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março 13, 2019
Liuba + Claudia Jaguaribe na Marcelo Guarnieri, São Paulo
A Galeria Marcelo Guarnieri apresenta na sua sede de São Paulo a segunda exposição individual da artista búlgara radicada brasileira Liuba. A sala será ocupada por uma plataforma de blocos de concreto que servirá de base para as esculturas, posicionadas em diferentes níveis de altura, seguindo um projeto expositivo concebido pela artista. Além das esculturas, serão apresentados desenhos e relevos de parede, todos eles produzidos entre as décadas de 1960 e 1980.
Liuba (1923, Sófia - Bulgaria, 2005, São Paulo - SP), chegou no Brasil em 1949 já para estabelecer um ateliê em São Paulo, onde viviam seus pais desde o ano anterior. Durante a década de 1950, a artista transitou por diversos países da Europa, das Américas e do Norte Africano, como Egito, Algéria, Tunísia e México. A possibilidade de conhecer tantas culturas diferentes e de ter ateliês tanto no Brasil como na França, permitiu a Liuba estar em contato com discussões diversas que afetaram diretamente o seu trabalho. Formou-se na École de Beaux Arts de Genebra e trabalhou por cinco anos com a renomada escultora da Escola de Paris Germaine Richier. A partir de 1954 o trabalho de Liuba começa a se mover em direção a um "formalismo biomórfico", segundo o crítico de arte norte-americano Sam Hunter. Tais contorções apontariam para uma tendência do meio do século XX rumo à abstração, enquanto suas formas animalísticas afirmariam uma herança Jungiana, pensamento tão importante dentro dos círculos artísticos frequentados por ela. "Ave Composta", "Plant Form", "The Wing" e "In Flight" são alguns dos títulos de suas criaturas, que em arranjos totêmicos, nos remetem a formas animais, vegetais e até humanas. "Para mim eles são animais. Mas não consigo explicar de onde eles vêm – deve ser do meu subconsciente.", especulava Liuba.
Em 1965, dentro das comemorações do IV Centenário do Rio de Janeiro, Liuba apresentou um conjunto de esculturas na área externa do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, naquela que seria sua primeira mostra individual em um museu. As esculturas de Liuba foram dispostas sobre blocos de concreto ao ar livre e dialogavam com o projeto paisagístico de Burle-Marx e com o projeto arquitetônico e urbanístico de Affonso Eduardo Reidy. "Tenho estado particularmente interessada na ligação entre escultura e arquitetura", declarou Liuba naquele ano.
De 1958 até o ano de sua morte, Liuba trabalhou entre seus ateliês de São Paulo e Paris, vivendo alternadamente realidades distintas em um mundo ainda pouco conectado nas distâncias. Sua obra "na beira da abstração", como definiu Sam Hunter, talvez seja um pouco como foi sua vida, criando e "trocando" as raízes de muitos lás e cás.
Na sala 2 da Galeria Marcelo Guarnieri, em Encontro com Liuba, Claudia Jaguaribe apresenta uma instalação formada por fotografias feitas por ela nos ateliês de Liuba em Paris e em São Paulo. As imagens são compostas por recortes, colagens e interferências serigráficas, propondo um diálogo entre as operações que Liuba desenvolvia no espaço tridimensional e as desenvolvidas por Jaguaribe no bidimensional. Em seu trabalho, Claudia Jaguaribe também questiona a natureza da fotografia, expandindo seus modos de existência, seja em vídeos, objetos, instalações, livros ou até mesmo na internet.
Claudia Jaguaribe (Rio de janeiro, 1955) nasceu na mesma década que Liuba chegou ao Brasil, mas só "encontrou" com a artista em uma de suas estadias em Paris. Jaguaribe, que já vinha investigando a relação entre natureza e cultura por meio da fotografia, tinha muitas razões para se encantar por aquele jardim habitado por criaturas de bronze. Além da óbvia correspondência que se estabelecia entre as esculturas e a vegetação ao redor, o envolvimento que teve Liuba com o projeto modernista e sua motivação pela dimensão pública da arte já lhe renderia alguma pesquisa. As esculturas de Liuba não ocupam apenas salas de museus, reservas técnicas ou jardins particulares, elas também podem ser encontradas em jardins públicos, como o Jardim da Luz em São Paulo ou o Jardim Tino-Rossi em Paris, no Musée de la sculpture en plein air.
Claudia Jaguaribe já registrou em suas fotografias resultados diversos dessa difícil relação entre a humanidade e a natureza, seja do interior de apartamentos, das ruas de grandes centros urbanos ou em áreas de preservação ambiental. A participação humana, aliás, não se restringe à presença do corpo humano, mas abrange tudo aquilo que é de sua criação: seus objetos, construções, resíduos e intervenções. Desse modo, a arquitetura, dentro da produção de Jaguaribe, ganha uma importância semelhante à natureza: trata-se da paisagem, daquilo que se vê, mas que também se habita.
Um encontro com Liuba por Claudia Jaguaribe
Ao conhecer a obra de Liuba durante uma visita ao seu ateliê, em Paris, fiquei encantada com as múltiplas dimensões de seu trabalho. Ao voltar a São Paulo, resolvi logo fotografar seu acervo, desta vez no ateliê nessa cidade. Liuba faz parte de uma geração de artistas europeus que, emigrados pós-guerra, atuaram a partir dos anos 50 e 60, fundando o modernismo e exercendo grande influência na arte brasileira. Assim, ao fotografar suas obras, proponho a revisão de questões atuais e passadas sobre a herança modernista na arte.
Desde aquele primeiro encontro com Liuba entendi seu desejo de expansão do processo artístico; senti uma grande identificação com a tridimensionalidade das obras, com a necessidade de sair do plano, de ocupar o espaço e, também, com o seu flerte com a abstração da bidimensionalidade. Mas, ao estar em contato com seu trabalho, senti sobretudo a mesma busca por uma representação que extrapola o real.
Os pontos de contato entre mim e Liuba se descortinaram aos poucos, e então pude perceber que, com o seu estilo eclético, ela busca encontrar a modernidade, e eu a forma que expresse o contemporâneo. Percebi por meio dos animais, das formas e das figuras de Liuba, equivalências que ressoam no nosso cotidiano ao carregar o passado e o futuro de modo incerto. As fotografias resultantes deste encontro mostram seres híbridos, mutantes, que retratam a nossa condição de migrantes que transitam por diferentes nações, de estados de ser e de sexualidades. A carga dramática dessas formas escultóricas inseridas em imagens de hoje acentuam a universalidade das tensões presentes e a dimensão política da nossa condição humana.
Sobre Liuba (1923 - 2005)
Liuba desenvolveu em seu trabalho uma pesquisa atenciosa sobre o repertório formal dos mundos animal e vegetal e de culturas ancestrais, especialmente as sul-americanas. De 1944 a 1949 estudou com a escultora francesa Germaine Richier, primeiro na Suíça e depois em Paris, onde passou a viver e trabalhar. Em 1949 estabeleceu seu ateliê em São Paulo, mas foi só a partir de 1958 que decidiu viver entre São Paulo e Paris. Participou ativamente do circuito de arte brasileiro, sendo premiada na VII Bienal de São Paulo, em 1963 e integrando também as VIII, IX e XIII edições. Entre as décadas de 1970 e 1980 fez parte de seis edições do Panorama da Arte Brasileira realizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. Suas peças evidenciam uma lógica construtiva por meio da articulação entre cheios e vazios, contornos e ritmos, linhas e forças, explorando formas angulosas e enérgicas. O bestiário que construiu ao longo de sua produção carrega um sentido não somente mágico, como também trágico. O grande interesse que tinha a artista pela aproximação de suas esculturas à arquitetura pôde ser reconhecido em 1965, com sua individual no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Seus "animais" foram dispostos nos jardins do museu, de modo que pudessem dialogar tanto com o prédio, quanto com a área verde, "retornando", enfim àquele que parecia ser o seu habitat natural.
Suas obras integram importantes coleções públicas internacionais como a do Fond National d’Art Contemporain de Paris, do Museu de Saint-Paul de Vence na França, do Kunsthalle de Nuremberg na Alemanha, do Hakone Open Air Museum no Japão e do Musée de La Sculpture en Plein Air de La Ville de Paris; e integram também importantes coleções públicas nacionais como a do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, Coleção da Bienal de São Paulo e do Museu do Artista Brasileiro em Brasília, DF.
Sobre Claudia Jaguaribe (1955)
Formada em história da arte, artes plásticas e fotografia pela Boston University (EUA), participa de exposições nos principais museus e galerias do Brasil e no exterior desde 1990. Claudia Jaguaribe desenvolve uma pesquisa que explora a ideia de perspectiva e ponto de vista não só no assunto escolhido ou na maneira de fazer – em Entrevistas, por exemplo, série de fotografias produzidas a partir de conversas e visitas a casas de moradores de diversos bairros e classes sociais da cidade de São Paulo, onde são retratados junto às vistas de suas janelas –, mas também na maneira de exibir – em No Jardim de Lina, sua mais recente exposição na Casa de Vidro, em que dispõe as fotografias que fez do jardim, impressas em superfícies translúcidas, à frente dos grandes vidros que separam o interior da casa ao seu exterior, compondo uma cena de imagens sobrepostas.
Seus trabalhos estão em diversos museus e coleções brasileiras e internacionais tais como Museu de Arte Moderna, São Paulo; Inhotim, Brumadinho; Itaú Cultural, São Paulo; Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro; Victoria and Albert Museum, Londres; Maison Européene de la Photographie, Paris; Instituto Ítalo Latino Americano, Roma entre outros. Tem treze livros publicados e reconhecidos pela singularidade da integração fotográfica e projeto gráfico. Em parceria com Iatã Cannabrava e Claudi Carreras fundou, em 2013, a editora de fotolivros Editora Madalena, especializada em fotolivros.