|
dezembro 15, 2018
Burle Marx no MuBE, São Paulo
MuBE inaugura exposição em homenagem a Roberto Burle Marx
Jardim do museu foi projetado pelo paisagista; intitulada Burle Marx: arte, paisagem e botânica, mostra reúne obras inéditas e apresenta faceta polivalente do artista
Natureza, arte e arquitetura convergem na obra de Roberto Burle Marx. O artista transpunha com destreza a linguagem pictórica ao paisagismo, contrapondo formas orgânicas abstratas à rígida geometria da arquitetura. Não à toa, tornou-se um dos maiores paisagistas do século XX, somando ainda, os adjetivos de arquiteto, pintor, escultor, designer, botânico, ecologista e ativista pelas causas ambientais. Em homenagem à sua trajetória, o Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE) inaugura em 8 de dezembro a mostra Burle Marx: arte, paisagem e botânica.
Com curadoria assinada por Cauê Alves, a exposição é dividida em três núcleos, já enunciadas em seu título, evidenciando a faceta polivalente do artista. No total, são cerca de 70 trabalhos, entre desenhos, pinturas, esculturas, tapeçarias, peças de design, projetos paisagísticos e registros de espécies botânicas e de expedições científicas que realizou ao longo da vida.
"Queremos chamar a atenção para os mais diversos atributos de Burle Marx, mas sem um tom de retrospectiva. Ao contrário, trazemos ao público singularidades pouco exploradas de um artista de múltiplas capacidades. Sem dúvida alguma, o paisagismo foi sua grande contribuição para o mundo, mas ele foi muito mais do que um grande paisagista", pontua Alves.
No núcleo Arte, destaque para as telas que vão do realismo figurativo, como é o caso de uma natureza morta Sem título (s/d), à abstração informal, tal qual o óleo sobre tela Mangue azul (1963). Em outros suportes, Sem título (1984), uma pintura sobre o tecido de uma toalha de mesa, e Sem título (1965), tapeçaria de lã.
Autor de centenas de projetos paisagísticos no Brasil e no mundo, Burle Marx se valeu de plantas, construções, relevos, painéis de azulejos e de mosaicos de tradição portuguesa. À essa produção se volta o núcleo Paisagem. Entre os trabalhos aqui apresentados, duas plantas do projeto criado para o Terraço Itália, no centro de São Paulo. Hoje já descaracterizado, o projeto do restaurante instalado na cobertura do icônico Edifício Itália foi fruto de uma parceria entre o paisagista e o arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Devido a sua fama, Roberto Burle Marx foi inúmeras vezes convidado por nomes da elite brasileira para projetar jardins de suas residências. Foi o caso, por exemplo, de Ema Klabin, figura emblemática do mundo das artes, mecenas e colecionadora. O jardim de sua casa, hoje sede da fundação cultural que leva seu nome, foi uma das criações do paisagista. Situada exatamente à frente do MuBE, o espaço funcionará como uma extensão da exposição.
O grande destaque da seção ficará por conta da remontagem provisória em vinil do monumental mosaico de pedras desenhado pelo artista no primeiro estudo para o jardim do MuBE, instituição que hoje o homenageia. É dele o projeto paisagístico do espaço externo que circunda a também construção modernista de Paulo Mendes da Rocha. A composição do jardim foi elaborada a partir da relação com a cidade e da humanização do urbanismo. Na mostra, o projeto, jamais executado em sua totalidade, será apresentado temporariamente, em tamanho real, ocupando toda a área externa do museu durante o período da exposição.
"Paulo Mendes da Rocha e Burle Marx, a quem coube a questão da ecologia do MuBE, idealizaram um museu integrado com o bairro, que já é um jardim, o Jardim Europa. Ele integra o projeto justamente com a ideia de dar conta desse aspecto que está na origem da instituição. Cidade e natureza estão em diálogo constante em sua obra", comenta o curador.
Filho de pai alemão e mãe pernambucana com descendência francesa, Burle Marx começou a colecionar plantas na infância, com sete anos de idade. Formou-se em artes plásticas e arquitetura nos idos de 1933 e, na mesma década, descobriu a flora brasileira de forma antropófoga, durante uma viagem a Berlim.
Ao longo de sua vida, descobriu cerca de 35 espécies de plantas em suas famigeradas expedições Brasil adentro. O núcleo Botânica reúne os registros destas viagens e traz ao público desenhos, exsicatas e fotografias assinados pelo artista e também trabalhos de contemporâneos influenciados por sua obra, como a britânica Margaret Mee, que se especializou em plantas da Amazônia, e o brasileiro Caio Reisewitz, que retrata o jardim berlinense que despertou no paisagista o olhar apurado para a flora tropical.
Nesse sentido, o curador chama atenção para a íntima relação que Burle Marx nutriu com o meio ambiente. "Ele é um personagem que tem uma relação muito forte com o campo da ciência. Foi militante pelas causas ambientais quando esta não era ainda uma pauta da sociedade brasileira", recorda.
Entre os embates que abraçou, uma ferrenha e crítica oposição à derrubada de árvores para a construção de estradas pelo país nos anos 1970, quando a ação era, inclusive, propagandeada pelo Governo Federal.
"Neste setor cometem-se erros diários. Por diversas vezes naturalistas alertaram contra o fato de se fazer propaganda de grandes obras públicas, como a abertura de estradas (...) Mostram isso como um símbolo de vitória da tecnologia sobre a natureza. (...) Ninguém é contra a derrubada necessária de uma árvore para abrir estrada. O que não se pode aceitar é a propaganda disso com a chancela do próprio chefe da Nação. Esse é um erro tremendo", afirmou Burle Marx em 4 de agosto de 1973, em uma entrevista do O Estado de São Paulo, referindo-se a um vídeo que registrava a derrubada de uma árvore para a construção da rodovia Perimetral Norte, no Rio de Janeiro, ação presenciada pelo então presidente da república e veiculada em programas televisivos e até mesmo no cinema.
Sobre o curador
Cauê Alves é curador geral do MuBE. Doutor em Filosofia, professor do Departamento de Arte da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP e do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Foi um dos curadores do 32º Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2011) e curador adjunto da 8ª Bienal do Mercosul (2011). Foi membro do Conselho Consultivo de Artes do MAM-SP (2005-2007) e curador do Clube de Gravura do MAM-SP (2006-2016). É autor do livro Mira Schendel: avesso do avesso e da mostra homônima (Bei Editora/ IAC, 2010). Foi curador assistente do Pavilhão Brasileiro da 56ª Bienal de Veneza (2015). Foi co-curador da mostra Sergio Camargo: Luz e Matéria, no Itaú Cultural e Fundação Iberê Camargo (2015-2016), entre outras.