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fevereiro 24, 2019
Djanira no Masp, São Paulo
Artista abre ciclo dedicado às “Histórias das mulheres, histórias feministas” no Masp
Museu resgata a obra de uma das mais importantes artistas brasileiras, na maior exposição monográfica dedicada a ela desde a sua morte, há 40 anos
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – Masp, dá início à sua programação 2019, pautada pelo eixo temático “Histórias das mulheres, histórias feministas”, com uma grande mostra dedicada a Djanira da Motta e Silva (Avaré, 1914 - Rio de Janeiro, 1979). Uma das maiores artistas brasileiras, com carreira internacional e reconhecimento da crítica ainda em vida, Djanira teve pouca visibilidade após sua morte, em 1979. Maior exposição monográfica dedicada à artista nesses 40 anos, com cerca de 70 obras e curadoria de Isabella Rjeille e Rodrigo Moura, Djanira: a memória de seu povo busca revisitar e reposicionar seu trabalho no cenário artístico brasileiro. A mostra abre ao público dia 1º de março e segue em cartaz até 19 de maio, no MASP. Entre junho e outubro, será apresentada no Rio de Janeiro pela Casa Roberto Marinho, co-organizadora da exposição.
O recorte curatorial proposto pela exposição Djanira: a memória de seu povo enfoca a busca da artista por uma pintura nativista e os temas da cultura popular aos quais se dedicou ao longo de toda a sua carreira - e onde reside sua contribuição mais original para o modernismo brasileiro. De origem social trabalhadora, Djanira retratou suas vivências e seu entorno social, pintando amigos e vizinhos, operários e trabalhadores rurais, paisagens do interior e manifestações sociais, culturais e espirituais, como religiões afro-brasileiras, populações indígenas e danças folclóricas. “A ideia de uma pintura brasileira que refletisse e forjasse a identidade cultural da nação é o que de fato sempre buscou”, diz o curador Rodrigo Moura.
Organizada cronologicamente e em torno de núcleos temáticos que surgiram ao longo dos seus anos de viagens e pesquisas, a mostra abrange quatro décadas da produção de Djanira, possibilitando tanto uma análise ampla de sua trajetória como das mudanças de linguagem pelas quais passou ao longo da carreira. Autodidata, Djanira da Motta e Silva surge e se relaciona com a segunda fase do modernismo no Brasil, quando o diálogo com as vanguardas europeias já não é uma questão tão importante e o interesse dos artistas se volta para a transposição de suas experiências para as suas obras.
De ascendência austríaca por parte de mãe e indígena por parte de pai, Djanira da Motta e Silva teve uma infância marcada por deslocamentos. Antes de se casar pela primeira vez, trabalhou em lavouras de café e foi vendedora ambulante em São Paulo. Aos 23 anos, contraiu tuberculose e foi internada em Campos do Jordão, no interior de São Paulo, onde começou a fazer seus primeiros desenhos. Mudou para o Rio no final dos anos 1930 e, estimulada pelo convívio com pintores na pensão em que vivia em Santa Teresa, entre eles o refugiado romeno Emeric Marcier (1916-1990), matriculou-se em um curso noturno no Liceu de Artes e Ofícios, que frequentou por pouco tempo. Em 1942, participou pela primeira vez do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio, e, no ano seguinte, realizou sua primeira mostra individual.
Nos anos 1940, embarcou por conta própria para Nova York, onde passaria uma temporada. Em 1946, expôs nas galerias da New School for Social Research. A exposição seria visitada e comentada, com grande entusiasmo, pela então primeira-dama dos Estados Unidos, Eleanor Roosevelt (1884-1962) em seu programa de rádio e coluna de jornal, e repercutida por outros veículos da imprensa nova-iorquina. Antes de voltar ao Brasil, Djanira faria ainda uma exposição na União Pan-americana em Washington.
No seu regresso, Djanira viajaria pelo país, visitando diversas regiões a partir dos anos 1950, sobretudo a Bahia, onde manteve um ateliê e registrou cenas do comércio popular e se aproximou da cultura afro-brasileira. Para o concurso Cristo de Cor, promovido pelo Teatro Experimental do Negro, pintou Jesus como um homem negro escravizado sendo açoitado no Pelourinho de Salvador, um ambiente que remonta à colonização brasileira. Esta tela estará em exposição no MASP. Também dos anos 1950, data o painel Candomblé (1954), encomendado por Jorge Amado e pintado para o apartamento do escritor no Rio de Janeiro. A obra será apresentada pela primeira vez em uma mostra de museu.
Em comum com o romancista, Djanira também tinha um forte engajamento político, que a aproximou do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a levou à União Soviética (URSS) e também a pintar cenas de trabalhadores Brasil afora. Da coleção da Casa Roberto Marinho, entram na exposição quadros como Casa de Farinha (1956) e Serradores (1959), em que o trabalho é seu principal tema.
“Os trabalhos que ela produz a partir das viagens pelo país, entre os anos 1950 e 1970, são testemunhas de um Brasil em acelerada transformação”, diz a curadora Isabella Rjeille. “Djanira via a pintura como uma linguagem profundamente engajada com a realidade social e cultural do país, sem abrir mão de certo rigor formal.”
Em 1964, Djanira foi presa nos primeiros meses da ditadura militar. O episódio teve profundo impacto sobre a artista, que a partir daí se retirou da vida pública, passando 14 anos sem realizar uma exposição individual. Nesse período, a artista não deixou de pintar, recebendo colecionadores pessoalmente e se afastando do mercado de arte tradicional, refugiando-se no seu sítio em Paraty ao lado de seu companheiro, José Shaw da Motta e Silva. O retorno da artista se deu com uma mostra de cerca de 200 obras, organizada pelo Museu Nacional de Belas Artes, em 1976, sua última grande exposição em vida.
“Djanira teve uma significativa exposição pública e manteve intensa relação com a crítica em vida. Contudo, sua obra teve pouca circulação desde sua morte. Esta exposição tem como missão reparar essa ausência, apontando não apenas para a potência e complexidade de seu trabalho, mas também para sua inquestionável relevância hoje”, diz Rodrigo Moura.
Catálogo
Organizado por Adriano Pedrosa, Isabella Rjeille e Rodrigo Moura, o catálogo será lançado na abertura da exposição, com edições em português e inglês. A publicação inclui ensaios inéditos encomendados aos críticos e curadores Carlos Eduardo Riccioppo, Frederico Morais Kaira Cabañas, Luiza Interlenghi, e textos republicados de Mario Pedrosa, Mark Berkowitz, Flávio de Aquino, Clarival do Prado Valladares e Lélia Coelho Frota, além de textos inéditos dos organizadores.
Este livro também inclui uma seleção inédita de recortes de jornais, catálogos e folders de exposições que foram guardados pela própria artista ao longo de sua vida e serão reproduzidos de maneira fac-similar no catálogo. Os documentos – muitos deles com anotações de próprio punho da artista – foram doados pelo marido de Djanira, José Shaw da Motta e Silva, para o arquivo da Funarte, onde estão conservados desde 1981.