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dezembro 9, 2018
Lucia Laguna no MASP, São Paulo
A paisagem observada da janela do ateliê inspira obra de Lucia Laguna
A artista produziu para a mostra uma obra que dialoga com a coleção do MASP e os cavaletes de Lina Bo Bardi
Em paralelo a Pedro Figari: nostalgias africanas, o MASP abre ao público, em 14 de dezembro, Lucia Laguna: vizinhança. A mostra é uma seleção de 21 obras da produção mais recente da artista, de 2012 a 2018. Laguna passou a se dedicar à pintura nos anos 1990, depois de se aposentar como professora de língua e literatura portuguesa e latina e se descobriu artista plástica ao frequentar os cursos livres da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, no Rio de Janeiro.
As pinturas de Laguna são inseparáveis do local onde foram feitas: o ateliê-casa onde vive a artista de 77 anos e os arredores do bairro de São Francisco Xavier, zona norte do Rio de Janeiro, que podem ser vistos pela janela de seu estúdio. A artista conta que encontrou sua maneira de pintar a partir da observação de seu entorno: “Eu estava tentando encontrar um caminho em que eu me sentisse segura e dissesse: vou desenvolver isso. E eu só encontrei isso quando olhei para minha janela, para as empenas dos prédios [...]. Estou na frente do morro da Mangueira, deixa eu olhar isso de uma outra maneira, com um outro olhar”. A artista divide sua produção em três principais temas: Jardim, Estúdio e Paisagem, que, segundo Isabella Rjeille, curadora da exposição, “(...) definem e ampliam sua vizinhança. A partir de suas telas, a artista reconstrói o espaço ao redor de si, onde não há distinção entre dentro e fora, entre a casa e a cidade”.
Está dentro do último tema a obra criada pela pintora especialmente para a exposição no
MASP, Paisagem nº 114 (2018), na qual se veem diversas referências a obras da coleção do museu. “Com o mesmo movimento centrípeto que caracteriza seu processo, Laguna absorve o espaço de seu ateliê, de seu jardim, do MASP e da coleção da instituição para a tela”, diz Isabelle Rjeille. Nessa pintura, fragmentos de quadros presentes no MASP se confundem com as plantas do jardim da artista, o desenho sintético de uma vista lateral do edifício feito por Lina Bo Bardi convive com o guardião chinês de 618-907 d.C., uma das primeiras esculturas que avistamos ao entrar no segundo andar do museu, onde encontra-se a exposição Acervo em transformação, nos cavaletes de vidro.
“Há também duas referências à coleção kitsch, que não estão expostas nos cavaletes, mas integram a plural coleção do museu: um prato de porcelana com enfeites em relevo no formato de peixes e um sapato de plataforma, borrando distinções entre o que é tido como ‘alta’ e ‘baixa’ cultura”, afirma a curadora. “Todo o quadro é, por fim, seccionado por linhas que aludem às bordas dos vidros dos cavaletes de Bo Bardi, que, em registros fotográficos, marcam sua presença fantasmagórica.”
No entanto, sua vizinhança não informa apenas os temas das pinturas, mas também o seu processo, suas escolhas formais e referências. A artista, que desde o final dos anos 1990 dedica-se ao estudo minucioso das técnicas de pintura, mistura referências da História da arte com elementos encontrados no seu entorno e integra ativamente seus assistentes no processo. Eles iniciam as telas, esboçando as primeiras imagens, que mais tarde serão cobertas, redesenhadas, transformadas, rotacionadas ou capazes de reaparecer, ao retirar-se a fita adesiva que servia de máscara para a aplicação da tinta. “Esse processo coletivo trouxe para Laguna não apenas uma dinâmica própria na elaboração de suas telas, mas desafios formais a serem resolvidos em diálogo, além da incorporação de outros vocabulários ao seu léxico formal”, acrescenta Isabella Rjeille.
Ao escrever sobre Lucia Laguna para o catálogo da exposição, Fabiana Lopes assinala que ela “se tornou uma jovem artista aos 54 anos, começando sua prática após concluir seu ciclo como professora de português e literatura. A passagem para a pintura foi ancorada em prática assídua – Laguna dedicava de cinco a seis horas diárias à pintura – e em estudo das obras daqueles que considera sua ‘família artística’, sob a orientação de Charles Watson, pintor e professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage no Rio de Janeiro”.
Os nomes dessa ‘família’ estão listados em lugar bem visível do ateliê de Lucia Laguna e dela fazem parte, por exemplo, Sean Scully, Richard Diebenkorn, John Baldessari, Henri Matisse, Giorgio Morandi, Paolo Uccello, Paula Rego, Beatriz Milhazes, Julie Mehretu, Cristina Canale, Vânia Mignone e Cathy de Monchaux, entre outros.
Histórias afro-atlânticas
A exposição ocorre em um ano inteiro dedicado às trocas culturais em torno do Atlântico, envolvendo África, Europa e Américas ---que incluiu mostras individuais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Maria Auxiliadora e Emanoel Araujo, que ocorreram no primeiro semestre, a coletiva Histórias Afro-atlânticas e a monográfica de Melvin Edwards, realizadas no segundo semestre, assim como as exposições de Sonia Gomes e Rubem Valentim, no museu até março de 2019.
Na sala de vídeo, também serão apresentados, ao longo de 2018, autores de diferentes nacionalidades, gerações e origens capazes de contar outras histórias da diáspora negra. Os artistas que participam do programa são: Ayrson Heráclito (19/4 a 17/6), John Akomfrah (28/6 a 12/8), Kahlil Joseph (23/8 a 30/9), Kader Attia, (11/10 a 25/11), Catarina Simão (13/12 a 27/01/19), Jenn Nkiru (08/02 a 24/03/19) e Akosua Adoma (14/6 a 18/7/2019).
Catálogo
A publicação Lucia Laguna: Vizinhança, com organização editorial da curadora Isabella Rjeille, será lançada no dia da abertura, com edições separadas em português e inglês, incluindo reproduções de todos os trabalhos expostos e textos de autores convidados a produzir novas reflexões sobre a obra de Laguna, como Bernardo Mosqueira, Fabiana Lopes, Marcelo Campos e a própria curadora da mostra.