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janeiro 21, 2019
Pedro Moraleida no Tomie Ohtake, São Paulo
Parte da vigorosa e extensa produção de Pedro Moraleida, interrompida precocemente com sua morte aos 22 anos, em 1999, é apresentada pela primeira vez em São Paulo. Desde 2016, o Instituto Tomie Ohtake tem trabalhado para viabilizar a primeira retrospectiva do artista fora de sua cidade, Belo Horizonte.
Em Canção do sangue fervente, o curador Paulo Miyada reúne uma seleção de cerca de 200 trabalhos, de pinturas a poemas, que revelam a singularidade de uma obra que não se encaixou em nenhuma tendência e nem ao seu tempo. Com palavras, figuras, cores e traços, Moraleida construiu, segundo o curador, uma narrativa épica a partir de grandes séries povoadas de alegorias, símbolos e imagens de desejo, castração e violência. ‘Seu leme parece ter sido a decisão de se colocar em desacordo com toda sorte de consenso, fosse ele estético, moral ou comportamental”, destaca Miyada.
Os contemporâneos do artista na Universidade Federal de Minas Gerais, na década de 1990, surpreenderam-se por sua dedicação à pintura numa época tomada pelo conceitualismo e pelas instalações. “Pedro Moraleida rebelou-se contra o conformismo de sua geração e contra os atalhos ‘inteligentes’ que lhe pareciam estar em pauta no ensino da arte contemporânea. Decidiu que a arte precisava ser sempre um grito, um gozo, uma pústula, uma canção do sangue fervente. Alimentar-se de nossos desejos e traumas inconfessáveis, ao invés de polir a superfície cromada dos ambientes sofisticados”, afirma Miyada.
Nesta exposição, todo o esforço foi feito pelo curador para que as obras aparecessem com sua potência disruptiva e, ao mesmo tempo, amplamente contextualizadas pelas ideias e pulsões do artista. Entre os trabalhos estão diversos conjuntos de desenhos e pinturas, entremeados a textos, histórias em quadrinhos, listas, fotografias e poemas, com destaque para Faça você mesmo sua Capela Sistina, a mais ambiciosa de suas proposições, ocupando quase uma sala inteira. “Encontram-se do retrato passional da amizade até a escatologia visceralmente lançada sobre todo e qualquer símbolo de poder, passando por desabafos de inadequação social e por desaforos ao bom mocismo intelectualóide, com inúmeras referências ao sexo, invariavelmente combinadas com sinais de violência, mutilação e morte – obsessão por um prazer que por algum motivo permanece interditado”, ressalta Miyada. Para o curador ainda, toda provocação emanada pela obra de Moraleida foi antes de tudo vivida por ele, em uma trajetória de excessos e angústias. “Era ele mesmo quem não aceitava se assentar em qualquer senso comum ou atenuação da arte e da vida. Essa intensidade custou sua vida”.
Após a morte do artista, seus pais Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida convidaram o jovem professor Gastão Frota e colegas – Cinthia Marcelle, Emílio Maciel, Pedro Bozzolla e Sara Ramo – para fazer o primeiro levantamento da obra de Moraleida e a curaradoria de uma exposição que ocupou todas as salas de um antigo hospital infantil abandonado, em Belo Horizonte com uma ampla seleção de suas mais de 450 pinturas, 1450 desenhos, 400 textos e 100 experimentos sonoros.
Desde então, pesquisadores e curadores como Marcos Hill, Rodrigo Moura, Camila Bechelany, Maria Inês Coutinho, Solange Pessoa, Augusto Nunes Filho, Adriano Gomide, Walter Sebastião e Veronica Stigger debruçaram-se sobre seu trabalho em mais de uma ocasião. Ainda assim, este só circulou amplamente há pouco tempo, primeiro quando Juliana Cintra mostrou seus trabalhos, na 5ª Edição da “Exposição de Verão” da Galeria Box 4, em janeiro de 2008, no Rio de Janeiro, mas, principalmente, quando Cinthia Marcelle indicou a participação de Moraleida na mostra itinerante Imagine Brazil (Oslo, Lyon, Doha, Montreal e São Paulo, entre 2013 e 2015). No ano passado, uma mostra retrospectiva no Palácio das Artes em Belo Horizonte cativou amplo debate público.