos geometrizados por cores, resultado de uma pesquisa que a artista paulistana faz desde 2003. Inéditos também, os desenhos foram produzidos em 2018 com óleo e grafite sobre papel. Foi a partir das pinturas que já fazia sobre placas acrílicas e sobre madeira que Renata começou a pensar o trabalho com o papel.
“A paleta cromática dos desenhos tem muito a ver com a das minhas pinturas, inclusive a fresta branca, que é o respiro da obra, o risco por onde corre o ar”, conta Renata. A cor é, sem dúvida, o eixo de gravidade dos trabalhos, e cada cor se afirma por si, como persona única e autônoma, comenta Maneco: “Existe uma insubordinação das cores, Renata demonstra o seu absoluto domínio ao colocar lado a lado cores improváveis, que muitas vezes têm uma convivência nada pacífica, mas como tudo é estruturado e bonito”.
A exposição fica em cartaz até 4 de maio, de segunda a sexta, das 10h às 18h30 e sábados, de 10h às 14h, com entrada franca.
Sobre Célia Euvaldo
Célia Euvaldo (começou a expor em meados da década de 1980). Suas primeiras exposições individuais foram na Galeria Macunaíma (Funarte, Rio de Janeiro, 1988), no Museu de Arte Contemporânea (São Paulo, 1989) e no Centro Cultural São Paulo (1989). Ainda em 1989 ano ganhou o I Prêmio no Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte. Desde então tem exposto regularmente em mostras individuais e coletivas em galerias e instituições. Participou, notadamente, da 7ª Bienal Internacional de Pintura de Cuenca, Equador (2001) e da 5ª Bienal do Mercosul (2005). Realizou exposições individuais, entre outros, no Paço Imperial (Rio de Janeiro, 1995, 1999 e 2015/16), na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2006), no Centro Cultural Maria Antonia (São Paulo, 2003 e 2010), no Museu de Gravura da Cidade de Curitiba (2011) e no Instituto Tomie Ohtake (São Paulo, 2013). Em 2016, participou da mostra coletiva Cut, Folded, Pressed & Other Actions na David Zwirner Gallery, em Nova York. Em 2017 realizou exposições individuais no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e Ribeirão Preto, e, em 2018 na Galeria Raquel Arnaud em São Paulo.
Sobre Elizabeth Jobim
Desenhista, pintora, gravadora. Realiza estudos de desenho e pintura com Anna Bella Geiger (1933), Aluísio Carvão (1920-2001) e Eduardo Sued (1925), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), entre 1981 e 1985. Cursa comunicação visual na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), a partir de 1981. Nessa universidade, entre 1988 e 1989, faz curso de especialização em História da Arte e da Arquitetura no Brasil. Entre 1990 e 1992, faz mestrado em Belas Artes na School of Visual Arts, em Nova York. A partir de 1994, leciona no Ateliê de Desenho e Pintura da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque Lage), no Rio de Janeiro. Entre suas mais importantes exposições, estão Blocos (2013), no MAM do Rio de Janeiro, Em Azul (2010), na Estação Pinacoteca de São Paulo, e Endless Lines (2008), na Lehman College Art Gallery, em Nova York. Participa da coletiva Art in Brazil (1950-2011), no festival Europalia, em 2011, em Bruxelas, e da 5ª Bienal do Mercosul, em 2005.
Sobre Ester Grinspum
Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, fez sua primeira exposição individual na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1981, e a seguir no Museu de Arte Contemporânea (USP) e na Galeria Funarte Macunaíma no Rio de Janeiro, em 1983. A partir de então, fez várias exposições individuais no Brasil e exterior, entre elas na Galeria Paulo Figueiredo (SP); na Galerie Lil'Orsay, Paris; na Galeria Marilia Razuk (SP); no Paço Imperial do Rio de Janeiro; no Musée de Langres, Paris; na Pinacoteca do Estado de São Paulo e na Galeria Transversal e no Instituto Tomie Ohtake. Participou de inúmeras exposições coletivas, como Como vai você, Geração 80?; Bienal Latino-Americana de Arte Sobre Papel, em Buenos Aires, 1986; I e II Bienal de Havana, 1984 e 1986; XX Bienal Internacional de São Paulo, 1989; Tabula Rasa, Bienna, Suíça, 1991; UltraModern – The Art of Contemporary Brazil, Washington, 1993; Bienal Brasil Século XX, 1994; Selections Brazil, Drawing Center, Nova Iorque, 1995; I Bienal do Mercosul, 1996; Stedelijk Museum, Schiedam, Holanda, 1996; Escultura Urbana, Alger, 2003; ARCOMadrid, Solo Project, 2012. Foi contemplada com a Bolsa de Trabalho European Ceramic Work Centre em s'Hertogenbosch, Holanda, em 1995; a Bolsa Virtuose e de Residência na Cité des Arts, em Paris, em 1997 e 1998; e a Bolsa Vitae de Artes, em 2002, entre outras. Possui trabalhos em coleções como Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Brooklyn Museum (Nova Iorque), Fonds National d'Art Contemporain (França) e Coleção Patricia Phelps de Cisneros.
Sobre Renata Tassinari
Formada em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) em 1980, onde foi aluna de grandes mestres como Carlos Fajardo e Dudi Maia Rosa, Renata Tassinari inicia sua produção com pinturas que mesclam elementos figurativos à gestualidade característica da pintura da Geração 80. A figuração vai lentamente desaparecendo e dá vez a uma pesquisa marcante de cor, que se transforma na marca de seus trabalhos. A artista, porém, não dissocia cor e matéria - Tassinari repensa ambas a partir da relação com o suporte e também ao agregar à superfície da tela elementos díspares (como papelão e madeira) e diferentes técnicas. A artista tem dezenas de mostras individuais e coletivas em seu histórico, incluindo a retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake, SP, em 2015 e mostras solo no MAM RJ, MAM SP e Paço Imperial.