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março 13, 2019

Marcelo Cidade na Vermelho, São Paulo

Em sua sétima exposição individual na Vermelho, Marcelo Cidade propõe um contraponto a sua última proposição para a galeria. Se em 2016, em Nulo ou em branco, um dos seus principais temas de pesquisa era a ‘Arquitetura social’ - aquela comprometida com a vida humana, que visa uma conexão maior com a realidade de cada um e com o espaço em que se vive – em Dívidas, divisores e dividendos seu foco se direciona à ‘Arquitetura hostil’ em dois conjuntos de trabalhos inéditos.

O termo ‘Arquitetura hostil’ foi cunhado por Ben Quinn, em reportagem de 2014 no jornal britânico The Guardian. O texto “Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of ‘hostile Architecture’” (Os espetos anti-desvalidos são parte de um fenômeno mais amplo de ‘arquitetura hostil’") disserta sobre como novos recursos de design influenciam o uso dos centros urbanos, em uma tentativa de excluir a população pobre, promovendo uma ocupação higienizada das cidades.

Em ‘Escala disciplinar’, 2019, Marcelo Cidade utiliza os espetos anti-desvalidos como parte de uma pesquisa tipológica sobre os métodos da ‘Arquitetura hostil’. Partindo da estatura média do brasileiro, Cidade organiza uma coleção desses dispositivos com referência aos tradicionais cortes (ou vistas) apresentados em projetos arquitetônicos: vista frontal, vista lateral e detalhe. Ao unir a linguagem de projeto à escala humana, Cidade devolve ao humano a disfunção ocasionada por dispositivos da ‘Arquitetura hostil’, como afirmou o artista em um texto sobre a série, “Tenho percebido o uso desses elementos em diversas cidades, e me intriga cada vez mais essa dualidade entre função e disfunção no proposito principal da arquitetura, gerando a exclusão do corpo humano em relação ao espaço dito público.”

Outra maneira de entender o olhar do progresso sobre a arquitetura veio quando o prédio modernista onde o artista mora teve sua prumada hidráulica substituída. Todo o canal ferroso embutido em vigas para controlar o escoamento de esgoto foi arrancado a marretadas da estrutura do edifício para ser substituído por canos considerados mais modernos, feitos em pvc. Ao contrário do que ocorre em parte das edificações europeias, as prumadas no Brasil – e em especial na arquitetura modernista, que, via de regra, evita adornos ou elementos suplementares em seus desenhos puristas – ficam camufladas na arquitetura, causando uma grande produção de resíduos e gastos quando algum tipo de reparo nesses elementos se faz necessário.

Marcelo Cidade colecionou os pedaços de canos ferrosos e os apresenta agora em ‘Refluxo estrutural’, 2019, em um exercício comparativo com os teoricamente mais avançados canos de pvc. Sobre uma estrutura de blocos de concreto, Cidade contrapõe os dois materiais aparentemente mal-ajambrados. Um olhar atento, no entanto, percebe os trincos feitos pelas marretas nos canos de ferro cuidadosamente reproduzidos nos canos de pvc. É esse gesto, que recorre a uma série de procedimentos tradicionais das artes, como a frottage (usada para transferir as marcas do ferro ao pvc) e ao entalhe (utilizado na reprodução em si), que chama a atenção ao paralelismo proposto pela obra.

Se o material ferroso já foi considerado o mais eficiente em determinado período da história, hoje suas desvantagens são claras. Contudo, os modernos canos de pvc não parecem um grande salto qualitativo quando se pensa no desenvolvimento sustentável de uma rede de saneamento eficiente. Embora o uso desse material apresente vantagens como a baixa condutividade elétrica, baixo peso comparativo, facilidade de manuseio, pouca acumulação de detritos e o baixo custo de aquisição, suas desvantagens são conhecidas desde o início do seu uso: baixa resistência térmica e mecânica, eliminação de fumaça e gases tóxicos e a falta de informações sobre seu desempenho sob uso prolongado. No mais, o pvc é um derivado do petróleo e os malefícios desse material são amplamente conhecidos. Além das diversas neurotoxinas presentes no material, de suas propriedades inflamáveis e da poluição gerada por sua extração e processamento, o custo humano relacionado aos combustíveis fosseis é alto, já que, por sua ampla capacidade de produção de bens e riquezas, são objeto de inúmeras guerras e confrontos políticos. Assim, podemos entender um conflito estrutural inerente às construções que abitamos e aos dispositivos que devem conduzir um dos elementos mais essenciais ao homem, a água.

Sobre o artista

Marcelo Cidade nasceu em São Paulo, em 1979. Vive e trabalha em São Paulo. Cidade já teve seu trabalho exposto em instituições e exposições internacionais como Fundação Serralves (Porto, Portugal, 2018), Palais de Tokyo (Paris, França, 2018), Museum of Contemporary Art Detroit [MOCAD] (Detrit, EUA, 2017), Museu de Arte de São Paulo [MASP] (São Paulo, Brasil, 2017), Museum Beelden aan Zee (Den Haag, Holanda, 2016), Bronx Museum (Nova York, EUA, 2015), Wexner Center for the Arts (Columbus, EUA, 2014), 8ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, Brasil, 2011), Trienal de Arquitectura de Lisboa (Lisboa, Portugal, 2010), XIV International Sculpture Biennale of Carrara (Carrara, Itália, 2010) e 27° Bienal de São Paulo (São Paulo, Brasil, 2006).

Sua obra está presente em importantes coleções como Phoenix Art Museum (EUA), Fundação Serralves (Portugal), Tate Modern (UK) Kadist Art Foundation (França), Museo Tamayo Arte Contemporaneo (México) e Bronx Museum (EUA).

Posted by Patricia Canetti at 11:05 AM